Câmara dos Deputados

PL sobre remuneração de artistas por plataformas pode ter urgência votada nesta quarta (10)

Pauta foi desmembrada de PL das Fake News para tentar facilitar aprovação deste último, que ainda enfrenta resistências

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Autora do PL 2370/19, Jandira Feghali defende desmembramento de projeto - Câmara dos Deputados/arquivo

Pode ser votada nesta quarta-feira (10), na Câmara dos Deputados, a urgência de uma proposta que trata da remuneração de artistas por parte de plataformas digitais. Trata-se do Projeto de Lei (PL) 2370/19, de autoria da líder do PCdoB na Casa, Jandira Feghali (RJ), que atualiza a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9610/98). A decisão de tentar votar a tramitação célere do texto partiu de líderes da base governista, que decidiu colocar o PL entre as prioridades do momento.

O pedido de urgência vinha sendo costurado politicamente pelo grupo nos últimos dias e a intenção era inicialmente votar na terça (9), o que não ocorreu. Agora, as lideranças devem disputar espaço na agenda de votações do plenário desta quarta (10). "Pela liderança da base, a ideia é votar. Agora tem que ver [o que acham] os líderes que não são da base. Mas o apontamento aqui [entre os governistas] é votar  a favor da urgência", disse Jandira ao Brasil de Fato.

A atenção em torno do PL 2370 cresceu especialmente nos últimos dias, após o avanço das articulações políticas relacionadas ao chamado PL das Fake News, o PL 2630/20, que teve a urgência aprovada no dia 28, mas não teve o mérito colocado em votação por falta de acordo. Para tentar viabilizar o percurso do texto na Casa, as lideranças da tropa de apoio ao Planalto acordaram a modificação do parecer do relator, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), no ponto que trata da remuneração de artistas.

A ideia seria, a partir desta semana, tratar esta última pauta de forma separada, por meio do PL de Jandira. O teor do texto original, no entanto, não aborda todos esses detalhes e também está em negociação. Como o PL das Fake News traz um conteúdo considerado mais atualizado em relação ao tema, os parlamentares tentam aproveitar esse aspecto no relatório do PL 2370, cujo parecer será feito pelo deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA).

O objetivo dos líderes governistas é tentar votar apenas a urgência do PL 2370 nesta quarta. Se a iniciativa tiver êxito, deverá abrir uma fase de negociação mais intensa dos pontos do relatório de Nascimento. Segundo Jandira, a ideia é tentar votar o mérito do PL na próxima semana, se as articulações contribuírem para isso. A parlamentar acredita que, pela amplitude do projeto, a medida provavelmente irá passar por um fatiamento.

"Não dá pra votar inteiro porque ele vai arrastar muitas polêmicas. Direito autoral é um tema polêmico, tem muitos interesses em jogo. Então, vamos ter que mutilar muito o texto da lei, limpar muito para garantir aquilo que é o interesse mais imediato dos atores, que é a remuneração no ambiente digital."

Ela destaca que o texto do PL, apresentado inicialmente em 2019, carece de uma atualização. "Algumas conceituações temos que modernizar na lei pra poder bater com quatro anos depois. Vamos ter que priorizar esse tema e, talvez, preservar um ou outro artigo da lei que não seja polêmico. Temos que garantir que o PL seja aprovado porque o que eles mais querem agora é atualizar a remuneração no direito digital", acrescenta.

Jornalistas  

Uma das propostas levantadas por alguns atores políticos e civis é a remuneração de conteúdos produzidos por jornalistas, mas ainda não se sabe se esse ponto será incluído no relatório de Elmar Nascimento ou mesmo em algum outro parecer que eventualmente resulte do fatiamento do PL. "Mas ainda não se tem acordo sobre isso porque temos que avaliar qual o peso que tem para o PL 2630 tirar esse tema do texto das fake news. Esse impacto nós precisamos medir pra avaliar isso. Até agora o que consta na minuta do relatório é o tema do direito autoral", ressalta Jandira.  

Em outra via, entidades civis que atuam em defesa da categoria entraram em campo para tentar incluir a remuneração do segmento nas discussões. O artigo 32 do parecer produzido por Orlando Silva determina que conteúdos jornalísticos produzidos em variados formatos – texto, vídeo, áudio ou imagem – devem gerar remuneração por parte dos provedores às empresas jornalísticas.

O texto diz ainda que "farão jus à remuneração prevista pessoa jurídica, mesmo individual, constituída há pelo menos 24 meses, que produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil". A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) defende que os profissionais do ramo recebam também pelas suas produções compartilhadas nas plataformas digitais, e não só as empresas.

"O diretor da Globo, da Record, da Band News, da Folha de São Paulo ou de qualquer outra emissora não vai produzir conteúdo. Quem produz é o trabalhador jornalista. Então, nada mais justo do que remunerá-lo pelos conteúdos que as plataformas utilizam", argumenta a presidenta da entidade, Samira Castro.

Para a dirigente, a defesa da pauta tem ainda um alcance que extrapola a questão da valorização do trabalho do profissional que produziu os conteúdos. "O ambiente de plataformas acabou solapando a produção jornalística por meio do seu modelo de negócios, que era baseado na publicidade, e toda ela está indo basicamente para as plataformas. A gente precisa defender a remuneração do conteúdo jornalístico inclusive para enfrentar a desinformação, a proliferação dos discursos de ódio, para conseguir ter a liberdade e a responsabilidade prevalecendo no ambiente democrático."

Outras entidades entoam a mesma defesa. É o caso da Coalizão Direitos na Rede, articulação que aglutina mais de 50 organizações acadêmicas e da sociedade civil na defesa dos direitos digitais. "Você precisa ter uma política pública que considere as pequenas empresas, a mídia pública, a mídia alternativa e que considere os profissionais responsáveis por aqueles conteúdos, que estão fora. Não pode ser uma remuneração só para os proprietários", reforça o pesquisador Jonas Valente, integrante da rede.

Há parlamentares que defendem o pagamento para os dois segmentos, artístico e jornalístico. É o caso da bancada do PSOL. "Nós achamos que todo trabalho profissional veiculado pelas plataformas deve ser remunerado, seja artístico, seja jornalístico. Isso é natural. Por que as redes sociais ficariam fora dessa regulação da remuneração se elas monetizam tanta coisa e ganham muito dinheiro em cima disso?", questiona o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).

O projeto

Originalmente, o PL 2370 altera mais de 40 artigos da legislação sobre direitos autorais e coloca mais de 20 outros pontos no lugar. Em 2019, o projeto teve parecer aprovado pela Comissão de Cultura da Câmara por meio de relatório produzido pela deputada Maria do Rosário (PT-RS), mas ficou paralisado desde então.

Com as discussões sobre direitos autorais no âmbito da proposta que combate as fake news na internet, a pauta voltou à tona, desta vez com mais holofotes, inclusive por conta de uma mobilização feita por diferentes cantores e atores de amplitude nacional. Nas últimas semanas, artistas como Frejat, Marisa Monte, Glória Pires, Isabel Fillardis, Caio Blat e outros estiveram no Congresso Nacional e conversaram com líderes de partidos e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O grupo foi mobilizado pelo coletivo 342 Artes, capitaneado pela produtora e empresária Paula Lavigne, e segue pressionando pela aprovação da proposta.

Edição: Thalita Pires