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Projeto de Lei propõe revogação do Novo Ensino Médio e criação de outro modelo

Sistema implantado no governo de Temer é criticado por especialistas e estudantes

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Desde a implantação, o Novo Ensino Médio tem sido alvo de críticas de estudantes e outras pessoas ligadas à área da educação - Fernando Frazão/Agência Brasil

Um projeto de lei protocolado na última terça-feira (16) na Câmara dos Deputados prevê a revogação do modelo do Novo Ensino Médio e a substituição por um modelo diferente, que privilegia a Formação Geral Básica (FGB, que inclui as disciplinas tradicionais, como Língua Portuguesa e Matemática) em detrimento dos itinerários formativos que, em tese serviriam para oferecer aos estudantes aprofundamento em áreas específicas.

O Projeto de Lei (PL) 2.601/2023 prevê alterações na Lei de Diretrizes e Bases da educação (Lei 9.394/1996). Segundo a proposta, a FGB deve ocupar 2.400 das 3.000 horas de atividades do ensino médio e ser ofertada exclusivamente de forma presencial. Entre as disciplinas previstas estão Língua Materna (para populações indígenas), Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia.

O projeto cria ainda a chamada Parte Diversificada, que substituiria os itinerários formativos. Cada sistema de ensino definiria a forma de aplicação dessa parte, que seria "organizada por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares voltados ao aprofundamento da ciência, da tecnologia, da cultura e do mundo do trabalho, conforme a relevância para o contexto local, histórico, econômico, social, ambiental e cultural", como aponta o texto do PL.

Proposto pelo deputado Bacelar (PV/BA) e pela bancada do PSOL, o PL foi formulado por um grupo de especialistas em educação, composto por Andressa Pellanda, Carlos Artexes Simões, Carlota Boto, Catarina de Almeida Santos, Daniel Cara, Elenira Vilela, Fernando Cássio, Idevaldo Bodião, Jaqueline Moll, Monica Ribeiro da Silva, Salomão Ximenes e Sandra Regina de Oliveira Garcia.

"Todos nós sabemos que para avançar na qualidade da educação pública precisamos valorizar nossos docentes e oferecer estrutura adequada para receber nossos alunos. O processo de aprendizagem precisa ser atrativo, com uma base ampla, sólida e plural. A reforma do ensino médio, por si só, não resolve o problema. Pelo contrário. Aumenta a evasão escolar. Cerca de 88% dos alunos do ensino médio não aprovam o novo modelo", disse Bacelar.

O Brasil de Fato conversou com dois dos participantes do grupo que formulou a proposta: Catarina de Almeida Santos, que é professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e Fernando Cássio, pesquisador de políticas educacionais e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC). Ambos foram muito críticos ao Novo Ensino Médio (conhecido pela sigla NEM, instituído pela Lei 13.415/2017), aprovado no governo golpista de Michel Temer (MDB).

Criado sem uma discussão ampla com os setores diretamente envolvidos, o projeto está em fase de implantação, e está previsto para se consolidar nas escolas brasileiras até 2024. Apesar de ampliar o tempo de atividades nas escolas (de 800 para 1.000 horas anuais), o sistema criou uma nova organização curricular que é tomada em 40% do tempo pelos itinerários formativos, disciplinas complementares de acordo com áreas escolhidas pelos estudantes.

Os nomes vagos ou incomuns das novas disciplinas têm rendido memes na internet. Entre eles, "O que rola por aí", "Torne-se um milionário", "Brigadeiro caseiro", "Mundo Pets SA", "Arte de morar", "RPG" e "Projeto de vida". Depois de escolher seu itinerário formativo, o estudante não pode mudar de ideia: tem de cursá-lo até se formar. 

"Quem defende majoritariamente o Novo Ensino Médio não são os estudantes, não são professores da educação básica nas redes de ensino, não são educadores das universidades, majoritariamente, aqueles que estão debatendo a educação de qualidade. O Novo Ensino Médio não é defendido por aquelas pessoas que historicamente brigam pelo direito à educação, brigaram pelo plano nacional de educação", destacou Almeida Santos.

O grupo que propôs o PL que foi protocolado na última terça-feira na Câmara se articulou contra o NEM, e fez críticas à consulta pública aberta no último mês de abril pelo Ministério da Educação (MEC) para ouvir a sociedade e propor um novo modelo. Na prática, a ferramenta foi construída de forma direcionada, e pode validar o modelo vigente.

"Se eu estou fazendo uma consulta pública para deixar como está ou para arrumar, não vai ter efetividade, eu preciso mexer na legislação. Seria muito mais efetivo o governo ter trabalhado na lógica de apresentar um projeto de lei para fazer esse debate a partir dele, fazendo debate legislativo, fazendo essas consultas e audiências nos estados, com os sistemas de ensino. [Seria melhor] que fazer essa consulta pública via site", ponderou a professora da UnB.

Além da ferramenta online, tem sido organizados eventos para discutir o tema. Nos debates, a regra é colocar frente à frente pessoas que apoiam o NEM e as que questionam o modelo e defendem sua revogação. Entretanto, como apontou Fernando Cássio, há "um rechaço generalizado, por parte de todo o campo educacional" à reforma de Temer que deu origem ao sistema.

O especialista destaca que institutos e fundações empresariais, que foram os grandes fiadores da proposta quando ela foi implantada, seguem fazendo lobby pela manutenção das bases. Quando há eventos e discussões com um equilíbrio no número de pessoas defendendo as diferentes teses (revogação ou manutenção do NEM), cria-se uma falsa ilusão de simetria.

"O alcance da crítica [ao sistema] é muito maior do que esse pessoal que tenta implementar, salvar, defender. Ao mesmo tempo, você tem um poder econômico gigantesco desses institutos e fundações ligados a grandes fortunas do Brasil, que é tão grande que até fica parecendo que a defesa da reforma, ou a defesa da reforma da reforma, tem o mesmo volume do que a crítica, do que o movimento pela revogação", afirmou.

"O problema é esse: a gente tem um Estado que é muito influenciado, que sofre uma influência imensa do setor privado e das agendas do setor privado. E das agendas do setor privado nesse sentido mais amplo do privado. Não é só o pessoal que quer ganhar o dinheiro ali na esquina vendendo apostila. São as pessoas que querem construir o Estado e que querem modificar a estrutura do direito à educação no Brasil", concluiu.

Edição: Vivian Virissimo