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Venezuela: Maduro e opositor querem despoluir Lago de Maracaibo, foco de exploração petroleira há 100 anos

Foco de exploração petroleira há mais de 100 anos, baía tem níveis de contaminação considerados alarmantes

Caracas (Venezuela) |

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Com 13 mil km², lago sofre com derramamentos de petróleo que impactam a biodiversidade - Juan Barreto/AFP

Com níveis de poluição considerados por ambientalistas como alarmantes, o Lago de Maracaibo deve passar por um plano de resgate nos próximos meses. Isso foi o que anunciou o governo venezuelano do presidente Nicolás Maduro que, em parceria com o governador do estado de Zulia, o opositor Manuel Rosales, quer despoluir uma das maiores baías hídricas da América do Sul.

Com 13 mil km² de extensão, o lago vem sendo objeto de exploração petroleira desde os anos 1920 e, paralelamente, vítima de derramamentos de petróleo. Além da contaminação decorrente de perfurações, a baía de Maracaibo também sofre com despejo de águas residuais, de lixo e com um fenômeno chamado de eutrofização, que deu origem a algas e bactérias que afetam as diversas espécies de animais que vivem no lago.

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Na última semana, foram instaladas mesas técnicas que reuniram 105 especialistas em temas ambientais, autoridades nacionais e regionais, além de representantes populares das comunidades que dependem da atividade pesqueira no lago para garantir a sua sobrevivência. Uma das principais populações afetadas pela contaminação são os pescadores, que exigem ações imediatas para evitar a morte e a contaminação de sua principal fonte de renda.

As mesas de trabalho instaladas sob a supervisão dos Ministérios de Ecossocialismo, Energia e Águas, em conjunto com o governo do Estado e prefeituras, terão seis meses para elaborar o que está sendo chamado de "Plano de Resgate, Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Lago de Maracaibo".

Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato apontam que é possível atuar para, ao menos, interromper o avanço das contaminações, mas que é cedo para avaliar o projeto, pois o plano ainda não foi apresentado. Essa é a opinião de Alejandro Álvarez, biólogo venezuelano que coordena a ONG Clima 21.

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"Em escala humana, uma recuperação pode levar décadas ou séculos. É possível atuar para favorecer essa recuperação? Claro que sim. A primeira coisa a ser feita é evitar que sigam ocorrendo derramamentos petroleiros e para isso é necessário dois elementos: o primeiro é revisar todas as instalações para sanear todos os processos que geram contaminação no lago e, depois disso, evitar que ocorram os vazamentos elaborando planos de contingência imediatos", afirma.

Petróleo no lago

A história da exploração petroleira no lago está diretamente ligada à transformação da Venezuela em um país petroleiro. As descobertas de poços gigantescos em Cabimas, região vizinha ao lago, em 1922, deu origem a uma corrida de empresas transnacionais privadas que lotaram a baía de perfurações.

A "febre petroleira" fez com que em 1939 a Venezuela já fosse o segundo maior exportador de petróleo do mundo, posto que se manteve ao longo das décadas seguintes. O protagonismo das atividades em Maracaibo também continuou: estima-se que nos anos 1960 e 1970, quando o país viveu outro "boom petroleiro", produto da alta no preço do barril, cerca de 70% dos mais de 3 milhões de barris produzidos por dia vinham de perfurações no lago.

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"O Lago de Maracaibo foi o maior campo petroleiro do mundo até a descoberta do campo Ghawar, na Arábia Saudita, em 1951", diz o economista Carlos Mendoza Potellá. O professor emérito da Universidade Central da Venezuela (UCV) e especialista em economia do petróleo explica a complexidade da exploração que ocorre na baía.

"O petróleo que sai do lago não vem até a superfície, na verdade ele é enviado a centros de armazenamento dentro do próprio lago através de encanamentos que estão no leito da baía. Esses canos levam o petróleo das centenas de poços que se interconectam. Então, imagine a quantidade de canos que devem ir em direção a um encanamento maior para depois ir a uma planta grande etc.", explica.

A ONG Clima 21 estima que existam mais de 15 mil poços perfurados no lago, entre ativos e inativos. Além disso, a organização calcula que existem 30 mil km de encanamentos que servem aos poços e às plantas no local. Segundo Potellá, é possível que muitos dos vazamentos sejam decorrentes da corrosão de canos antigos que já estão abandonados há décadas, mas que seguem cheios de petróleo.

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"Há uma certa vigilância sobre os derrames que ocorrem sobre o lago, mas não no fundo. E por que eles acontecem no fundo do lago? Porque existem canos abandonados com petróleo dentro que passam por um processo de corrosão. Essa corrosão está associada à entrada de mais água salgada no lago depois que ampliaram o estreito que liga a baía ao Mar Caribe, já que a salinização da água acelera o processo de corrosão dos canos", diz.

