reforma agrária

A nova agricultura e o melhoramento não transgênico

A transição de matriz energética no campo só é possível quando o foco passa a ser a saúde do ecossistema como um todo

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Produtoras na lavoura de soja da Comunidade Fidel Castro, em Centenário do Sul, Paraná - Foto: Maicon Veirick

Diante do esgotamento dos recursos naturais, da crescente emissão de gases de efeito estufa e do aquecimento global, num contexto em que a agricultura representa uma parcela significativa desse impacto, a transição de matriz energética e produtiva no campo é urgente.

Há mais de meio século, vinga um modelo de produção agrícola baseado no uso intensivo de insumos. Nessa lógica, as soluções dependem sempre de um produto externo, em vez de levar em conta a complexidade do ecossistema, com as possibilidades que ele oferece.

Se no processo agrícola a lógica intensiva de insumos se transformou no modelo dominante, paralelamente foram desenvolvidas alternativas capazes de trazer soluções tecnológicas de vanguarda. No Brasil, os bioinsumos e a rochagem são exemplos de como essas alternativas podem apontar para um futuro produtivo, rentável e ambientalmente saudável.

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A transição de matriz energética no campo, portanto, só é possível quando o foco passa a ser a saúde do ecossistema como um todo.

Um dos principais componentes na produção intensiva em insumos – além dos herbicidas, fungicidas, inseticidas e fertilizantes químicos – é a transgenia. Nesse processo, ocorre a manipulação de um gene externo, que é implantado no DNA de uma planta com o intuito de resolver um problema pontual. A planta, assim, se torna mais resistente a uma determinada praga, ou passa a ser tolerante a um insumo específico. O caso mais conhecido é a variedade de soja resistente ao glifosato, um herbicida de alta letalidade que elimina todas as plantas na lavoura, exceto a soja que passou pela transgenia.

Já o melhoramento genético – a combinação entre exemplares de uma mesma espécie – cria variedades mais produtivas sem a necessidade de genes externos. Esse modelo de tecnologia criou as principais evoluções genéticas responsáveis pelo ganho significativo de produtividade, que acontecem de forma contínua no campo.

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É muito comum ver novas variedades desenvolvidas a partir do melhoramento genético que, só na fase final de comercialização da semente, passam pelo processo de transgenia, quando um gene exógeno é inserido na planta. No setor de sementes, é consenso que o uso exclusivo de melhoramento sem transgenia é capaz de criar variedades pelo menos 5% mais produtivas.

Por ser um dos pilares do modelo de agricultura pensado para resolver problemas pontuais e não sistêmicos, o uso da transgenia precisa ser repensado com urgência.

A Embrapa, em parceria com produtores e a indústria, pode retomar o protagonismo no desenvolvimento de novos cultivares – não só de soja, mas também de outros grãos, como feijão e milho.

A base da transição agroecológica está no solo, em sua saúde e sua biodiversidade. Para que a agricultura se torne cada vez mais saudável, é importante eliminar os herbicidas do sistema produtivo, especialmente o mais violento e nocivo deles: o glifosato.

Para continuarmos sendo liderança global na cadeia dos grãos e de proteínas, alimentando o mundo com comida saudável, precisamos buscar novas tecnologias que pensem na redução de custo ao produtor e também na preservação dos solos e das águas.

O plantio de soja convencional, como também é chamada a semente não transgênica, é um passo nesse caminho de tomada de consciência da necessidade de construir uma nova agricultura.


Agrofloresta no assentamento Contestado, da Lapa (PR) / Wellington Lenon / MST-PR

A agricultura familiar –  que representa cerca de 4 milhões de estabelecimentos agropecuários pelo país – tem sido um embrião para o avanço dessas novas tecnologias produtivas, ao ampliar as experiências de cultivo de produtos agroecológicos e livres de transgênicos.

Esse é o caso de cooperativas do MST que cultivam soja não transgênica a partir das sementes BRS 539 e BRS 511 – ambas desenvolvidas pela Embrapa – que são mais adaptadas às condições regionais e aos sistemas de produção adotados pela agricultura familiar.

Com uma colheita estimada em 40 milhões de sacas de soja, essas famílias assentadas  apostam na transição de uma nova agricultura com matriz agroecológica, envolvendo o uso de bioinsumos e integrando técnicas que melhoram as condições da biodiversidade do solo.

Cerca de 30 milhões de sacas dessa soja é cultivada pelas famílias cooperadas do Paraná, que realizarão sua primeira colheita de soja livre de transgênicos neste mês. Em março essas famílias vão colher sua soja com certificação orgânica.

Esse resultado atesta a importância do acesso a sementes convencionais, do fortalecimento de pesquisa e do desenvolvimento de tecnologias para uma mudança na matriz produtiva e garante um futuro inclusivo e próspero para a agricultura brasileira.

 

* Luís Barbieri é comerciante de grãos, idealizador da rede Folio e co-fundador da Raiar Orgânicos.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo