'perseguição'

CPI do MST é ataque à democracia brasileira, dizem juristas

Associação Juízas e Juízes para a Democracia publica nota de solidariedade após aprovação da CPI contra o movimento

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Trabalhadores também reivindicam o assentamento de 65 mil famílias em 2023 que estão acampadas ao longo dos últimos 08 anos - Comunicação do MST

A Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD) divulgou nesta terça-feira (2) uma nota de solidariedade ao  Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e suas lideranças por conta da aprovação na Câmara dos Deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o movimento.

De acordo com a entidade, a CPI tem "duvidosa constitucionalidade", pois foi instaurada "sem fato determinado e com a indevida finalidade de 'investigar' pessoa jurídica de direito privado". A iniciativa "é mais um passo no processo protagonizado pela direita neoliberal de perseguição, descrédito e demonização dos movimentos sociais", diz a nota.

A AJD acredita, ainda, que a CPI se dá "como palco de disputas políticas sobre temas como a luta pela terra e território e a estratégia de criminalização das lideranças dos movimentos que organizam os trabalhadores rurais, tidos como inimigos". 

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Os juristas destacam que a CPI está sendo instalada em um momento em que os conflitos no campo estão deflagrados. "A leitura do requerimento da CPI do MST ocorre quando o mais recente Caderno de Conflitos da CPT registra 2.018 ocorrências de conflito no campo, que envolveram 909.450 pessoas e o assustador número de 47 assassinatos no ano de 2022", diz o documento.

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Aprovação da CPI

A CPI do MST foi confirmada no dia 26 de abril, em sessão noturna da Câmara dos Deputados, no mesmo dia em que uma sessão conjunta do Congresso Nacional fez a leitura do requerimento que instituiu a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro. O objetivo declarado da Comissão é investigar o "real propósito" do movimento, bem como seus meios de financiamento. 

Para João Pedro Stedile, integrante da direção nacional do MST, a CPI existe para desviar o foco de ilegalidades cometidas pelo agronegócio. "O que deveria ter é uma CPI para investigar quem desmatou, quem invade terra indígena, quem tem invasão em área de quilombola, quem usa agrotóxico", disse no último sábado (29).

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Ceres Hadich, também integrante da da direção do MST, a Comissão sequer deveria ter sido instituída, por falta de fato determinado. "A gente recebe com a lucidez de que é uma CPI sem fato, sem objeto determinado, sem um fato concreto para que ela possa ser instituída e efetivamente para que ela aconteça, mas entendemos que isso é parte dessa disputa de narrativas, dessa disputa por dentro do aparato do Estado brasileiro", disse.

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Também neste sábado (26), o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, também afirmou que a Comissão não tem fatos concretos para investigar, uma vez que as ocupações de abril já haviam sido desfeitas. "O protesto foi feito, entregue a pauta, não tem o que investigar. Não tem uma irregularidade, até porque não temos nenhum convênio irregular com o MST", disse.

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Leia a íntegra da nota:

NOTA DE SOLIDARIEDADE AO MST E SUAS LIDERANÇAS

Mais uma vez, a bancada ruralista e extrema direita do Congresso Nacional se movem para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para "investigar" o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST. 

O requerimento aponta como fatos a serem investigados: "qual o verdadeiro propósito do MST? Quem são os financiadores deste Movimento? Qual a realidade atual de todas as propriedades que já foram invadidas?

Não é a primeira vez que o instrumento da Comissão Parlamentar de Inquérito é utilizado com a finalidade de constranger e criminalizar o MST e suas lideranças. Em outros governos comandados pelo PT, entre 2003 e 2017, foram instaladas as CPIs da Terra, do MST, Funai-Incra e Funai-Incra 2. Em todas essas oportunidades, buscou-se produzir narrativas negativas e ataques às políticas públicas da reforma agrária, bem como ao reconhecimento dos territórios de comunidades tradicionais. 

Não é novidade a constituição da CPI como palco de disputas políticas sobre temas como a luta pela terra e território e a estratégia de criminalização das lideranças dos movimentos que organizam os trabalhadores rurais, tidos como inimigos. 

Tais iniciativas materializam de forma eloquente o coração da luta de classes que se trava no campo brasileiro, ainda excessivamente concentrado, tanto do ponto de vista fundiário, quanto social e econômico. A excessiva concentração fundiária, a instrumentalização de um discurso de ódio pelo trabalhador rural organizado produzido pela extrema direita, o culto a uma pretensa defesa "armada" de propriedade e completo e proposital esquecimento de sua função social constituem o pano de fundo para a instituição de mais essa CPI.

A leitura do requerimento da CPI do MST ocorre quando o mais recente Caderno de Conflitos da CPT registra 2.018 ocorrências de conflito no campo, que envolveram 909.450 pessoas e o assustador número de 47 assassinatos no ano de 2022. O avanço de uma concepção de "agronegócio" que naturaliza a violência, a concentração fundiária, o racismo ambiental, a exploração do trabalho escravo, a degradação dos espaços ambientais e coletivos não busca atacar, tão somente, as iniciativas de organização dos trabalhadores rurais. Em última instância, a instalação da CPI do MST constitui ataque à democracia brasileira. 

Nesse cenário, a escolha de uma CPI de duvidosa constitucionalidade – posto que instaurada sem fato determinado e com a indevida finalidade de "investigar" pessoa jurídica de direito privado - como campo de disputa política é mais um passo no processo protagonizado pela direita neoliberal de perseguição, descrédito e demonização dos movimentos sociais, mediante uso da desinformação e fake-News sobre ações que reivindicam o cumprimento pelos poderes constituídos de políticas públicas garantidas pela Constituição.

A AJD se solidariza com o MST e suas lideranças, reafirmando sua importância como legítimo movimento social inserido nos marcos da democracia.

Edição: Thalita Pires