Além do Faustão

Brasil tem maior sistema público de transplantes do mundo, mas ainda enfrenta obstáculos

Entenda como funciona a fila única de doação de órgãos e por que ricos não podem passar na frente

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Mais de 65 mil pessoas aguardam por algum tipo de transplante no Brasil - Foto: Elza Fiúza/ABr

O agravamento do estado de saúde do apresentador televisivo Fausto Silva impulsionou o debate sobre a doação de órgãos no Brasil, mas também levantou muitas dúvidas. Faustão está internado desde o início do mês em um dos mais caros hospitais privados do país. Ele espera por um transplante de coração e, ainda que esteja em tratamento na rede particular e seja rico, precisa entrar na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) para receber o órgão. 

Isso acontece porque, desde 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal, a comercialização de órgãos e tecidos é completamente proibida no Brasil. As primeiras leis que regulamentaram o setor após a aprovação do texto constitucional foram publicadas em 1992, 1993 e 1997. Esta última, que ainda está em vigência, criou o Sistema Nacional de Transplantes (SNT). 

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Segundo a lei, o SNT é responsável pelo “processo de captação e distribuição de órgãos, tecidos e partes retiradas do corpo humano para fins terapêuticos”. Ele é composto pelo Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal e as Secretarias de Saúde Municipais. Também fazem parte dessa estrutura os serviços hospitalares que atuam no setor. 

Nos estados, as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDOs) coordenam as atividades de transplante, recebem e organizam notificações de morte encefálica e fazem o encaminhamento dessas informações para o sistema federativo. Para todos os cidadãos e cidadãs, o atendimento é integral, equânime, universal e de graça.  

“Se existe uma instituição que se caracteriza pela lisura e pela organização é o Sistema Nacional de Transplantes, composto pela Central Nacional, que está em Brasília, por todas as centrais estaduais, que são absolutamente corretas e por uma comunidade de pessoas, médicos, enfermeiros, profissionais de saúde, absolutamente envolvidos com isso e que jamais tolerariam qualquer tipo de coisa que infringisse a lei e a distribuição equânime”, afirma o professor Charles Simão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

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Ele tem vasta experiência na área, é especialista em cirurgia cardiovascular, atua na Faculdade de Medicina da UFMG e já dirigiu o complexo MG Transplantes, responsável pela articulação desse tipo de cirurgia no estado. O professor conhece de perto a estrutura nacional e afirma que a equidade é um valor inegociável no setor. 

“O fato de o Faustão ser uma pessoa em condição financeira bastante robusta não vai mudar absolutamente nada. Isso seria o total descrédito de um sistema, que vem andando desde os anos 1990 para ser o maior sistema público de transplantes do mundo. Essa fila jamais é violada, a menos que a urgência clínica assim se imponha”, destaca. 

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Obstáculos 

Apesar de ser o maior do mundo e ter garantias legais de acessibilidade, o setor de transplantes no Brasil ainda enfrenta os obstáculos estruturais do SUS. Entre eles estão o desfinanciamento e as dificuldades de capilarização para todo o território nacional. 

Hoje, mais de 65 mil pessoas aguardam por algum órgão, de acordo com dados do Ministério da Saúde. As informações mais recentes, atualizadas em 16 de agosto, mostram que a maior parte espera por cirurgias dos rins e da córnea. São mais de 62 mil pacientes nessa situação. A lista de quem precisa por um coração, como Fausto Silva, tem 386 pessoas. 

No primeiro semestre de 2023, foram realizados 206 transplantes de coração no país, segundo a pasta. O número representa alta de 16% em relação ao mesmo período do ano passado. Os anos de pandemia de covid-19 travaram o processo. Hoje, o Brasil encara a demanda reprimida do período.  

"O primeiro obstáculo é as pessoas doarem. Inclusive, incentivamos muito que se converse sobre isso em casa, que as pessoas informem que são doadoras. A conscientização é uma grande corrente. O segundo obstáculo é o acesso, reconhecer o transplante como uma poderosa terapêutica. Em terceiro vem a necessidade de maior investimento em divulgação. Enfrentamos problemas culturais e infraestruturais”, pontua Charles Simão. 

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O professor diz ainda que casos como o de Fausto Silva podem chamar a atenção para o problema. “Dentro do que é possível no Brasil, nós temos marchado. Cada vez mais as pessoas estão entendendo e um caso como esse sempre dá margem ao que falar. Garanto que muitas pessoas vão pensar: ‘Poxa, eu poderia doar’”, pondera. 

Além de ser única e valer tanto para pacientes do sistema público quanto da rede privada, a lista de espera de transplante obedece à ordem cronológica de cadastro. A gravidade de cada situação e a compatibilidade de órgãos disponíveis também são levados em consideração. Quem está em estado crítico, por exemplo, pode ter prioridade no atendimento. Mas os critérios nunca são econômicos ou sociais. “A distribuição por questões financeiras seria absolutamente injusta”, conclui o professor Charles Simão. 

Edição: Rodrigo Chagas