Conflito

Facções rivais no Sudão ignoram acordo de cessar-fogo

Em meio a escalada da violência, Exército e grupo paramilitar FAR violam trégua e intensificam combates pelo país

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Área destruída pelo conflito em Cartum, no Sudão - AFP

As facções rivais que disputam o poder no Sudão ignoraram tentativas de impor um cessar fogo e descumpriram um acordo que previa uma trégua humanitária, em meio à escalada da violência no país africano que já matou quase 200 pessoas.

Confrontos entre o Exército sudanês e o poderoso grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR) já deixaram ao menos 185 mortos e mais de 1,8 mil feridos, informou nesta segunda-feira (17/04) o chefe da missão da ONU no país, Volker Perthes.

Moradores da capital, Cartum, relataram uma série de ataques aéreos na cidade, além de disparos de artilharia e tiroteios.

"Os dois lados do conflito não dão a impressão de que desejam uma intermediação imediata para a paz", relatou Perthes, em Cartum. Ele disse que as duas partes haviam acertado a trégua humanitária de três horas de duração, mas que, apesar das promessas, as tentativas foram ignoradas pelo segundo dia consecutivo.

O Egito e os Emirados Árabes Unidos também vêm tentando, sem sucesso, convencer os dois grupos a aceitarem um cessar-fogo. O conflito ameaça dividir o país entre as duas facções, que chegaram a compartilhar o poder durante um turbulento processo de transição política.

Transição democrática suspensa

O líder do Exército, o general Abdel Fatah al Burhan, chefiou uma junta que governou o país após a queda do autocrata Omar al-Bashir, em 2019, e se manteve no poder com um golpe de Estado em 2021.

Antigo aliado de Bashir e comandante de campanhas criminosas no conflito de Darfur (2003-2008), Burhan presidiu o Conselho Militar de Transição, órgão criado para supervisionar a transição do Sudão para o regime democrático, e se tornou presidente interino do país.

No entanto, com o prazo para entregar o poder a governantes civis se aproximando, em outubro de 2021, Burhan deu um golpe e derrubou do poder o primeiro-ministro civil Abdalla Hamdok e eliminou a possibilidade de uma transição democrática.

Desde então, o general reforçou seu controle sobre o país, apesar de constantes protestos e de um acordo de dezembro de 2022 para abrir caminho para um governo de transição civil. O conflito iniciado na semana passada, no entanto, praticamente anulou esse o processo.

Os combates em Darfur geraram temores de uma nova instabilidade na região, após o conflito de 2003 que resultou nas mortes de cerca de 300 mil pessoas e deixou 2,7 milhões de refugiados.

Capital em estado de alerta

As FAR são lideradas pelo general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti. Sob o acordo de 2022, o grupo paramilitar deveria ser incorporado ao Exército sudanês. Nesta segunda-feira, Burhan declarou as FAR como um grupo rebelde e ordenou sua dissolução.

Apesar de o Exército ser mais numeroso que as FAR e possuir poderio aéreo, o grupo paramilitar possui ramificações em várias regiões da capital e em outras cidades pelo país, o que impede uma vitória rápida das forças de Burhan.

Em Cartum, escolas, hospitais, escritórios e postos de combustíveis permaneceram fechados nesta segunda-feira, com os serviços de saúde enfrentando graves problemas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que vários hospitais da capital que atendem a população civil "estão sem sangue, equipamentos de transfusão, fluidos intravenosos e outros itens essenciais".

As pontes que ligam a capital às cidades de Omdurman e Bahri, na margem oposta do rio Nilo, estão bloqueadas por veículos blindados, e algumas das principais vias de acesso a Cartum estão intransitáveis. A população enfrenta cortes no fornecimento de água e eletricidade, o que faz com que muitas pessoas saiam às ruas em busca de alimentos, apesar dos riscos.

Embaixador da UE alvo de ataque

O embaixador da União Europeia (UE) no Sudão foi alvo de um ataque em sua residência em Cartum nesta segunda-feira, informou o chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell.

"A segurança das instalações diplomáticas e dos funcionários é uma responsabilidade primária das autoridades sudanesas e uma obrigação sob as leis internacionais", observou Borrell. Segundo apurou a agência de notícias AFP, o embaixador passa bem, mesmo após a agressão.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu o fim imediato das hostilidades e alertou que a escalada da violência "poderá ser devastadora para o país e para a região".

Neste domingo, a missão da ONU no Sudão informou que três funcionários do Programa Mundial de Alimentos (PAM) foram mortos durante confrontos no norte de Darfur.