Análise

Sakamoto: após emparedar Lula, Lira será julgado pelo STF e vê aliados na mira da PF

Momento da operação pode indicar que o governo tem cartas para jogar, apesar de presidente negar interferir na polícia

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O presidente da Câmara, Arthur Lira, e o presidente da República Lula, em Brasília - Adriano Machado/Reuters

Após emparedar Lula sob a ameaça da Câmara dos Deputados baixar o caos sobre seu governo, um dos presidentes do Poder Legislativo, Arthur Lira (PP-AL), é alvo direto do Poder Judiciário e indireto do Poder Executivo.

A coincidência passa um recado. Dificilmente a ação da PF foi uma retaliação, uma vez que Lula precisa e precisará de Lira. Mas o timing pode ser uma demonstração de que o governo do petista também tem cartas para jogar e segurou a realização da operação para depois da votação. Afinal, se a ação da PF junto com a decisão de Toffoli tivessem ocorrido dias antes, a MP da reestruturação dos ministérios certamente teria ido para o vinagre.

Duas fontes palacianas afirmaram à coluna que é "bobagem" e "estupidez" encarar isso como retaliação. Falta, claro, combinar esse entendimento com os russos.

Nesta quinta (1º), uma operação da Polícia Federal cumpre mandados de prisão e de busca e apreensão em uma investigação sobre desvio de dinheiro público da educação para a compra de kits de robótica em um escândalo que envolve aliados de Lira em Alagoas. Um dos mandados é contra Luciano Cavalcanti, um dos auxiliares mais próximos do presidente da Câmara, lotado na liderança do PP.

E, já na noite de ontem, o ministro Dias Toffoli liberou para julgamento no STF recursos da defesa do presidente da Câmara contra uma denúncia da Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva. A PGR mudou de ideia e, agora, pede o arquivamento, mas a Primeira Turma da corte pode dar continuidade ao processo e mantê-lo como réu.

Para ver aprovada a MP que reestruturou os ministérios, evitando que o governo voltasse a ter a cara da gestão Bolsonaro, o presidente da República conseguiu costurar com Lira mudanças na relação entre a Presidência da República e a Câmara dos Deputados. Isso passa por facilitar a liberação de emendas, mudar a articulação política do governo e uma reforma ministerial para acomodar mais o centrão com alguma pasta suculenta.

Até lá, a Câmara não deve passar nenhum projeto de interesse do governo, com exceção daqueles que também são interesse dos deputados ou do mercado financeiro.

Municípios alagoanos com escolas precárias receberam R$ 26 milhões em emendas parlamentares para comprar kits de robótica de uma empresa de aliados de Lira que lucrou 420% com cada unidade. Adquiriu por R$ 2,7 mil, vendeu por R$ 14 mil. A investigação da Folha de S.Paulo, de abril do ano passado, aponta indícios de direcionamento na licitação, dificultando a entrada de concorrentes que poderiam cobrar mais barato.

A PF avalia que possíveis fraudes podem ter gerado prejuízo de R$ 8,1 milhões aos cofres públicos. O pedido para a operação foi feito em março de 2023 e as ordens expedidas pela Justiça Federal de Alagoas. Parte dos recursos para os kits teriam vindo do orçamento secreto, comandado por Lira.

Através do milagre da transmutação, licitações com sobrepreço historicamente se transformaram em lucro fácil para empresários amigos da corte, mas também em cascalho para o bolso dos políticos que tornaram isso possível - que podem usá-lo em coquetéis de camarão ou em financiamento eleitoral.

O caso dos kits não é único. A profusão de denúncias de desvios envolve o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), dirigido na gestão passada por um ex-assessor do então ministro-chefe da Casa Civil e líder do centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). Como esquecer a licitação de quatro mil ônibus escolares que, se não fosse por denúncia do jornal O Estado de S.Paulo, teriam feito a alegria de muita gente.

E no caso em curso no STF, Lira pode ter sua situação de réu confirmada na próxima terça (6).

Ao ser flagrado com R$ 106 mil em dinheiro vivo ao tentar embarcar em um avião em 2012, um assessor de Lira disse que a grana pertencia ao chefe. A investigação apontou que o valor seria pagamento por manter Francisco Colombo no cargo de presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Detalhe: réu em processo criminal não pode assumir, como substituto, o cargo de presidente da República.

Toffoli vem buscando uma reaproximação com Lula desde que o petista assumiu o poder. Indicado por ele ao STF, o ministro negou que Lula fosse ao velório do irmão quando estava preso em Curitiba.

Coincidências ocorrem e não são pauta do sobrenatural, mas elas são encaradas com estranhamento em Brasília. Lula gosta de dizer que não interfere na Polícia Federal, nem em outros poderes, como o Judiciário. Resta saber como Arthur Lira e membros do centrão, muitos também com BOs a resolver com a polícia e a Justiça, vão encarar isso.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.