política econômica

'Mercado controla': Banco Central é criticado por manter juros a 13,75%

Ministro da Fazenda tinha afirmado era viável a possibilidade de queda; especialistas e centrais criticam BC

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Haddad e Lula: juntos contra a política do Banco Central - Marcelo Camargo/Agência Brasil

No dia seguinte à confirmação da manutenção da taxa básica de juros (a Selic) em 13,75% por parte do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom/BC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi irônico ao criticar a medida, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se negou a falar sobre o tema.

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Nesta quinta-feira (4), na reunião de abertura do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o "Conselhão", Lula disse que "Todo mundo aqui pode falar de tudo. Só não pode falar de juros", em referência às cobranças que recebe por criticar a política do BC.

"Todo mundo tem que ter cuidado. Ninguém fala de juros. Como se um homem, sozinho, pudesse saber mais do que a cabeça de 215 milhões de pessoas", acrescentou. O "homem" em questão é o presidente do BC, Roberto Campos Neto, indicado para o cargo pelo antecessor, Jair Bolsonaro (PL).

Desde 2021, o BC tem autonomia em relação ao governo, com mandatos de quatro anos para o presidente e os diretores da autarquia sem que haja uma coincidência com o mandato do chefe do Executivo. Na prática, isso significa que Lula não tem poder para destituir a equipe liderada por Campos Neto.

Antes da reunião do Conselhão, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se negou a falar sobre o assunto. Abordado por jornalistas a caminho da cerimônia, Haddad se limitou a dizer "hoje eu não vou comentar". Consultado sobre o tema antes do anúncio da manutenção da taxa, o ministro tinha afirmado que era viável que o índice baixasse. 

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Diante do cenário, desde antes de assumir o governo, Lula e seu entorno têm travado embates com o BC, especialmente em relação ao tema dos juros altos. Para o economista Andre Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), esse embate deve continuar. Ele afirma que é direito do governo brigar por taxas mais baixas, já que elas interferem em toda a política econômica do país.

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"Eu não concordo com a visão típica de mercado financeiro, dos economistas ortodoxos, de que o presidente da República não pode se manifestar sobre a política monetária, ele é o presidente eleito. A política monetária, ainda que haja autonomia operacional do Banco Central, está sob a alçada do presidente da República, ele é o líder do governo", ponderou.

Roncaglia avalia que o próprio Haddad, que preferiu não comentar o assunto nesta quinta, deve ter papel fundamental nesse processo. Ele acredita que o avanço das discussões sobre o novo arcabouço fiscal no Congresso pode fazer com que o ministro tenha cartas na manga para negociar com o BC.

O arcabouço, aliás, foi citado na ata divulgada pelo Copom após a reunião que definiu a manutenção da taxa de juros em patamar que já vigora desde agosto de 2022. Segundo o Comitê, a proposta e a reoneração dos combustíveis "reduziram parte da incerteza advinda da política fiscal". Enquanto isso, porém, o BC segue se pautando nas expectativas de inflação apontadas por economistas do mercado financeiro.

"A autonomia foi pensada exatamente para que o Banco Central pudesse ficar blindado de interferência política. O problema do desenho da autonomia do Banco Central como a gente tem hoje é que ela blinda o Banco Central da influência do poder executivo, mas não blinda o Banco Central da influência do mercado financeiro", avaliou Roncaglia.

Centrais criticam e pedem saída de Campos Neto

Algumas das principais centrais sindicais do país se manifestaram de maneira incisiva contra a manutenção das taxas de juros pelo Copom. Para a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a manutenção do índice é "inaceitável".

"Ao manter as mais altas taxas de juros do mundo, o BC continua a boicotar o governo, a impedir a retomada do crescimento e a geração de emprego e renda. E faz isto para beneficiar especuladores e rentistas, em detrimento de quem investe na produção e na prestação de serviços", afirmou a CUT, em nota.

A Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) também se manifestou em nota. O texto, assinado pelo presidente da entidade, Antonio Fernandes dos Santos Neto, pediu a saída imediata" de Campos Neto, afirmando que o Copom "promove um ataque direto ao desenvolvimento, à geração de emprego e ao futuro do Brasil".

"Pedimos a revogação da Independência do Banco Central ou, pelo menos, a mudança na lei, estabelecendo a estabilidade monetária e a busca pelo pleno emprego como metas imediatas e prioritárias, o chamado duplo mandato. O Congresso Nacional deve agir para que a política monetária seja subordinada aos interesses do povo brasileiro e não dos banqueiros", prosseguiu o texto.

Edição: Thalita Pires