DESREGULAMENTAÇÃO

Crise de violência no Equador é causada por medidas liberalizantes como as que Milei propõe para a Argentina

Campanha presidencial é assombrada por uma violência política sem precedentes no país

Brasil de Fato | Botucatu (SP) | |
Otto Sonnenholzner deve herdar parte dos votos que seriam do candidato assassinado Fernando Villavicencio - MARCOS PIN / AFP

O candidato de extrema direita à presidência da Argentina, Javier Milei, obteve ótimo resultado nas eleições primárias com ideias ultraliberais, como desregulamentar e dolarizar a economia, além de extinguir o Banco Central. Ou seja, ele propõe eliminar uma instância de regularização do sistema financeiro, ao mesmo tempo em que adota de vez, formalmente, a moeda estadunidense. É uma fórmula que, pelo menos no Equador, contribui para causar efeitos colaterais graves e preocupantes.

A economia do Equador é dolarizada desde a virada do milênio, no ano 2.000. Mas recentemente, ocorreu uma significativa desregulamentação do sistema financeiro, o que pode ter contribuído para a facilitação de crimes como lavagem de dinheiro, o desenvolvimento do narcotráfico e o aumento da violência. Além dos crimes políticos às vésperas das eleições do próximo dia 20, como o assassinato do candidato à presidência Fernando Villavicencio.

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“Vivemos um ciclo de enfraquecimento estatal”, pontua o sociólogo Franklin Ramírez, do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (Flacso) em entrevista ao site Nueva Sociedad. Segundo ele, a falta de uma presença forte do Estado, causada por decisões de governantes do Equador nos últimos anos, deixa a fronteira com a Colômbia como uma zona “particularmente vulnerável e permeável a grupos que entram e saem do país”.

A movimentação na fronteira aumentou após o Acordo de Paz na Colômbia em 2016, que reorganizou a movimentação de narcotraficantes, paramilitares e dissidentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Segundo o historiador Pablo Ospina, em depoimento ao mesmo site, essa nova realidade tirou de cena um grupo que “oferecia ordem e uma certa racionalidade estatal na fronteira”. Esse grupo, diz ele, costumava evitar ataques a alvos equatorianos, porque “queria evitar uma colaboração estreita entre militares equatorianos e colombianos em operações contra insurgentes”.

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Ospina, que é professor na Universidade Andina Simón Bolívar, explica que as atividades do crime organizado no Equador começaram a crescer com a dolarização, que “facilitou enormemente a lavagem de dinheiro do narcotráfico e, portanto, a progressiva instalação ou desenvolvimento de diversos grupos ligados ao crime transnacional”.

Esse teria sido uma espécie de pecado original do Equador, que depois viria a ser agravado pelos desdobramentos do Acordo de Paz e pela ausência do Estado. “É muito provável que um fator agravante seja a debilidade, incompetência e indolência geral dos governos de Lenín Moreno (2017-2021) e Guillermo Lasso (atual presidente), completamente sobrecarregados não só pela crise de segurança, como também pelas tarefas governamentais mais elementares”, analisa Ospina.

Migração dos votos

Os dois analistas acreditam, como o Brasil de Fato já publicou, que os votos de Villavicencio devem ser herdados pelos candidatos conservadores, o que poderia prejudicar a campanha de Luisa González, candidata do ex-presidente socialista Rafael Correa (2007-2017).

“É provável que parte de seus votos, muito anticorreístas, migrem para o (Jan) Topić, do Partido Social Cristão, que assumiu um papel semelhante ao (Nayib) Bukele (presidente de El Salvador), de 'Robocop' contra a insegurança. Mas também podem migrar votos para Otto Sonnenholzner, jovem candidato da velha oligarquia de Guaiaquil, que rapidamente cresceu com um duro discurso anticorreísta”, prevê Franklin Ramírez.

“Com um fato tão carente de precedente (o assassinato do candidato), é difícil prever o que pode ocorrer. De todo modo, é difícil supor que tudo isso possa favorecer a candidata do correísmo. A simpatia pela vítima e a carga emotiva estão fortemente ligadas ao fato de que Villavicencio era o inimigo mais frontal e declarado do correísmo na corrida eleitoral”, analisa Ospina.

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho