Libertação nacional

Vietnã: 48 anos após a derrota do imperialismo estadunidense

País asiático derrotou maior potencia global e unificou a nação

Tradução: Isabela Gaia

Caracas | Venezuela |
Um soldado com uma metralhadora pesada protege o quartel-general do general sul-vietnamita Cao Van Vien - AFP

Em 6 de junho de 1969, a Frente Nacional de Libertação do Vietnã do Sul (FNL), junto a outras organizações políticas e sociais, convocou um Congresso de representantes do Sul que deu origem à criação do Governo Revolucionário Provisório da República do Vietnã do Sul (GRP), que passaria a desempenhar um papel decisivo na formação do poder revolucionário nessa região do país.

Vale lembrar que a partir de 1970 a luta no Laos e no Camboja, igualmente ocupados pelos Estados Unidos, ganhou novo fôlego. Além disso, os patriotas desses países passaram a coordenar esforços com a FNL para o desenvolvimento da guerra revolucionária.

Em 1972, o Partido Comunista do Vietnã (PCV) determinou a preparação de uma ofensiva que permitisse obter vitórias militares significativas, desmontar a estratégia imperialista de "vietnamização da guerra" e obrigar os Estados Unidos a recorrer à negociação.

Diante dos êxitos militares vietnamitas, Washington, já sob o governo de Richard Nixon, ordenou o aumento de seu efetivo, mobilizando uma grande força aeronaval com o propósito de reforçar a ofensiva contra a Sul e desencadear o que se chamou de a segunda guerra de agressão contra o Norte. Por outro lado, o presidente estadunidense se viu forçado a dar uma guinada surpreendente em razão da proximidade das eleições de novembro de 1972, sua possível reeleição e a crescente rejeição da opinião pública do país à Guerra do Vietnã. Evidentemente, ele  buscava obter conquistas militares que lhe permitissem negociar a partir de posições de força em Paris.


O general sul-vietnamita Cao Van Vien, comandante do 3º Corpo do Exército da República do Vietnã (ARVN), conversa com soldados sul-vietnamitas em seu quartel-general militar em 10 de março de 1965 / AFP

Porém, não alcançando no campo bélico os objetivos traçados, e ante às brilhantes propostas da diplomacia vietnamita, que ganhavam forte apoio mundial, particularmente da opinião pública dos Estados Unidos, Nixon se viu obrigado a aceitá-las a fim de ganhar tempo para suas tropas, enquanto fortalecia o exército de fantoches. No entanto, uma vez reeleito, ele rejeitou abertamente os acordos que havia assinado, dando início a uma série de bombardeios genocidas contra as principais cidades do Vietnã.

O infernal ataque aéreo estadunidense contra Hanói e Haiphong foi combatido com sucesso pelas forças armadas vietnamitas, obrigando Nixon a assinar em 27 de janeiro de 1973 os Acordos de Paris para o fim da guerra e o restabelecimento da paz no Vietnã.

Tais acordos estabeleciam que os Estados Unidos deveriam retirar suas tropas e as de seus aliados e respeitar a independência do Vietnã. Além disso, não mais intervir nos assuntos internos do país, bem como reconhecer o direito à autodeterminação do povo e o status quo do Vietnã do Sul. Desse modo, o Vietnã conseguiu outra grande vitória contra uma potência estrangeira, mas se tratava de uma vitória que ainda não tinha sido totalmente consolidada.

Apesar dos Acordos de Paris terem significado um passo importante no processo de libertação do Vietnã, os EUA continuaram apoiando o regime fantoche de Saigon (então liderado por Nguyen Van Thieu). A ideia era manter seu domínio colonial e o país dividido. Contudo, Washington fez um diagnóstico equivocado da situação ao acreditar que, por meio desses acordos, havia paralisado o ímpeto libertador do povo vietnamita. Pelo contrário, o prestígio da FNL e do GRP aumentava a cada dia, tanto interna quanto mundialmente.

Para se ter uma ideia da magnitude da intervenção militar dos Estados Unidos no Vietnã, o poder de fogo de seus soldados era seis vezes maior do que dispunham durante a Segunda Guerra Mundial. Os EUA gastaram 400 mil dólares por cada vietnamita morto, incluindo 75 bombas e 150 projéteis de artilharia por cadáver.

O regime de Van Thieu se viu então obrigado a enfrentar não apenas o poder e a força revolucionária das zonas libertadas, como também uma crescente resistência popular nas áreas sob seu controle. Além disso, a ajuda de Washington foi consideravelmente reduzida em relação aos anos anteriores. E uma profunda crise econômica eclodiu a partir do segundo semestre de 1973, e se agravou no ano seguinte, caracterizada por uma alta inflação, forte desvalorização e perda de divisas.

