POLÍTICA URBANA

"A favela existe": os desafios de Guilherme Simões, do MTST, na Secretaria da Periferia de Lula

Do movimento ao gabinete, secretário do Ministério das Cidades quer "periferia no centro" e mais participação social

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto assumiu chefia de secretaria ligada ao Ministério das Cidades - Joedson Alves/Agência Brasil

"Eu sempre brinco que o Grajaú é meu país", diz o sociólogo e educador popular Guilherme Simões, novo secretário nacional de Políticas para Territórios Periféricos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sobre a adaptação à Brasília (DF).

Nascido na zona sul de São Paulo, e militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) na capital paulista, Simões tem a mudança para a capital federal como o primeiro de seus desafios no comando da Secretaria de Periferias – como tem sido chamada a pasta, vinculada ao Ministério das Cidades, de Jader Filho (MDB).

Das ocupações de moradia e reuniões do movimento popular aos gabinetes e repartições públicas, Simões tem a tarefa de articular soluções para a urbanização de favelas e áreas de risco, além de dialogar com prefeituras e movimentos sociais das periferias de todo o Brasil.

O novo secretário recebeu o Brasil de Fato em sua nova sala, em um prédio comercial alugado pelo governo federal na Asa Norte, antigamente ocupado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Com menos de um mês no cargo, Simões ainda está formando a equipe da secretaria, que deve ter cerca de 20 servidores. Ele admite que uma das surpresas positivas dos primeiros dias atuando no poder público foi encontrar um grande número de servidores engajados e comprometidos com a pauta, muitos deles empolgados com a possibilidade de trabalhar no tema.


Escritório da Secretaria de Periferias fica em prédio comercial na Asa Norte, no Plano Piloto de Brasília (DF) / Joedson Alves/Agência Brasil

"Periferia no centro"

Com o time formado, segundo o secretário, o grande desafio será "colocar a periferia no centro do debate sobre política urbana".

"Quando se fala de política urbana, se pensa o seguinte: quando você vê uma favela, a política urbana é que essa favela não exista mais. Qual é a política urbana? Tirar essas pessoas e deixar tudo bonitinho. Mas, não pode ser assim. As favelas são uma realidade. Tentam criminalizá-las, destruí-las e incendiá-las, mas elas existem. É preciso pensar em soluções para essas pessoas", explica Simões.

"A mudança climática que estamos vivenciando vai gerar problemas com que essas pessoas vão ter que lidar em sua realidade. O desafio é pensar em soluções para preservar vidas, especialmente diante das tragédias que estão se agravando, como enchentes e deslizamentos", diz o secretário.

Para responder aos desafios que terá na pasta, Simões defende que as políticas públicas tenham como guia o que as próprias periferias já produzem como soluções de política urbana. Segundo o secretário, o reconhecimento das ações dos movimentos populares e comunidades periféricas é fundamental.

Relembre: Militante negro do MTST vai comandar nova Secretaria Nacional de Periferias no governo Lula 

Questionado pela reportagem sobre como pretende promover a participação social nas políticas da secretaria, o integrante do MTST disse que o "novo ciclo de participação social" depende não só da reconstrução de estruturas formais, como conselhos e conferências, mas, justamente, da valorização das iniciativas populares como políticas de enfrentamento às desigualdades.

"Precisamos criar urgentemente tecnologias de mobilização social que vão além do que já foi feito. Não em conflito com o que já foi feito, mas sim ajudando a superá-lo. É preciso reconhecer que os grupos organizados e os movimentos estão agindo e propondo política pública, que é integrável à política pública estatal", argumenta Simões.

"O cara que faz um negócio, por exemplo, como o Dinei [Medina] faz [promove o desenvolvimento sustentável de comunidades de baixa renda através da energia solar] numa favela como a Chapéu Mangueira, está fazendo política pública. Ou, então, eu entendi tudo errado sobre política pública. As ações que o MTST, o MST e vários movimentos construíram podem ser integradas à política pública. Esse é um passo fundamental para criar um mecanismo de participação social real, e não apenas formal", concluiu.

Edição: Nicolau Soares