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Menos sanções, mais petróleo: o que significa o retorno da Chevron à Venezuela

Gigante energética volta ao país e deve elevar produção petroleira nacional; modelo de arrecadação ainda é incerto

Caracas (Venezuela) |

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Recuperação petroleira é fundamental para Venezuela ampliar arrecadação - PDVSA

Seja por necessidade do Ocidente ou por manobras diplomáticas de Caracas, o petróleo se tornou o elemento que pode aliviar as tensões entre Venezuela e EUA. Ao longo de 2022, apesar de não abandonar o apoio ao “governo paralelo” de Juan Guaidó, a Casa Branca sinalizou que estaria disposta a uma nova abordagem com os venezuelanos, inclusive eliminando sanções  como acaba de fazer ao permitir o retorno da Chevron ao país sul-americano.

Após mais de dois anos proibida de operar na Venezuela, a gigante do setor energético foi autorizada pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC, na sigla em inglês) a voltar a extrair e comercializar petróleo venezuelano por meio de uma licença emitida no último dia 26 de novembro e que poderá ser renovada a cada seis meses.

Na prática, a resolução do órgão significou a suspensão de algumas sanções que impediam a participação da Chevron em quatro empresas mistas nas quais ela é sócia minoritária da estatal venezuelana PDVSA.

A retomada é vista por Caracas como um fator positivo, pois representa um alívio no bloqueio e um novo impulso para sua ainda enfraquecida indústria petroleira, responsável pela maioria dos ingressos do país. Washington, por sua vez, busca associar a eliminação das sanções ao reinício dos diálogos entre governo e oposição da Venezuela, ao mesmo tempo em que é pressionada a buscar alternativas energéticas para suprir a demanda afetada pela guerra na Ucrânia.

Válida a partir do momento de sua publicação, a medida deve ter impacto direto na produção de petróleo da Venezuela, que hoje está em cerca de 700 mil barris por dia. Juntas, as empresas mistas que possuem participação da Chevron podem chegar a produzir 200 mil barris de petróleo por dia nos próximos meses, o que deixaria a Venezuela próxima da meta de 1 milhão de barris diários.

Além disso, o retorno da empresa ao país pode gerar um efeito cascata em outros setores da economia, favorecendo fornecedores e prestadores de serviços do ramo energético e fortalecendo o sistema cambiário ao aumentar o fluxo de dólares em circulação.

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Entretanto, o reflexo que o aumento da produtividade do setor terá na arrecadação do Estado ainda não está evidente. Um trecho da licença da OFAC gerou dúvidas sobre os benefícios da medida para a Venezuela ao afirmar que a Chevron está proibida de pagar royalties, impostos e dividendos à PDVSA e ao Estado.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político e pesquisador do setor de petróleo Franco Vielma explica que a proibição se trata apenas de um truque discursivo por parte dos EUA para se eximir dos custos políticos de aparentemente estar financiando o governo venezuelano. Isso porque, legalmente, não é a Chevron que deve pagar os impostos e royalties devidos, mas sim as empresas mistas das quais ela é sócia minoritária.

“Eles utilizam alguns termos técnicos para tentar impor a narrativa de que não estão financiando a Venezuela, quando na verdade eles capitularam da estratégia de pressão máxima e retiraram sanções. Mesmo assim, eles querem se decretar vencedores”, diz. 

De acordo com a legislação de hidrocarbonetos da Venezuela, as empresas mistas do setor energético devem pagar 33% de royalties e 50% de imposto de renda para a PDVSA e para o Estado respectivamente. No caso da Chevron, seriam as empresas Petropiar, Petroboscán, Petroindependencia e Petroindependiente as responsáveis por arcar com os repasses.

::Após acordo entre governo e oposição, EUA liberam operações da Chevron na Venezuela::

“Eu acredito que a Chevron ou, melhor dizendo, as empresas mistas das quais ela faz parte, a partir deste momento, terão sim que pagar impostos e royalties. Por quê? Porque será um petróleo produzido em condições liberadas pelo bloqueio e porque não seria vantajoso para a Venezuela aceitar algo diferente disso”, afirma Vielma.

