Escolha presidencial

Vaga aberta por Lewandowski no STF é nova trincheira de Lula por pacificação, dizem juristas

Decisão sobre quem deve suceder o ministro recai sobre o presidente, pressionado pela mídia, opositores e aliados

Brasília (DF) |

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Perfil garantista de Lewandowski agrada Lula e pode ser um dos critérios para a sucessão ao cargo - Evaristo Sá/AFP

A aposentadoria do ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski já foi sancionada em decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e começa a valer no dia 11 de abril. A medida, publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 6, movimenta ainda mais a corrida pela sucessão na Corte e tem sido alvo de grande expectativa.

Uma escolha que recai sobre o que próprio Lula deve fazer, refletindo sobre o caldeirão político em que o país está inserido e nos prós e contras dos principais nomes cogitados para a vaga. Pela relevância que a Corte tem exercido sobre a política nacional, qualquer decisão será vista como um sinal para um governo que ainda está próximo de completar simbólicos 100 dias.

No topo das diferentes listas de possíveis indicados está o nome do advogado Cristiano Zanin Martins, responsável pelos recursos que anularam as condenações de Lula e abriram caminho para a sua terceira eleição como presidente da República. Há outros nomes em potencial como o do advogado Manuel Carlos de Almeida, do ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Luis Felipe Salomão, do ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Bruno Dantas e da advogada Vera Lúcia Santana Araújo.

Dois nomes ligados ao grupo Prerrogativas e com trajetórias semelhantes de combate às práticas jurídicas da operação Lava Jato, os juristas Pedro Serrano e Lenio Streck também possuem chances. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Streck ressalta a longa trajetória de parcerias com Serrano, especialmente na longeva batalha midiática empreendida contra os defensores do chamado lawfare.  

:: Veja os principais nomes cogitados para substituir Lewandowski no STF e a dinâmica da corrida ::

"Não é a primeira vez que se fala no meu nome para isso. Creio que pela minha experiência de Ministério Público, de advocacia, de professor e de toda uma trajetória ligada à luta pela democracia. Eu estive na linha de frente da ADC (Ação Declaratória Constitucional) 44, que trouxe de volta a questão da presunção da inocência, foi uma luta de mais de três anos, inclusive de antes de surgir o processo do Lula", comenta.

Perfil garantista deve prevalecer ao da diversidade

Em entrevistas durante a campanha à presidência e após assumir o cargo, Lula indicou que o garantismo em matéria criminal (uma postura a favor da liberdade do réu frente ao poder punitivo do Estado) pode se destacar entre as outras qualidades buscadas em sua primeira indicação ao STF no atual mandato. Entendimento que fez parte da carreira de Lewandowski nos seus 17 anos como magistrado.

Atual vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lewandowski tomou decisões antipunitivistas no passado, como votar pela absolvição de vários réus do mensalão e, mais recentemente, contra a prisão antes da sentença transitada em julgado. Entre 2014 e 2016, esteve no comando do STF e presidiu no Senado o processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. 

Juristas ouvidos pelo Brasil de Fato acreditam que esse tipo de perfil deve prevalecer ao de pessoas de origens, gênero e etnias sub-representadas, mesmo com a pressão de alas do próprio Partido dos Trabalhadores. Atualmente, dos 11 ministros do STF apenas duas são mulheres, Cármen Lúcia e Rosa Weber, sendo que esta última se aposenta no próximo ano.

Um movimento que diverge do discurso em prol da representatividade do atual governo e de escolhas feitas por Lula nos dois primeiros mandatos. A própria Cármen Lúcia, segunda ministra da história do STF, foi um exemplo de diversidade, assim como o já aposentado Joaquim Barbosa, segundo negro a compor os quadros do tribunal. 

A advogada criminalista Juliana Valente, especialista em direitos humanos, acredita que a inclinação à defesa das minorias e dos desprivilegiados deve pesar na escolha, assim como convergência em relação a grandes temas caros ao atual governo. 

"Estamos com algumas pautas para serem julgadas no STF e que Lula na campanha já se mostrou alinhado e os ministros também. Entendo que o maior anseio do governo, ou que deveria ser, é resguardar os direitos humanos e que as pautas estejam alinhadas ao novo governo até para a gente não retroceder como ocorreu no governo Bolsonaro", opina.

Para o advogado constitucionalista Paulo Freire, é preciso ter cuidado com as indicações para evitar incongruências ou surpresas desagradáveis. Ele exemplifica com o caso do ministro Edson Fachin. "Ele tem uma postura extremamente avançada na proteção dos direitos sociais, das comunidades quilombolas, periféricas e faveladas. No entanto, no tema criminal ele adotou posturas não garantistas, de referendar condutas que afrontam o Código de Processo Penal em vários pontos, da ampla defesa e do direito ao contraditório."