Nessas condições, o GRP e a FNL responderam com um aumento das ações armadas, aliado à decisão de prontamente fazer valer os Acordos de Paris. Em julho de 1973, o PCV avaliou que era preciso preparar as forças para uma ofensiva que lhe permitisse conquistar decisivamente o poder. Em meados de 1974, o rumo da guerra havia mudado significativamente em termos do crescimento das forças armadas revolucionárias, das ações ofensivas que estavam sendo realizadas, da consolidação das rotas de abastecimento logístico de norte a sul e do aumento das ações nas cidades.

Todos esses fatores, além de outras condições propícias, possibilitaram ao PCV, em outubro de 1974, concluir que havia sido criada uma correlação de forças favorável aos revolucionários; o que lhe permitiu tomar a decisão histórica de mobilizar o partido, o exército e o povo a fim de levar a cabo um ataque geral que aniquilasse e destruísse as tropas do regime de Van Thieu, derrubasse o poder inimigo tanto regional quanto nacionalmente, tomasse o poder para o povo e libertasse o Sul. O PCV e sua comissão militar central assumiram a tarefa de planejar e organizar os futuros combates.

A ofensiva e o levante geral tiveram início em 10 de março de 1975 no planalto ocidental do país. Os primeiros êxitos permitiram avançar para a planície costeira do centro. Um momento decisivo foi a campanha em Hue-Da Nang, a segunda cidade mais importante do Vietnã do Sul, onde foi aniquilada a base militar mais poderosa das forças armadas do regime pró-ianque. A ofensiva continuou com ataques e levantes ao norte e noroeste de Saigon. Em 25 de março já haviam sido libertadas 16 províncias, de modo que a FNL passou a controlar três quartos do território e metade da população do Vietnã do Sul. Avaliou-se então que o colapso do exército inimigo havia sido total e que os Estados Unidos estavam impotentes diante da forte ofensiva vietnamita. Estavam criadas as condições para a batalha final: a batalha por Saigon.

A batalha pela libertação de Saigon foi chamada de "Campanha de Ho Chi Minh". O presidente e fundador da República Democrática do Vietnã havia falecido no dia em que o país comemorava o 24º. aniversário de sua independência, em 2 de setembro de 1969. Sendo assim, ficou decidido que a última cidade a ser libertada levaria seu nome.

Grupos militares colossais foram mobilizados para reforçar os que já estavam na zona de combate. Enquanto isso, em seu último bastião remanescente, o inimigo se preparava para resistir, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos lançavam mão de todo tipo de manobra diplomática para evitar ou retardar o desfecho óbvio. Em 18 de abril, o presidente dos EUA, Gerald Ford, ordenou a retirada urgente de todos os estadunidenses do Vietnã. Em 21 de abril, em meio a tentativas de remediar a situação, Washington depôs Van Thieu enquanto buscava uma negociação que levasse a um cessar-fogo bilateral.

Mas já era tarde. Em 26 de abril, teve início a "Campanha de Ho Chi Minh", um plano de ataque a partir de cinco pontos coordenados com as forças armadas locais e o povo insurgente. Nos dias 28 e 29 de abril, as colunas revolucionárias avançaram impetuosamente, cercando as forças inimigas no perímetro de Saigon.

As colunas de ataque ocuparam os postos mais importantes da cidade e, às 11h30 do dia 30 de abril, em meio à debandada do governo e dos membros da embaixada dos Estados Unidos, a bandeira da revolução foi hasteada no palácio do governo. Em 1º de maio, todo o território continental do Vietnã do Sul estava controlado. Na campanha, 400 mil soldados inimigos foram aniquilados, desintegrando um exército de mais de um milhão de soldados, bem como as forças policiais e de segurança.

O fim da "Campanha de Ho Chi Minh" e a libertação total do Vietnã, que comemora hoje  seu 48º. aniversário, foi uma brilhante operação militar das forças armadas e do povo vietnamita sob a liderança do partido comunista. O imperialismo dos EUA foi derrotado no que foi caracterizado como o maior desastre militar e político de sua história. Além disso, todo o aparato militar, político e administrativo do regime criado por Washington no Vietnã foi destruído. Cinco administrações estadunidenses fizeram um esforço colossal para impedir a vitória do povo vietnamita e falharam, completando vinte anos de uma luta gloriosa contra a agressão dos EUA e em defesa da reunificação do Vietnã.

*Sergio Rodríguez Gelfenstein é Consultor e Analista Internacional venezuelano, formado em Relações Internacionais pela Universidade Central da Venezuela e Mestre em Relações Internacionais. É doutor em Estudos Políticos pela Universidad de los Andes.

Edição: Patrícia de Matos