Demarcação já

Indígenas Guarani Kaiowá recebem apoio de 86 entidades após prisão de lideranças no MS

Para as entidades, histórico de violência na região da TI Brilhantepeguá é fruto da omissão do Estado

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Retomada no tekoha Laranjeira Nhanderu, parte da Terra Indígena Brilhantepeguá, em Rio Brilhante (MS) - Aty Guasu

Vítimas de uma série de ataques nos últimos meses, os indígenas do povo Guarani Kaiowá receberam o apoio de 86 entidades acadêmicas, organizações da sociedade civil e coletivos de defesa de direitos humanos na noite dessa terça-feira (7). A nota de solidariedade denuncia a "abordagem truculenta da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul", que levou à prisão de três lideranças indígenas na última sexta-feira (3).

Divulgada pelo Observatório de Protocolos Autônomos Comunitários, a nota é assinada por entidades de peso, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Associação Juízes para a Democracia (AJD), Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Evaristo Arns, Grupo Prerrogativas, Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, entre outras (acesse a íntegra do documento aqui).

O caso ocorreu na cidade de Rio Brilhante (MS), onde está localizada a Terra Indígena (TI) Brilhantepeguá, em fase de identificação para demarcação e homologação. A comunidade ocupa uma pequena faixa de 30 hectares da área e cobra a demarcação de toda a TI. A disputa se arrasta desde 2007, com diversos episódios de violência.

De acordo com relato do Comitê de Solidariedade entre os Povos e do Observatório da Kunhangue Aty Guasu, a comunidade indígena realizou, na madrugada do dia 3, a retomada do tekoha Laranjeira Nhanderu, que faz parte da TI.

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Pela manhã, policiais civis e militares chegaram ao local e, sem mandado, agiram para intimidar os indígenas, chegando a impedir a entrada de agentes da Funai no local. Três pessoas foram presas: Mboy Jeguá, conselheira da Kunhangue Aty Guasu; Ava Rendy, conselheiro da Aty Guasu; e Ava Jeguaka, conselheiro da Retomada Aty Jovem. Os três receberam liberdade provisória no dia 4, após passarem a noite detidos.

"Consideramos que tal prisão é ilegal pois não houve mandado judicial para reintegração de posse e não se levou em consideração o contexto da legítima ocupação de terra reivindicada em fase de identificação para demarcação, sendo competência da justiça federal para intervir e intermediar todos os atos do processo, diante de tais conflitos", dizem as entidades na nota.

"Diante da omissão e morosidade do Estado no cumprimento do mandamento constitucional de demarcação das terras indígenas, o conflito fundiário se agrava, somado à ação orquestrada da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Estado de Mato Grosso do Sul aos interesses do agronegócio. Tais ações configuram graves violações de direitos humanos e fundamentais dos povos indígenas." 

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A nota lembra do episódio conhecido como Massacre de Guapo'y, no município de Amambai, "desastrosa e covarde operação" que resultou no assassinato do indígena Vitor Fernandes em 24 de junho de 2022, e do assassinato da liderança Vitorino Sanchez, em setembro de 2022. 

Segundo as entidades, a "violência sistemática, os ataques e atentados contra membros de grupo étnico com a intenção de destrui-lo" configuram crime de genocídio. " O Estado brasileiro precisa ser responsabilizado, efetivar garantias de prevenção ao crime de genocídio e não repetição dos atentados anteriores".

Uma das organizadoras da nota,  Liana Amin Lima da Silva, professora de Direitos Humanos e Fronteiras da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados (FADIR/ PPGFDH/ UFGD) e  coordenadora do Observatório, ressaltou ao Brasil de Fato que a polícia justificou as detenções afirmando que as lideranças haviam cometido "resistência e desobediência".

"O que os povos Guarani Kaiowá mais fazem é resistir, sobrevivendo sem seu tekoha (terra) demarcado."

Liana Amin ressalta que a mobilização foi rápida, dada a indignação que as prisões causaram. "Em 24 horas já tínhamos mais de 50 entidades querendo participar", diz ela.  

A especialista afirma ainda que o maior temor das entidades é que " essas operações ilegais continuem e derramem mais sangue indígena. O nosso receio é que o estado não cumpra o seu dever de prevenir o crime de genocídio."

Edição: Rodrigo Durão Coelho