"Movimentos sociais, juristas, organizações e até o ministro Fachin trouxeram recentemente a proposta de que tenhamos no STF uma mulher negra e jurista", aponta Juliana. "O meu voto é para que realmente haja mais representatividade ao STF para que a gente consiga chegar mais próximo da Justiça."

Pautas do STF podem entrar na conta

Para Freire também seria prudente evitar pessoas que tenham "uma visão estritamente econômica do Direito". Ele acredita que alguns ministros se atentam mais às repercussões de ordem financeira que alguns casos podem suscitar, especialmente em setores politicamente poderosos e para os cofres da União. 

"Alguns (magistrados) têm uma visão consequencialista do Direito, do que vai gerar de desgastes. Por exemplo, 'até reconheço o direito, mas não o concedo porque se eu conceder isso vai gerar uma repercussão econômica muito grande'. Isso é muito ruim", pontua.

Estão na pauta do STF para este ano diversas decisões de grande interesse do governo e cujo desfecho pode pesar na decisão que será levada a público por Lula no futuro breve. Por exemplo, a que versa sobre o Marco Temporal, ligado à segurança jurídica dos territórios indígenas, e a que pode alterar o Marco Civil da Internet, visando conter o fluxo de notícias falsas e ofensivas no ambiente digital. 

"Acho que se deve pensar nos processos que já estão em tramitação, mas no meu entendimento não deve ser o critério preponderante nem exclusivo. Nós não podemos ter uma visão utilitária de indicações para o Supremo, para angariar base no Congresso Nacional, por exemplo, acho que isso é um equívoco", avalia Freire.

Sobre a possibilidade de reforçar uma postura mais ativa do tribunal com um perfil mais semelhante ao de Alexandre de Moraes, Lenio Streck entende que a defesa da Constituição precisa prevalecer sobre todas as condutas. 

"Para mim é equivocado pretender um ministro do Supremo ser um lutador contra a criminalidade, porque essa não é a função do Judiciário e o Judiciário é imparcial e deve dar todas as garantias legais. Mas para além disso, o ministro do Supremo tem que ter uma formação invulgar. Por isso, o principal critério subjetivo é o do notável saber jurídico", afirma.

Parte da oposição tenta colocar Zanin em suspeição

A preocupação em pacificar o país depois das eleições mais acirradas da história recente também inclui o STF, alvo de constantes ataques do bolsonarismo. Nesse contexto, espera-se que uma eventual preferência por Zanin possa expor ainda mais a Corte.

Atualmente com 47 anos, o advogado de Lula nos processos da Lava Jato tem seu vínculo com o presidente bastante explorado por parte da oposição. Os críticos à sua indicação tentam pintar a imagem de alguém parcial e automaticamente contrário a Sérgio Moro, figura central na perseguição jurídica a Lula e eleito senador pelo União Brasil ano passado. 

"Acredito que isso vai ser explorado, mas é um argumento extremamente frágil. E o Zanin se destacou na defesa do presidente Lula, mas ele tem atuação em outras áreas do Direito, não só no âmbito da Lava Jato. Uma eventual rivalidade entre Moro e Cristiano Zanin pode ser ventilada, mas me parece que é isso inclusive que o Sérgio Moro quer, pautar esse assunto por esse viés, que para mim, não é o correto", analisa.

Streck também lembra que ministros indicados pelo próprio Lula e pela Dilma mostraram-se autônomos em suas decisões. Ele também ressalta o caso do ministro Gilmar Mendes, indicado por Fernando Henrique Cardoso e bastante contestado à época, "mas que se mostrou um garantidor, um conhecedor da Constituição". 

"O Zanin tem uma série de atributos que poderiam tê-lo levado ao Supremo independentemente de ter sido advogado do Lula. Essa é a questão. É inexorável que se discuta ele como advogado do Lula. Agora, se ele for indicado, isso não vai atrapalhar, porque houve ministros, como o (Dias) Toffoli, por exemplo, que foi advogado do PT e do José Dirceu", argumenta.

Nesta semana, surpreenderam os acenos em favor de Zanin feitos pelo presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto, e pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Bolsonaristas eméritos, eles enalteceram qualidades do advogado, especialmente por seu combate aos "excessos da Lava Jato", operação também bastante reprovada por políticos do centrão e da extrema direita.

Edição: Rodrigo Durão Coelho