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Museu das Culturas Indígenas inova com gestão compartilhada e valorização das diversidades

A ideia de "memória viva" propõe conversações entre indígenas e não-indígenas, através da memória e ancestralidade

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As indígenas Dirce Jorge e Susilene Deodato fazem parte da equipe que criou e está desenvolvendo o Museu das Culturas Indígenas - Pedro Stropassolas
Pensar um modelo de museu vivo, onde a gente fala do que hoje estamos fazendo

O primeiro museu construído e conduzido por indígenas no Brasil está em São Paulo. 

"Aqui nós estamos na Taua. Tawa em Guarani significa casa da transformação, e foi esse nome que nós demos para o Museu das Culturas Indígenas. Esse museu, essa Taua para a gente é uma grande escola, porque a gente vê ainda hoje grande parte da sociedade brasileira desconhece a grande diversidade dos povos indígenas", explica Cristine Takuá, professora e diretora do Instituto Maracá.

O Museu das Culturas Indígenas foi inaugurado para o público em junho de 2022 e ainda está em processo de construção. O espaço pertence à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado e representa uma conquista para a luta indígena.

"Quando pensamos em criar esse museu, foram anos de luta junto ao Governo do Estado para a gente conseguir ter esse espaço. É justamente pensar um modelo de museu vivo, onde a gente fala do que hoje estamos fazendo, de quem hoje nós somos e, é claro, que para isso tem que se retomar uma história do antigo, que são os nossos ancestrais, rezadores, parteiras e todos os que lutaram para que hoje nós estivéssemos aqui", ressalta a indígena Cristine. 

Tupi guarani, Krenak, Kaingang, Terena, além de outros povos que vieram para São Paulo de outras regiões do Brasil. A gestão compartilhada por meio do Conselho Indígena Aty Mirim é o que marca esse novo conceito de museu, que fortalece sobretudo, o protagonismo indígena.

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Susilene vem da terceira geração de mulheres líderes da Cultura Kaingang. Assim como a mãe, Dirce, ela também pertence ao conselho do novo museu. 

"O conselho é todo indígena, de vários povos. Eu falo que a importância de ter o parente trabalhando aqui, a gente vê que é com mais carinho, com mais dedicação e que ele vai estar falando do seu território e assim está nos representando. Não falar por nós, mas ter aquela representatividade de estar falando que a gente está lá no interior do oeste paulista. Isso é muito importante para a gente porque cada dia que passa está nos fortalecendo dentro do nosso território". ressalta Susilene. 

Kuiã (xamã) da cultura Kaingang, Dirce pretende levar as trocas que vem tendo no museu para a Terra Indígena Vanuíre, o território ancestral da líder espiritual.

"Estamos aqui para poder falar também para os nossos parente como é o museu indígena. Porque a nossa terra já é um museu, é onde está a história e onde é a nossa história. Então também estamos aqui na mesma luta e lutando pelo museu das culturas indígenas. Porque para nós também vai nos reforçar também na nossa base, que é na nossa terra indígena, junto com o nosso museu que está lá na nossa aldeia", destaca Dirce,  

Mestras e mestres do saber

Uma curiosidade do espaço é que cada andar do museu tem um mestre ou mestra do saber. Michel é um deles. O jovem da etnia Guarani Mbya, que tem a maior população do estado, diferencia o museu indígena dos modelos tradicionais.

"Pelo que vejo, por exemplo, o Museu das Línguas Portuguesas tem bastante história, fala muito sobre as lutas dos povos indígenas, mas não tem o povo, para falar o que é a luta, o que é ir atrás dos direitos dos povos indígenas. E a gente gosta de viver nesse modo, com a natureza, gosta de viver com os animais. Então nessas questões acho que transformam com o mestre dos saberes, porque ele habita e vai vai puxando, vai enxugando a sabedoria, vendo a realidade da comunidade, falando sobre as lutas indígena, falando da vida, como que é os indígenas, os Guarani Mbya convivem nas aldeias indígenas", explica Michel. 

Conversações de vida

O Museu das Culturas Indígenas está localizado ao lado do Parque da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo, e está aberto para visitação de terça a domingo, das 9h às 18h. 

A educadora Cristine explica a relação ancestral e espiritual do espaço.  

"Existe um segredo muito profundo dentro do sagrado e os nossos antigos, muitas vezes passando por muitos rituais, por muitas rezas, foram colocados na terra objetos de muito poder e uma vez que esses objetos são trazidos de volta para terra implica do campo do invisível, das relações espirituais, que a ciência não está dando conta. Então, falar sobre museologia hoje, é falar também sobre espírito, é falar sobre os invisíveis, é falar sobre o respeito a quem já foi e ficou durante muito tempo realizando os seus rituais para que hoje existisse vida", alerta Cristine.

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A liderança Kaingang, Dirce Jorge também reforça a mensagem.

"Esse museu a gente fala que é o coração do nosso povo. É aonde também fortalece a nossa cultura e aonde refortalece também o nosso povo. Aonde une mais o nosso povo. Os indígenas", resume Dirce. 

Edição: Daniel Lamir