perseguição política

Não há garantia de direitos humanos sem a proteção e o cuidado aos defensores

Realidade de defensores de direitos humanos no Brasil foi agravada durante governo Bolsonaro, diz comitê da ONU

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O esvaziamento da Comissão de Anistia, do governo federal, está entre as ações bolsonaristas de perseguição e negação aos direitos humanos - Antonio Cruz/EBC

O Estado brasileiro passou recentemente por um processo de avaliação a respeito da implementação do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), do qual é signatário. Esta avaliação é feita pelo Comitê de Direitos Humanos (CCPR/ONU), um dos órgãos de tratados das Nações Unidas (ONU) que está encarregado de observar a situação dos direitos humanos e emitir Observações Finais nas quais apresenta recomendações para a melhoria da atuação do País. A terceira avaliação foi feita durante a 138ª Sessão do Comitê, em Genebra, nos dias 25 e 26 de junho de 2023.

O documento com as Observações Finais sobre o Brasil apresenta recomendações em vários temas. Daremos atenção aqui para aquela que tem como foco de preocupação a situação de defensores/as de direitos humanos, protegidos no sistema das Nações Unidas pela Declaração de Defensores de Direitos Humanos, que neste ano completa 25 anos. 

O Comitê da ONU disse estar preocupado “[...] (61) com o alto aumento de homicídios, violência, assédio, ameaças, intimidação, vigilância ilegal e criminalização de defensores de direitos humanos, povos indígenas, defensores do meio ambiente, defensores dos direitos das mulheres e a falta de investigação desses crimes. O Comitê lamenta que o Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) não foi efetivamente implementadas devido à falta de recursos e autonomia, as medidas de proteção não têm sido adequadas e as necessidades específicas relacionadas a gênero, raça, etnia e laços culturais com o território não tenham sido abordadas (arts. 6, 17, 19, 20, 21, 22 e 26)” (tradução nossa). 

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Os direitos humanos sob o bolsonarismo

O Comitê nota que a realidade para defensores/as de direitos humanos no Brasil segue sendo muito grave. E ela segue mesmo grave e foi agravada nos últimos anos de “bolsonarismo” no poder. Também nota que a impunidade e a ausência ou a baixa investigação dos crimes contra estes/as cometidos segue sendo fator agravante deste contexto de risco (perigo e ameaça). Também chama a atenção para o fato de que a resposta institucional de proteção está aquém do necessário, sobretudo pela fragilidade do PPDDH, sua falta de recursos, mas também a falta de autonomia. Outro aspecto que observa que grupos protegios não são atendidos em suas especificidades. O diagnóstco é consistente, ainda que não exaustivo. Suficiente para qualificar a gravidade e os importantes desafios estruturais a enfentar.

Tomando por base as preocupações indicadas, o Comitê recomenda que “(62) o Estado-parte deve: (a) redobrar seus esforços para combater e prevenir todas as formas de violência, ameaças, assédio e intimidação de defensores dos direitos humanos e outros atores da sociedade civil, e tomar todas as medidas necessárias para garantir sua proteção efetiva, para garantir que sejam livres para realizar seu trabalho sem medo de se tornarem vítimas de violência ou represálias; (b) assegurar que todas as violações dos direitos humanos e ataques contra os defensores de direitos humanos sejam investigadas, os perpetradores levados à Justiça; se forem devidamente considerados culpados, punidos e que as vítimas recebam reparação; (c) desenvolver legislação e políticas abrangentes para proteger os defensores de direitos humanos, de acordo com a Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Sociedade para Promover e Proteger Universalmente os Direitos Humanos Reconhecidos e as Liberdades Fundamentais; (d) e desenvolver legislação e políticas para o PPDDH, garantindo que tenha recursos para implementar seus programas de forma eficiente e independente em todo o país, com uma abordagem sensível a gênero, raça, cultura e etnia e com sistemas de protecção individual e colectivo” (tradução nossa).

Ressaltamos a importânca da atenção às recomendações. Elas são altamente pertinentes e dialogam diretamente com as principais necessidades para que a atuação dos/as defensores/as de direitos humanos possa efetivamente acontecer no Brasil. Enfrentar as causas estruturais que geram risco (perigo e/ou ameaça) à atuação dos/as defensores/as de direitos humanos é o fundamental. Isso, inclusive, exige enfrentar as persistentes impunidades das violências e violações contra eles/as perpetradas. A institucionalização da proteção, a ser feita pela ampliação dos Programas de Proteção, pela institucionalizaão por lei da política de proteção, pela efetivação de investimentos financeiros e a qualificação metodológica, entre outras medidas, são os desafios concretos apontados pelo Comitê.

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As recomendações desse organismo das Nações Unidas estão em consonância com outras determinações, como a sentença da Corte Interamericana a repeito do caso Sales Pimenta, as recomendações da Revisão Periódica Universal (RPU)  e a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Esse conjunto de insumos será fonte de atenção para o que será elaborado pelo Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, recentemente criado por Decreto presidencial e que aguarda instalação, com todas as condições para a viabilização de seu trabalho, o que inclui recursos para a realização presencial de audiências dos/as defensores/as em todo o país e o efetivo início dos trabalhos. 

A qualificação da proteção institucional é necessária, sem porém se descuidar, pois ela somente será efetiva se puder contar com a proteção popular, aquela feita pelos/as próprios/as defensores/as e pelas organizações e movimentos dos quais são militantes. Combinar a proteção popular com a proteção institucional, inclusive com ações de apoio efetivo para as práticas de proteão popular, é caminho necessário para criar um ambiente favorável à luta pelos direitos humanos em nosso país. 

Temos certeza de que somente a valorização e o reconhecimento da atuação, junto com o enfrentamento de todas as violências e violações contra defensores/as de direitos humanos é que ajudará a superar os imensos desafios ainda persistentes para a realização dos direitos humanos na vida concreta de cada um/a e de todos/as os/as brasileiros/as. Não há garantia dos direitos humanos sem a proteção e o cuidado dos/as defensores/as de direitos humanos.

 

* Paulo César Carbonari é doutor em filosofia (Unisinos), membro da coordenação nacional o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil) e coordenador do Projeto Sementes de Proteção a Defensores/as de Direitos Humanos.

** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Chagas