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Pecuária, fogo e grilagem: conheça Lábrea (AM), o novo epicentro do desmatamento na Amazônia

No município campeão de devastação, invasores de Rondônia furaram bloqueio contra avanço do arco do desmatamento

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

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Pecuaristas e madeireiros enfrentam o estado na maior fronteira de desmatamento da Amazônia - Mauro Pimental/AFP

Em 2022, o desmatamento em todos os biomas do Brasil foi 22% maior em comparação com o ano anterior. O Cerrado e a Amazônia foram palco de 90% de toda a devastação contabilizada no país. A cada segundo, cerca de 21 árvores foram derrubadas na Amazônia. 

O projeto Mapbiomas, que compilou e divulgou os dados, diz que a situação é grave, mas que o aumento no desmatamento já era esperado. O governo de Jair Bolsonaro (PL) desmontou as estruturas de fiscalização e deixou uma "herança maldita" para o governo Lula, que foi eleito com a promessa de lançar as bases para o desmatamento zero até 2030. 

Pelos números do Mapbiomas, o município de Lábrea, no sul do Amazonas, ultrapassou Altamira (PA) e se tornou o mais desmatado no Brasil no ano passado. Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que esse novo epicentro de devastação é resultado de grilagem de terras e ausência de fiscalização, aliados ao incentivo desenfreado à pecuária e à extração de madeira.

Bloqueio contra arco de desmatamento foi furado 

A tríplice fronteira entre Amazonas, Acre e Rondônia recebe o nome de Amacro, a junção das siglas dos estados. Essa região concentrou um quarto de todo o desmatamento na Amazônia registrado em 2022. 

Localizada no Amacro, Lábrea (AM) é uma cidade pacata, com 47 mil habitantes, que fica no final da BR-230, construída na época da ditadura. O município tem o tamanho de 45 cidades de São Paulo, englobando 12 Terras Indígenas, duas Reservas Extrativistas, duas Florestas Nacionais e um Parque Nacional.

:: Desmatamento cresce 22% no Brasil em 2022; agropecuária é principal responsável, diz Mapbiomas ::

Na prática, as unidades de conservação formam um "bloqueio verde" de áreas protegidas contra o avanço do arco do desmatamento, como é chamada a porção de terra com altos índices de desmatamento que vai do Acre ao Maranhão. Mas a situação começou a mudar durante o governo Jair Bolsonaro.

"Por volta dos anos 2.000, ao redor do arco do desmatamento, foram criadas diversas unidades de conservação e terras indígenas exatamente para impedir que os desmatadores fossem para o interior do Amazonas. Nesses últimos quatro anos, infelizmente o processo que ocorre no arco do desmatamento se interiorizou. Esse desmatamento já está dentro do Amacro", explica o coordenador técnico do Mapbiomas, Marcos Rosa. 

'Eles enfrentam o Estado'

O epicentro da devastação ambiental de Lábrea está a cerca de 300 km em linha reta distante da área urbana do município. O sociólogo Marcelo Horta, morador de Lábrea e pesquisador em gestão territorial, aponta que a região chamada de Ponta do Abunã e o município de Boca do Acre (AM) são os maiores responsáveis por colocar a cidade no topo do ranking do desmatamento do país. Lá estão concentrados os pecuaristas e grileiros que vieram de Rondônia em busca de novas terras para explorar. 

"A pressão dos pecuaristas de Boca do Acre fez com que o zoneamento ecológico-econômico da região fosse permissivo com atividades de grande impacto ambiental. Inclusive com redução da reserva legal [porção de propriedades rurais que não pode ser desmatada], que no bioma Amazônia é de 80%, mas nessa área ficou em 50%".

A explicação é de Horta, que também integra o Grupo de Pesquisa em Gestão do Território e Geografia Agrária da Amazônia (GTGA), ligado à Universidade Federal de Rondônia (Unir). Ele diz que, embora os protagonistas da devastação estejam ligados a outras cidades, "Lábrea leva a fama de desmatadora". 

"As pessoas que estão lá se aproveitam da situação de ausência de Estado. Eles enfrentam o Estado. Há casos de a fiscalização ser recebida com animosidade. Mas é uma questão política de se querer fazer presente o Estado. Todo mundo sabe que tanto o estado do Amazonas, quanto o governo federal e Exército podem ser acionados para resolver", diz Marcelo Horta. 