Por se tratar de operações que não estarão mais sob sanções, o pesquisador estima que o petróleo comercializado com a Chevron será vendido a preços internacionais, sem descontos, o que deve representar um aumento considerável nos ingressos do país.

“A Chevron explora ao menos três tipos diferentes de petróleo na Venezuela e cada um seria pago de acordo com seu valor comercial. Aumentar a produção em cinco meses para cerca de 200 mil barris por dia pode significar para Venezuela uma receita de mais ou menos US$ 5 bilhões em um ano, mas isso vai depender das alíquotas de impostos e de royalties”, diz.

De quem é o controle?

Por outro lado, mesmo ciente dos recursos retóricos da licença, Vielma afirma que existem mecanismos legais para que o governo venezuelano altere a legislação vigente sobre as alíquotas de pagamentos e, até mesmo, para ceder o controle acionário de algumas plantas à Chevron. Nesse caso, as motivações do país seriam atrair outras empresas privadas estrangeiras para modelos de negócios parecidos e incentivar os EUA a suspenderem mais sanções.

“As margens de royalties são negociáveis, especialmente dentro das empresas mistas, e as próprias empresas podem variar as margens de participação das transnacionais, ou seja, elas podem ampliar sua cota de participação para 40% ou até uma maioria de 50% das ações, isso vai depender da negociação a ser feita”, diz o pesquisador.

Até ser proibida de operar no país, a Chevron mantinha 34% das ações da Petroindependencia, 25% da Petroindependiente, 30% da Petropiar e 39% da Petroboscán. Na última sexta-feira (2), o governo venezuelano e a PDVSA assinaram os novos contratos de parceria com a empresa estrangeira, mas os detalhes sobre a alíquota de impostos, de royalties e participação acionária não foram divulgados.

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Ao Brasil de Fato, Charles Giuseppi, diretor do centro de Ambiente e Mudanças Climáticas do Ministério do Petróleo da Venezuela, confirma que, embora os contratos ainda não sejam públicos, eles devem seguir a postura do governo nos últimos anos de "aprofundar acordos de investimento para resgatar a indústria petroleira".

"Em uma economia sancionada, o principal [dessa postura] seria abrir, flexibilizar a legislação nacional, com mecanismos como a lei antibloqueio, que facilitem a participação do setor privado na economia nacional. No setor petroleiro, o que precisamos é de investimentos, por isso que a curto e médio prazo a posição do governo é a de permitir que o capital privado participe cada vez mais da economia", diz.

Giuseppi, no entanto, garante que "no momento não está sendo proposto que a PDVSA entregue o controle de alguma de suas empresas, quer dizer, que ocorra um processo de privatização". "O que sim existe é uma reconfiguração de investimentos, pois no passado a PDVSA tinha capacidade de investir e hoje não tem mais, portanto precisa de sócios estratégicos, neste caso da Chevron, para ampliar suas operações", afirma.

Para o professor de Economia da UCV Carlos Mendoza Pottellá, caso o governo aceite abrir mão de controles operativos nas empresas mistas o próprio modelo de produção energética do país estaria ameaçado pela influência das transnacionais.

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“Hoje, o controle operativo é da PDVSA como sócia majoritária, ou seja, quem decide o que vai ser feito e como vai ser feito é a PDVSA. Nos termos da licença dos EUA praticamente fica estabelecido que quem vai tomar essas decisões será a Chevron. Então as decisões de reparos, de abertura de poços e de perfurações, todas essas coisas serão decididas pela Chevron e nisso já existe um retrocesso”, afirma ao Brasil de Fato.

Os termos aos quais Pottellá faz referência são os que permitem que a Chevron importe para a Venezuela peças de reposição e insumos necessários para a produção, o que, segundo ele, daria à empresa a prioridade no momento de decidir para quais plantas e de que maneira esses materiais serão utilizados. Além disso, a licença da OFAC proíbe que a Chevron venda o petróleo produzido a qualquer outro país que não os EUA, fazendo com que a produção das plantas mistas esteja comprometida com a empresa estrangeira.

“Estamos em um estado de debilidade tão grande, por conta do bloqueio e da crise, que há uma euforia sobre esse assunto da Chevron. Isso, na verdade, é uma pequena entrada de ar em meio a essa asfixia que impõem à Venezuela”, afirma.

Edição: Glauco Faria