'Cenário vergonhoso'

Secretário do Min. da Cultura explica desmonte do setor promovido por gestão Bolsonaro

Em Curitiba, Márcio Tavares descreveu como estava o setor com Bolsonaro e o que está sendo feito agora

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Secretário do Ministério da Cultura esteve em Curitiba para falar da política cultural do atual governo - Lucas Botelho

O secretário executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares, esteve em Curitiba no sábado (13/5), em evento organizado pelo vereador Angelo Vanhoni (PT) para discutir a retomada do setor. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato Paraná destacou a situação de calamidade encontrada no setor cultural após o governo Bolsonaro, o que está sendo feito para reorganizar o ministério e a cultura, para que os recursos das leis de incentivo cheguem aos artistas e que haja desconcentração de recursos por todas as cidades e todos os estados.

 

Brasil de Fato – Como vocês encontraram o Ministério da Cultura? Parece que o governo Bolsonaro não tinha a cultura como prioridade...

Márcio Tavares – Bom, a gente encontrou, institucionalmente, uma devastação. O ministério deixou de existir em 1º de janeiro de 2019, quando o governo anterior assumiu. (A Cultura) andou por diferentes ministérios, foi do Ministério da Cidadania, do Turismo, indo de um lugar para o outro dentro da Esplanada. Perdeu servidores, infraestrutura... Depois ficou no Turismo sem qualquer tipo de prioridade. Por exemplo, não se comprava uma cadeira há quatro anos para os servidores do ministério. A gente não tem bons contratos, tem número de servidores bastante reduzido. Foi esse diagnóstico que a gente fez na transição, além da descontinuidade nas políticas.

Nas políticas, o cenário ainda é mais devastador. O Programa Cultura Viva foi absolutamente descontinuado, o fomento à cultura era inexistente, o orçamento finalístico desceu de 2016, de R$ 241 milhões para R$ 18 milhões, menor do que o de muitas cidades.

Era um cenário vergonhoso. Felizmente, o presidente Lula nos dotou de condições de recuperar. Ele está muito atento à Cultura como vetor de transformação social, de recuperação econômica. A gente conseguiu recuperar o ministério, voltou com uma estrutura robusta, temos seis secretarias para rearticular as políticas, conseguimos um reforço orçamentário com a PEC do Bolsa Família, que garantiu a execução da Lei Paulo Gustavo, da Lei Aldir Blanc e também da área meio do ministério, para que a gente pudesse recuperar a estrutura física, o número de servidores.

Agora temos um número de pessoas querendo trabalhar no Ministério da Cultura, o que é muito importante. Mas é um trabalho de quatro anos, de longo prazo, para que a gente tenha uma estrutura do tamanho que a cultura brasileira merece.

 

Há um problema em relação à estrutura física, mas perder a cultura dos programas descontinuados, de como fazer e incentivar a cultura, refazer isso é mais difícil?

Exatamente, é um trabalho de reconstrução de longo prazo. Felizmente, os servidores do Ministério da Cultura, na sua maioria, os que ficaram, são servidores muito dedicados à política cultural. Tem gente ali que entende das políticas, e essas pessoas estavam esperando o momento de acabar o horror e poder retomar e têm nos ajudado a fazer essa retomada o mais rápido possível. É por isso que a gente está conseguindo já entregar com certa rapidez.

Fizemos o novo decreto do fomento cultural, que reorganiza toda a estrutura e inclui todas as discussões, desde o marco das organizações civis, cultura viva, todas as discussões das comissões de cultura, dos conselhos, dentro dessa visão de fomento, adaptando a estrutura. Fazer um projeto cultural não é igual construir um viaduto. A gente precisa ter um regramento objetivo, que tenha transparência, controle...

Fizemos isso junto com a Controladoria Geral da União, e hoje a gente tem uma normativa muito moderna e muito adaptada. Os servidores nos ajudaram muito e também ajudou a equipe que a ministra Margareth (Menezes) formou. Temos uma equipe muito qualificada no ministério. As pessoas são da área, são especialistas nas diretorias, e isso tem dado um ritmo de retomada bastante alto. Mas é correr contra o tempo, a gente sabe que cada dia tem que valer por dois porque, de fato, houve quatro anos de apagão.

 

Contraditoriamente, houve a aprovação de duas leis importantes no período Bolsonaro, as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, aprovadas para fomentar cultura. Como está isso agora? Porque mesmo com as leis, boa parte dos recursos não chegava à ponta. O que estão fazendo para mudar isso?

As leis da cultura foram construídas à revelia do governo anterior. Foi uma experiência muito interessante. Um momento em que o governo não fazia política cultural, não queria fazer e queria evitar a todo custo que alguém fizesse.

A sociedade civil, a comunidade cultural, junto com o Parlamento, formularam iniciativas que garantiram recursos durante a pandemia, que afetou muito duramente o setor cultural, como a Lei Aldir Blanc 1, que é um instrumento inovador justamente porque chegou com a prerrogativa de atingir cada município e cada estado. A experiência da lei Aldir Blanc 1 foi interessante, porque foi executada com o governo federal de costas para ela, não fez qualquer movimento para ajudar estados, municípios, os fazedores de cultura e artistas a receberem o dinheiro.

Quando a Lei Paulo Gustavo foi feita, eu participei ativamente de sua construção, da articulação pela aprovação, e ela já incorporou elementos pra ajudar nessa execução. Ela obriga, por exemplo, que sejam realizadas chamadas públicas, que a comunidade cultural seja chamada para discutir como os recursos vão ser distribuídos no município, no estado. Ela começa a desenvolver também a ideia de que a gente precisa aproveitar a lei pra que o Sistema Nacional de Cultura, que é o nosso SUS, possa ser bem-organizado. A única contrapartida é que o município e o estado organizem o seu Sistema Nacional de Cultura, tenham um conselho, um fundo de cultura e um plano de cultura desenvolvidos com a comunidade cultural, porque isso também ajuda a desenvolver.

E agora tem o ministério de volta. O ministério entrou de cabeça para que a gente fizesse uma adaptação do sistema, o transfere.gov, para que essa execução fosse muito mais rápida para os estados e municípios. Além disso criou uma diretoria de assistência técnica que está atuando. Toda a regulamentação já foi feita em diálogo com os fazedores de cultura nos estados, com os municípios e vamos iniciar uma caravana, pelo menos uma em cada estado, para a formação de agentes culturais. Está sendo preparado um conjunto de minutas-padrão, de exemplos de boas práticas de gestão para auxiliar que a lei seja bem executada.

 

Mas há municípios e estados que acessam mais os recursos e outros menos. Como é isso? O que falta?

Acho que há governos e governos e prioridades e prioridades. Há governos que não conseguem entender a prioridade que a cultura tem. As cidades, que são muito mais desestruturadas, por N razões, às vezes orçamentárias, às vezes de pessoal, tudo isso são elementos que dificultam, mas isso dificulta a execução da política cultural, a boa execução da política de saúde, da política de educação.

O que nós achamos é que o governo federal deve ter um papel indutor., chegando junto aos estados e municípios, atuando com eles para que o regramento seja o mais amigável possível junto dos fazedores de cultura.

Fazendo com que a gente tenha uma formação desses agentes, sobretudo dos agentes periféricos, dos interiores, que não estão acostumados a fazer editais, para que a gente consiga fazer com que esse recurso chegue lá. O papel da União nessa indução é fundamental.

Por isso, foi criminosa a omissão do governo anterior numa lei emergencial, porque é quem tem instrumentos para chegar em todos os cantos do país e tentar diminuir, equalizar essas disparidades e desigualdades que existem.

 

Vamos falar um pouco da lei Rouanet, o que fazer para acabar com tanto ódio e fake news? É difícil entender que patrocinar a cultura gere ódio...

A Lei Rouanet foi transformada num “bode expiatório” na tentativa de criminalização da cultura. A lei é de 1991, é o instrumento de fomento à cultura mais antigo que o Brasil tem. Leva o nome do ministro responsável por sua implementação no governo Itamar Franco. Desde lá vem se desenvolvendo. É um mecanismo de incentivo à cultura, mas também cria o Fundo Nacional de Cultura e ainda tem um dispositivo para empréstimos, o Ficart (Fundo de Investimento Cultural e Artístico), que nunca foi bem regulamentado e bem desenvolvido, e que é uma pretensão da gente poder desenvolver.

O que que a gente precisa neste momento? Primeiro, explicar para as pessoas como a lei funciona. A forma como a extrema direita age, é como se a ministra ou o secretário tivessem dinheiro em uma gaveta para dar para os artistas. Isso não acontece. Há todo um critério técnico para aprovar cada projeto, e eles recebem uma carta de captação e vão para a iniciativa privada buscar os recursos do incentivo fiscal. A partir do momento em que se esclarece isso, as pessoas entendem que recursos da Lei Rouanet não são uma dádiva do Estado.

Em segundo lugar, essa lei garante boa parte do acesso a museus no Brasil. Você não teria boa parte dos acervos que a gente tem sem a Lei Rouanet. Ela garante boa parte da recuperação do patrimônio histórico brasileiro, desde igrejas sacras até manifestações imateriais. É um instrumento importantíssimo para a preservação, e é preciso que a população saiba que ela não é uma lei para artista, é uma lei, junto com outras, para garantir um direito constitucional, que é o direito à cultura.

Agora, a gente quer ajudar que esses recursos sejam ainda mais bem distribuídos, com o governo federal entrando, fazendo editais junto a patrocinadores. Nós já fizemos um com o Banco do Brasil, um com o Banco do Nordeste, vamos fazer um para investimentos em projetos em favelas e periferias, para que esse recurso da Lei Rouanet atinja ainda mais os seus objetivos. Com isso a gente vai superando esse momento de criminalização e recuperando a imagem da lei, que foi maldosamente difamada. Ela tem seus problemas, precisam ser corrigidos, nós melhoramos muito nesse decreto, mas nenhum dos problemas da Lei Rouanet é o que o Bolsonaro e os bolsonaristas dizem sobre ela.

 

Para encerrar, gostaria de falar de descentralizar recursos, de a arte sair do Rio-São Paulo e ir para todo o Brasil. O ministério tem essa preocupação?

Sem dúvida, é uma das preocupações da ministra Margareth Menezes. Se pegar as falas dela, ela está sempre falando que os recursos têm que chegar nas pontas, a gente tem que ir onde nunca se chegou com o fomento.

As duas leis da cultura, tanto a Paulo Gustavo quanto a Aldir Blanc, já têm esse condão, porque elas atingem o conjunto dos estados e municípios de acordo não só com a distribuição populacional, mas também com os critérios do FPE, do FPM, que são fundos de participação de estados e municípios, que fazem a equalização também pelo IDH e outras condições para aumentar o volume de recursos nos lugares mais vulneráveis.

Isso já é uma novidade extremamente importante para que a gente descentralize esse recurso. O outro dispositivo é que eu comentava agora. O ministério está atuando junto a patrocinadores, construindo editais para que a gente possa fazer com que a distribuição dos recursos do incentivo seja muito mais equitativa entre as regiões do país.

Nosso objetivo é uma ação direta do ministério para desconcentrar, manter a atuação. A gente tem neste ano e nos próximos três pelo menos mais um ciclo de lei Aldir Blanc 2, e todos os nossos editais terão preocupação com a regionalização. A gente vai mudar esse cenário, e a cultura do Brasil estará muito mais bem distribuída no território.

Especificamente, tem alguma coisa prevista para o Paraná?

A gente tem feito investimentos muito grandes, só da Lei Paulo Gustavo são cerca de R$ 200 milhões que estão chegando do governo federal. Da lei Aldir Blanc 2 são quase R$ 200 milhões. O Ministério da Cultura vai fazer no Paraná este ano o maior investimento na cultura já feito na História.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Lia Bianchini