As imagens de satélite no vídeo acima, produzido pelo Google, evidenciam como a pecuária e a atividade madeireira avançaram sobre a região do Amacro nos últimos 40 anos. O desmatamento ilegal ocorre em terras públicas da União, áreas que ainda não têm uma função definida por lei e, na avaliação do coordenador do Mapbiomas, precisam ser regulamentadas.

"A terra pública não é terra sem dono, é terra do povo brasileiro. Então ela precisa virar, por exemplo, uma floresta pública, uma Unidade de Conservação ou uma terra indígena. Esse processo é super importante e, obviamente, todo o processo de fiscalização, apreensão do equipamento e destruição do equipamento usado pelos desmatadores ilegais. Aí você pode impactar o bolso de quem está fazendo isso", defende o coordenador do Mapbiomas. 

'Se houver fogo, com fé em Deus vamos Apagar"

Em 2022, o desmatamento na tríplice fronteira do Amacro cresceu 10%. Mais árvores derrubadas significa mais espaço para o fogo se espalhar. 

Neste ano, a entrada da estação seca na Amazônia colocou os Apurinã da Terra Indígena Caititu em alerta. O povo montou uma brigada voluntária contra incêndios florestais composta por indígenas. 

"Hoje nós temos nosso apagador de fogo, nós temos sete bombas d’água. É pouco. Também estamos conversando com parceiros para conseguirmos uma caminhonete, para atuar mais rápido. Acho que a gente não está preparado, mas estamos no caminho de nos preparar. Se houver um fogo, com fé em Deus vamos apagar", diz Poraqué Apurinã, presidente da Associação dos Produtores Indígenas da Terra Indígena Caititu (APITC).  

No ano passado, Poraqué perdeu em um incêndio florestal mais de duas mil mudas de plantas nativas, que seriam usadas para reflorestar áreas de vegetação degradada. O projeto de reflorestamento, agora interrompido, serviria justamente para impedir o avanço do fogo. 

Ibama será duro contra queimadas, diz presidente do órgão ambiental

Após quatro anos de desmonte no governo Bolsonaro, o Ibama garante estar preparado para enfrentar a estação seca na Amazônia, que começou em maio. Neste ano, o órgão ambiental endureceu a fiscalização na região de Lábrea. O Ibama aplicou 47 milhões de reais em multas, embargou mais de 7 mil hectares de áreas com crimes ambientais e apreendeu mais de mil cabeças de gado, além de madeira ilegal. 

"O risco de a gente ter no segundo semestre grandes incêndios florestais é real. Perdemos um milhão de hectares anualmente nos últimos quatro anos na Amazônia. Tem um estoque muito grande de florestas que foram derrubadas. A gente tem também o agravamento das mudanças climáticas e a vinda do efeito El Niño, que começa com muita força nas águas do Pacífico e vai aumentar o problema da seca na Amazônia. Por isso o Ibama está trabalhando", diz o presidente do órgão ambiental, Rodrigo Agostinho. 

Para enfrentar o problema, Rodrigo Agostinho diz que o Ibama contratou mais de 2 mil brigadistas, um aumento de 18% em relação ao ano passado. O órgão está concluindo um plano específico contra as queimadas no bioma. Uma das novidades é o embargo de terras remoto, que poderá ser feito sem que os agentes precisem ir a campo. 

"Nas áreas que tiverem queimadas ilegais, as pessoas serão autuadas e as áreas serão embargadas. Ou seja, se a pessoa usar o fogo para aumentar a área de utilização das propriedades, essa área ficará impossibilitada de ser utilizada. E a pessoa perderá a possibilidade de crédito agrícola. Então o Ibama será muito duro no sentido de agir para combater tanto o desmatamento", diz.

Em Lábrea (AM), na terra indígena Caititu, os brigadistas Apurinã sabem que será muito trabalho para uma equipe sem veículos adequados e com uma equipe reduzida. “Hoje nós estamos lutando dentro dos nossos 360 mil hectares de terra. É muita terra para sete pessoas trabalharem. Mas estamos fazendo o que a gente pode, lutando para apagar esse fogo. Porque ele vai acontecer”, afirma Poraqué Apurinã. 

Outro Lado 

O Brasil de Fato entrou em contato com a prefeitura de Lábrea e com o governo do Amazonas, mas não obteve resposta. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho