20 mortes em 25 dias

'Estamos passando um momento de terror': moradoras do Guarujá protestam contra Operação Escudo 

Manifestantes foram à Câmara dos Vereadores do Guarujá pedir justiça e o fim da operação policial na Baixada Santista

Brasil de Fato | Guarujá (SP) |
Com medo de retaliação das forças de segurança do Estado, as manifestantes abriram a faixa de costas para não mostrar o rosto - Gabriela Moncau

"Efeito colateral custou a vida de três moradores de rua, dois ajudantes de pedreiro, um vendedor de açaí, um funcionário de carrinho de praia, um encanador". A faixa com os dizeres foi estendida na tarde desta terça-feira (22) na Câmara dos Vereadores do Guarujá (SP) por representantes de comunidades alvo da Operação Escudo e integrantes do Movimento Independente Mães de Maio. 

Os homens citados na faixa são oito dos 20 que foram mortos pela polícia na Baixada Santista desde que, em 28 de julho, foi deflagrada a Operação Escudo. Sem data definida para terminar, a intervenção policial é uma reação à morte de um soldado da Rota em 27 de julho.

Cinco dias depois do início da operação, que então já acumulava 16 vítimas fatais e mostrava ser uma das mais letais da história recente do estado paulista, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou, ao ser questionado sobre as denúncias de execuções e tortura, que "não existe combate ao crime sem efeito colateral".

Cerca de 150 pessoas de diferentes comunidades ocupadas militarmente tinham confirmado presença no ato em grupos de Whatsapp. No entanto, sob um clima de medo de retaliação - que foi testemunhado pela reportagem em visita prévia à comunidade do Perequê - poucas compareceram.  

"O povo está com medo de mostrar o rosto, porque não sabe o pode acontecer. Depois a polícia pode querer fazer terrorismo de novo, assassinar. Então as pessoas das comunidades ficaram assim. Em choque, pânico, medo. Criança assustada, senhora indo para o pronto socorro com a pressão alta. Quando eles chegam, ficam com as armas para cima, apontando para as nossas casas", relatou Luísa*, moradora do Perequê, que participou do ato nesta terça. 

Cobrança

"Quando chegam as eleições, os vereadores, o prefeito, andam na nossa comunidade, passam de porta em porta, cumprimentando o povo. Aí passam as eleições, ninguém vê mais ninguém. A gente vê só o quê? Polícia. Entrando na nossa comunidade, fazendo mal para as pessoas, parecendo uns terroristas, assassinos. Por que são assassinos mesmo", descreve Luísa, explicando que o protesto na Câmara Municipal foi organizado para cobrar alguma ação dos representantes eleitos. "A gente está passando um momento de terror", resumiu.     

As manifestantes entraram na seção da Câmara e esticaram a bandeira das Mães de Maio, além de uma faixa e cartazes com os dizeres "medo", "justiça" e "paz". Como se nada estivesse acontecendo exatamente à sua frente, o vereador Toninho Salgado (PSD) seguiu discorrendo sobre a importância da aprovação de uma "moção de congratulações pelo dia do corretor".


Manifestantes cobraram posicionamento dos vereadores de Guarujá / Gabriela Moncau

Os vereadores foram provocados com gritos de ordem pedindo justiça e questionados se não tinham nada a dizer. O presidente da Câmara, Juninho Eroso (Progressistas), se limitou a dizer que já consta nos autos da Casa que os parlamentares são "a favor da segurança" e não concordam com "a forma como a operação está sendo conduzida".  

"Bandidos de farda"

Na última sexta-feira (18), a PM  assassinou o encanador Willians Santana dentro de sua própria casa, no Perequê. Revoltada, a comunidade foi às ruas e acompanhou a saída das viaturas do Batalhão de Ações Especiais da Polícia (Baep) aos gritos de "assassinos", "covardes" e "lixo". Na segunda-feira (21), os moradores denunciaram que a PM voltou e destruiu casas de palafita da comunidade

"Tiveram coragem de fazer o que fizeram com o Willians, que trabalhava na Sabesp, cortava o cabelo das pessoas da comunidade, tinha vários clientes, todo mundo gostava dele. Era uma pessoa que quando a comunidade precisava dele, ele estava ali para arrumar um cano, consertar alguma coisa. A partir do momento que entraram para fazer isso, são bandidos de farda", afirmou Luísa.  

A situação é similar no Sítio Conceiçãozinha, onde a PM matou, em 29 de julho, Cleiton Barbosa Moura. Ele estava com seu filho bebê e o enteado dentro de casa. Ali perto vive Lia* com o marido e os dois filhos. Mesmo com receio, sentiu necessidade de protestar. 

"Estão invadindo a comunidade, entrando na casa das pessoas sem mandado, sem nada. Entraram inclusive na minha", conta Lia, comentando que agentes das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) reviraram todos os seus pertences. 

"Os policiais chegam assim 'quem tem passagem [antecedente criminal], tem que morrer'", denuncia Alzira*, moradora da Vila Edna. "E o prefeito então, o dr. Válter Suman?", questiona, lembrando que o peessedebista foi preso em setembro de 2021 em uma operação da Polícia Federal que investigou desvio de dinheiro na rede pública de saúde do Guarujá.

"E ele está lá, na prefeitura, sentado na cadeira, enquanto a mãe de família está desempregada, enterrando seus filhos, pedindo por favor para comprar flor para colocar no caixão", se indigna Alzira.

"Estamos fazendo essa manifestação para poder viver tranquilas", diz Lia. "Para eu poder ir trabalhar, deixar meus filhos irem para escola tranquilos. A gente quer poder ter segurança, uma coisa que a gente não está tendo", salienta: "A gente só quer justiça, quer paz".

Outro lado

Ao ser consultada sobre a operação, a Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) diz que as mortes foram decorrentes de confronto e que até o momento 575 pessoas foram presas. 

"A Operação Escudo tem prosseguimento para sufocar o tráfico de drogas e desarticular o crime organizado, que possui grande atuação na Baixada Santista", informa a SSP-SP, que é chefiada por Guilherme Derrite, ex-policial da Rota.

"A polícia não quer o confronto. O confronto não interessa para ninguém. Ninguém quer usar armamento. Isso aí dá dor em todo mundo. Agora fica sempre essa narrativa de que 'há excesso, há excesso, há excesso'. Se houver excesso, nós vamos investigar", resumiu o governador Tarcísio de Freitas em entrevista coletiva recente.

*Os nomes foram alterados para preservação das fontes.

Edição: Thalita Pires