Análise

Quais são os desafios de Dilma no Novo Banco de Desenvolvimento?

Sanções contra Rússia e tensões entre membros do BRICS serão desafios e podem limitar expansão

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Dilma na sede do NBD em Xangai - NBD

A ex-presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, foi recentemente eleita presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD). A excessiva repercussão da notícia de forma superficial, com especulações sobre o salário, a capacitação técnica e as possíveis motivações políticas e ideológicas por trás da nomeação de Dilma ofuscou reflexões mais significativas, como o estado atual do NBD, as funções da nova presidenta e também os desafios que aguardam a instituição na atual ordem econômica mundial.

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Lançado em 2014, o NBD, anteriormente conhecido como Banco de Desenvolvimento dos BRICS, é um banco multilateral de desenvolvimento. Composto por nove membros (Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Rússia, África do Sul, Emirados Árabes Unidos e Uruguai), tem como foco principal o financiamento de projetos relacionados a energia, infraestrutura, saneamento básico e proteção ambiental nos estados-membros do BRICS e países em desenvolvimento.

A criação do NBD surgiu do desejo de mudança na arquitetura financeira global; alguns acreditam que o banco é uma alternativa ao sistema de Bretton Woods, que historicamente tem recebido críticas por privilegiar os interesses particulares das potências ocidentais enquanto limita o acesso dos países mais pobres; outros veem o NBD como um complemento às instituições financeiras internacionais existentes, fomentando a concorrência ao oferecer mais oportunidades para os países obterem investimentos internacionais. Atualmente, o banco já aprovou o financiamento de US$ 32,8 bilhões para 96 ​​projetos nos países-membros.

No entanto, o NBD e sua nova presidenta enfrentará desafios significativos para levar esses projetos adiante. Um deles é o cenário geopolítico mundial, cada vez mais complexo e caracterizado por intensa competição geoeconômica e estratégica. Além da crescente rivalidade entre China e Índia sobre questões de delimitação fronteiriça na chamada Linha de Controle Real, o NBD tem sido impactado com as repercussões econômicas da guerra em curso entre Ucrânia e Rússia. Desde março de 2022, a Rússia teve todas as negociações dentro do NBD congeladas, que respondem por uma exposição total de US$ 1,8 bilhões a entidades domiciliadas na Rússia.

Além disso, o NBD conta com financiamento externo (por meio de mecanismos como a emissão de títulos de dívida nos mercados de capitais nacionais e/ou internacionais) para além do capital empreendido pelos membros do banco. Devido ao conflito em curso e às sanções dos EUA à Rússia, a busca por fundos estrangeiros tem sido prejudicada.

Um dos principais objetivos do NBD e do BRICS encontra-se na consideração de admissão de novos membros. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, afirmou recentemente que "mais de uma dúzia" de países expressaram interesse em ingressar no grupo econômico, incluindo Afeganistão, Argentina, Indonésia e Arábia Saudita. Embora esses países possam fazer importantes contribuições para o NBD, um olhar mais atento sobre a dinâmica em torno dessas possibilidades é necessário para evitar a execução dispersa dos objetivos.

Em primeiro lugar, o NBD procura expandir projetos financiados em moedas locais. Isso também apoia a campanha global de Pequim para internacionalizar o renminbi (RMB). Embora a moeda chinesa ocupe o quinto lugar como a moeda mais ativa em termos de valor na lista de pagamentos globais de acordo com os relatórios da SWIFT, países emergentes estão cada vez mais interessados ​​em usar o RMB em transações comerciais com a China, especialmente para reduzir custos de transação operando com uma terceira moeda intermediária. Um estudo do Centro Empresarial Brasil China, de 2021, observou que o estabelecimento de uma clearing-house de RMB (mecanismo de liquidação e compensação de ativos financeiros) no Brasil poderia reduzir os custos das transações comerciais com a China em até US$ 1,5 bilhão em um período de 10 anos. Em março deste ano foi firmado o acordo para estabelecimento da clearing house no Brasil.


Cédular de dólar e de renminbi, a moeda nacional da China. / Fred Dufour / AFP

Para outros países, a disposição em usar o RMB se deve a razões como baixas reservas em dólares americanos, desejo de contornar as sanções dos EUA ou parte de esforços mais amplos para encontrar alternativas frente a desvalorização de suas moedas frente ao dólar. É o caso de vários que pleiteiam a entrada no NBD, como Argentina, Paquistão e Cazaquistão, que também compartilham um histórico econômico semelhante ao do Brasil: grandes exportadores de commodities para a China e cuja moeda nacional tende a se desvalorizar em relação ao dólar. A partir dessa perspectiva, o uso do RMB pode ajudar a evitar a dependência do dólar americano como terceira moeda.

Também é importante notar que os principais exportadores de petróleo para a China - ou seja, Rússia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Angola - conhecidos como grupo petro-yuan ou petro-rmb, também estão usando cada vez mais RMB em transações. Em março deste ano, a mídia internacional informou ainda que estavam em curso negociações entre a China e a Arábia Saudita, principal exportador de petróleo para a China, para a utilização do RMB em acordos petrolíferos.

Esta é mais uma sugestão de que os principais fornecedores de petróleo estão olhando para o Oriente, principalmente em busca de cooperação além da energia, como a tecnologia fornecida pela China. Apesar de recentes, tais movimentos podem se espalhar para áreas além do comércio de petróleo. Recentemente, a China mediou um acordo de paz entre o Irã e a Arábia Saudita, e mesmo estando longe de substituir o que alguns chamam de "lacuna" deixada pelos EUA na região, já que os EUA dirigem seu foco para o Indo-Pacífico, esses países parecem encontrar mais pontos em comum com Pequim do que com Washington.

Várias tensões intra e extra BRICS, bem como questões domésticas, podem continuar a impactar a coesão do NBD. Membros atuais e potenciais estão enfrentando problemas internos, como economias instáveis, isolamento diplomático, diferentes níveis de desenvolvimento econômico e rivalidades geopolíticas. Essas questões podem tornar mais difícil para os governos manterem coesão interna e potencialmente dificultar a busca do NBD por fundos estrangeiros.

Por mais que existam aspectos de divergência entre os BRICS, os membros devem se empenhar no apoio de pontos que convergem para que possam cumprir a promessa do BRICS de buscar uma ordem mundial mais justa. Atrair novos membros para o NBD, além de alavancar a obtenção de recursos econômicos e a agenda do banco, deve ser uma estratégia para reduzir os atritos entre os membros, encontrar alternativas para enfrentar a situação complexa em que a Rússia se encontra e também promover a imagem de uma iniciativa à qual vale a pena aderir.

* Filipe Porto é pesquisador no Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil, o OPEB, da Universidade Federal do ABC.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.    

Edição: Thales Schmidt