Petróleo, esgoto e lixo: 'tempestade perfeita'

Após os anúncios do governo sobre o plano de despoluir o lago, órgãos estatais de controle começaram a tomar medidas para fiscalizar e evitar possíveis casos de contaminação. No final de julho, o Instituto para Controle e Conservação do Lago de Maracaibo (ICLAM) realizou inspeções em 48 empresas que atuam na região e seis delas foram fechadas por danos ambientais.

Além disso, o Ministério de Ciência e Tecnologia começou a restaurar 27 usinas de tratamento de água e esgoto que serviriam para impedir a contaminação do lago por águas residuais. Voluntários e funcionários também participaram de jornadas de limpeza do lixo nas margens do lago como garrafas e sacos plásticos.

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Para o biólogo Alejandro Álvarez, no entanto, essas ações ainda são insuficientes. "Estamos indo em direção a uma tempestade perfeita", afirma o pesquisador, dizendo que qualquer plano de resgate do lago deve enfrentar os três fatores de contaminação: petróleo, lixo e águas residuais.

Segundo dados do Observatório de Ecologia Política, ONG que investiga impactos ambientais na Venezuela, foram registrados 86 derramamentos de petróleo no país em 2022, sendo que a maioria deles ocorreu no estado de Zulia, onde está localizado o lago de Maracaibo. A cifra representa um aumento de 17% no número de vazamentos em relação ao ano de 2021. Já no primeiro semestre de 2023, a ONG Clima 21 estima que já tenham ocorrido ao menos 44 derramamentos. 

Álvarez explica que a quantidade de poluição na baía deu origem ao surgimento de pequenas algas chamadas popularmente na região de “verdín”, já que faz a água do lago ficar com um tom esverdeado, e que essa proliferação pode alterar drasticamente a biodiversidade existente ali.

"O Lago de Maracaibo possui uma região que chamamos de anóxica, ou seja, sem oxigênio. Essa zona era natural, mas com toda a contaminação essa zona se ampliou por conta do excesso de matéria orgânica vinda com dejetos sólidos etc. Isso gerou um processo avançado de eutrofização, que basicamente é a concentração de certos nutrientes na água, e isso fez com que algas se proliferassem de maneira vertiginosa nos últimos anos. O ‘verdín’ é um sintoma do problema", afirma.

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Ainda de acordo com o biólogo, a falta de dados públicos recentes sobre a atividade pesqueira no lago não permite que ele estime os impactos na vida das comunidades de pescadores, mas "segundo especialistas com quem eu conversei, a hipótese é que tenha diminuído muito".

"As comunidades de pescadores são muito afetadas porque os derramamentos de petróleo afetam seus barcos e instrumentos de pesca, redes, varas etc. Além disso, deveríamos estar investigando se essa quantidade enorme de 'verdín' que apareceu no lago pode ou não ser tóxica nesses níveis, ainda não há estudos sobre isso", diz.

Despoluição política

Além dos impactos ambientais positivos, o plano de resgate do Lago de Maracaibo pode indicar desdobramentos políticos importantes, principalmente para os diálogos entre governo e oposição.

Isso porque, desde que foi anunciado pelo presidente Nicolás Maduro, ele recebeu apoio do governador de Zulia, Manuel Rosales. Histórica figura da direita venezuelana e opositor ao chavismo desde os mandatos do ex-presidente Hugo Chávez, Rosales é cotado para ser candidato presidencial nas próximas eleições de 2024.

O governador tem altos índices de popularidade em Zulia e é um dos grandes nomes da direita que não está inabilitado de ocupar cargos públicos, diferentemente da ex-deputada ultraliberal Maria Corina Machado e do ex-governador do estado de Miranda Henrique Capriles.

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Rosales, no entanto, ainda não confirmou sua candidatura presidencial, nem mesmo se vai ou não concorrer nas primárias da oposição. Seu partido, Un Nuevo Tiempo, chegou a inscrever um representante na votação apenas para "guardar o lugar" do governador, caso ele decida participar do processo.

Ao ser questionado sobre o apoio ao plano de despoluição do lago, Rosales destacou a urgência do tema dizendo que os danos ambientais são grandes e que não haveria, em suas palavras, "tempo para disputas inúteis".

"Quem se oponha ao trabalho conjunto para salvar a vida do lago que venha e diga publicamente, porque seria criminoso desperdiçar oportunidades para realizar obras e encontrar soluções estruturais para o resgate do lago. O diálogo, a negociação e os acordos são instrumentos preferíveis em detrimento às tragédias que uma minoria com objetivos egoístas parece preferir", disse.

Edição: Monyse Ravena