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Governo Bolsonaro deu permissão para clube de tiro e loja de armas dentro da Ceagesp

Empresa funcionou no local, mas saiu após a eleição e fim da gestão de ex-comandante da Rota à frente da estatal

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Ex-presidente da Ceagesp, Mello Araújo visitou a unidade de Bragança Paulista da G16, um mês após a empresa receber concessão para abrir loja dentro do enreposto - Foto: Divulgação

A Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), estatal ligada ao governo federal, autorizou a instalação de um clube de tiro em sua sede, na Vila Leopoldina, zona oeste da capital paulista, em julho de 2022. O espaço funcionou até 22 de novembro do mesmo ano.

A Seven Shooting Academia de Tiros e Comércio de Importação Ltda, que usa o nome fantasia de G16 Universidade do Tiro e Caça Premium, venceu um edital de locação da sala 12 da Ceagesp, que tem 600 metros quadrados, para a construção de um clube de tiro e uma loja de armas dentro do espaço.

A abertura do espaço é motivo de uma denúncia apresentada ao Ministério Público Federal (MPF) pelo deputado estadual Mário Maurici (PT-SP), que presidiu a Ceagesp por seis anos e questiona a construção de um clube de tiro dentro do entreposto, que tem por atividade a comercialização de flores, frutas, legumes, pescados e verduras.

"Você tem no regulamento da Ceagesp a previsão de atividades atípicas dentro do entreposto, que não a vendas de gêneros alimentícios, mas que estão ligadas a essas atividades, como embalagens de produtos ou produção de caixas, por exemplo. Mas nunca um clube de tiro. Qual a ligação dessa atividade com a Ceagesp?", pergunta Maurici.

No texto do edital vencido pela G16, a Ceagesp explica o que seriam as "atividades atípicas" aceitas na sede da estatal. "Comercialização de produtos e prestação de serviços auxiliares ligados às atividades típicas como, por exemplo, venda de produtos em equipamentos apropriados e os demais não enquadrados como típicos."

Em resposta ao Brasil de Fato, a Ceagesp afirmou que "as áreas típicas são aquelas destinadas à comercialização de produtos hortifrútis. Já as áreas atípicas estão relacionadas a serviços, como bancos, restaurantes, chaveiros, etc., que funcionam no entreposto para atender aos públicos interno e externo da Ceagesp. Todas as licitações, de áreas típicas e de áreas atípicas, são públicas e abertas a todos os interessados que atendam aos requisitos estabelecidos nos editais."

A autorização para que o clube de tiro e a loja de armas fossem instaladas no local veio durante a presidência do coronel da reserva Ricardo Nascimento de Mello Araújo, ex-comandante da tropa das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), nomeado para o cargo por Bolsonaro em 23 de outubro de 2020.

Na última segunda-feira (7), o Brasil de Fato revelou que durante a gestão de Mello Araújo, dos 26 cargos comissionados para empregados sem vínculo com a Administração Pública disponíveis na Ceagesp, 22 foram ocupados por policiais militares.

Leia Mais: No governo Bolsonaro, ex-comandante da Rota militarizou Ceagesp com 22 PMs em cargos técnicos

Um mês após a G16 vencer o edital, Mello Araújo visitou a sede de Bragança Paulista da empresa, onde tirou fotos ao lado dos dois filhos, todos com armas na mão. Para Maurici, o ex-comandante da Rota é responsável pela abertura do espaço para um clube de tiro. "A Ceagesp era a meca do bolsonarismo. Aqui em São Paulo, essa política da militarização da vida, de cultura do ódio e apologia à violência teve sucesso na Ceagesp, durante a presidência do Mello Araújo."

Ainda de acordo com o parlamentar, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, deve mudar o perfil do entreposto. Nas próximas semanas, o governo federal deve anunciar o nome do próximo presidente da Ceagesp, que interinamente tem sido comandada por Hamilton Ribeiro Mota, ex-prefeito de Jacareí.

"Com o Paulo Teixeira, a Ceagesp voltará à sua origem e à normalidade, com uma gestão distante do que pretendia o Mello Araújo", finalizou Maurici.


Entrada da sala 12, sede da G16 no Ceagesp / Foto: Divulgação

"Saíram correndo"

O edital vencido pela G16 prevê um Contrato de Concessão Remunerada de Uso (CCRU) Definitivo, com vigência de vinte anos, improrrogáveis. Pela sala, o clube de tiro pagaria o equivalente a R$ 28.074,28 por mês.

Apesar do tempo previsto de contratação pelo edital, a reportagem do Brasil de Fato esteve no local e constatou que a sala 12 não está mais ocupada pela G16. A Ceagesp explicou.

"Após arrematar área no entreposto da capital, a Seven assinou contrato provisório por 90 dias para proceder a abertura de empresa ou constituir filial no endereço do Entreposto de São Paulo, para, somente depois, ter a possibilidade de assinar o contrato definitivo por 20 anos. Ocorre que a empresa solicitou desistência da área em 4 de novembro de 2022."

A saída repentina foi confirmada ao Brasil de Fato por um trabalhador da administração da Ceagesp que falou em condição de anonimato, por receio de ser perseguido pelos policiais militares da antiga gestão.

"Eles (G16) ficaram aqui durante a campanha do Bolsonaro, apostavam que o Bolsonaro se reelegeria e o Araújo continuaria presidente, mas perderam tudo e saíram correndo daqui logo depois da eleição. Na campanha, eles andavam por aqui com foto e camiseta do Bolsonaro, todo mundo via, andavam com os policiais militares do Mello", afirma.

Imagens de novembro, que o Brasil de Fato teve acesso, mostram uma foto do ex-presidente Jair Bolsonaro usando a faixa presidencial, em um quadro emoldurado, na entrada do estande de tiro da G16.


Imagem de Bolsonaro enfeitava a entrada da sede da G16 na Ceagesp / Foto: Divulgação

Em suas redes sociais, a G16 anunciou um churrasco para acompanhar a apuração do segundo turno das eleições, em 30 de outubro. No dia seguinte, com a derrota de Bolsonaro confirmada, Daniel Pazzini Araújo da Silva, um dos sócios da empresa, publicou um vídeo, sorrindo, convidando os clientes a comprarem armas.

"Essa é a sua última oportunidade, vocês viram o que aconteceu na eleição, vocês têm até dia 1 de janeiro para comprar sua arma, porque depois nós não sabemos o que pode acontecer. Corram para a G16", convida um dos sócios da empresa.

Em nota, Gustavo Pazzini, um dos sócios da G16, afirmou que "não possui relação com a CEAGESP, de qualquer natureza" e que prestará "todos os esclarecimentos fáticos e jurídicos ao MPF, caso sejamos notificados a prestar informações". A empresa não nega que tenha funcionado no local.

"Consigo te vender"

Uma gravação, feita por um prestador de serviços da Ceagesp, em novembro de 2022, e obtida pelo Brasil de Fato, mostra que o estande da empresa no local chegou a atender ao público. Um funcionário do grupo recebe o "cliente" (que será mantido em anonimato) e tenta filiá-lo à marca.

Durante o diálogo, gravado com um celular escondido, o funcionário da G16 confirma que a empresa já está vendendo armas, mas que a entrega só poderia ser feita em outra unidade, onde haveria estoque para atender aos clientes.

Cliente: Tá funcionando já?
Funcionário da G16: Ainda não, está em obras.
Cliente: Vocês estão vendendo já?
Funcionário da G16: Sim. Estamos fazendo filiação aqui e utiliza o clube lá do Campo Limpo e Bragança.
Cliente: Arma você está vendendo?
Funcionário da G16: Arma eu tenho, mas não aqui. Eu consigo te vender, tenho estoque lá no Campo Limpo.

Em seu site, a G6 chegou a incluir a Ceagesp como uma das unidades disponíveis para que os associados frequentassem. Uma captura de tela de dezembro de 2022 mostra que a sede aparece na relação de opções.


Ceagesp aparece como uma das unidades da G16 / Foto: Divulgação

O espaço e seus sócios

No dia 8 de setembro de 2022, um dos sócios da G16, Gustavo Pazzini Araújo da Silva, recebeu o deputado federal Mário Frias (PL-RJ), que na época era candidato a uma vaga no Congresso Nacional, para apresentar a sede do clube de tiro na Ceagesp, que ainda estava em obras.

Frias, que é ex-ministro da Cultura do governo de Jair Bolsonaro, publicou um vídeo da visita em sua conta pessoal no Twitter. Durante o encontro, o deputado federal celebrou a construção do espaço.

"Esse vai ser, talvez, um dos maiores estandes do grupo G16 em São Paulo... O lugar é espetacular, né. Agora teremos uma atividade de tiro esportivo pra você trazer sua família", afirmou Frias, que em seguida fala sobre a pauta armamentista e comenta sobre a gestão de Mello Araújo à frente da Ceagesp. "Todo mundo sabe a importância, principalmente para o presidente. Deu, né? Há uma limpeza ética moral aqui."

Pazzini explica ao deputado federal as características do espaço, enquanto passeiam pelas obras da sala. "Tudo isso para proporcionar pra galera aqui do Ceagesp, que é praticamente uma cidade, o acesso ao clube de tiro, né. Serão duas pistas, uma média e uma longa. Uma privativa e uma geral longa para treinamento até de fuzil."

A G16 Universidade do Tiro e Caça Premium foi fundada em 16 de janeiro de 2020 pelos irmãos Gustavo Pazzini Araújo da Silva e Daniel Pazzini Araújo da Silva. Há ainda outros dois sócios: Magno Carvalho Santos e Lo Amy Silva Pereira.

A empresa tem quatro unidades, onde vende armas e mantém clubes de tiro, em Bragança Paulista e São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e nos bairros de Moema e Vila Pirajussara, na capital paulista.

Clã bolsonarista

Nas redes sociais, os irmãos Pazzini gostam de exibir a proximidade com alguns dos principais nomes do bolsonarismo. Há registros com o filho do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Em uma das fotos, o parlamentar participa do Pod Pow, podcast com temática armamentista apresentado por Gustavo Pazzini.

Além de Eduardo Bolsonaro e Mário Frias, outros deputados federais bolsonaristas aparecem nas redes sociais dos irmãos, em eventos armamentistas ou nas sedes da G16: Tomé Abduch (Republicanos-SP), Sargento Fahur (PSD-PR) e Nikolas Ferreira (PL-MG).

Guilherme Derrite, Secretário de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), visitou a unidade de São José do Rio Preto e fez um vídeo para as redes sociais da G16. O deputado estadual Gil Diniz (PL-SP), ex-assessor de Eduardo Bolsonaro, também aparece em fotos com Gustavo Pazzini.


Pazzini (com a máscara caída), ao lado de Eduardo Bolsonaro. À esquerda, está o vereador Paulo Chuchu (PRTB), de São Bernardo do Campo, que é ex-assessor de Eduardo / Foto: Reprodução/Instagram

Outro lado

Em nota, a G16 respondeu. Leia na íntegra:

O Grupo G16 atua em um ramo de negócio rigidamente regulado e fiscalizado pelo Exército Brasileiro, e colaborou na geração de milhares de empregos diretos e indiretos e na movimentação da economia brasileira que esse ramo proporcionava ao Brasil e aos brasileiros até final do ano passado. Ainda, que o Grupo G16 fomenta o esporte nacional, através do Tiro Desportivo, cuja modalidade, diga-se de passagem, conquistou a primeira medalha olímpica de ouro do Brasil.

O Grupo G16 sempre atuou no mercado com rigorosa observância à legislação brasileira e da Constituição Federal, preservando com rigor a honestidade e transparência nas suas relações com clientes, fornecedores, colaboradores, entes estatais e com a sociedade brasileira.

Edição: Nicolau Soares