JOANESBURGO

15ª Cúpula do Brics discute relação com África e volta a exigir mais espaço para países do Sul Global

Países debatem expansão do grupo e sistema de pagamento comum

Brasil de Fato | Joanesburgo (África do Sul) |
Presidentes do Brics antes do retiro onde foram discutidos os principais assuntos da 15ª cúpula do bloco - Ricardo Stuckert

Mais de 40 países participam da maior cúpula em quinze anos de existência do Brics. Durante a pandemia, as reuniões entre os líderes do Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, foram realizadas online.

Durante esse período, o interesse de diversos países do Sul Global em relação ao grupo cresceu. Vinte e três países já apresentaram um pedido formal para se unir ao grupo, e outros vinte têm manifestado interesse. Entre os que fizeram o pedido formal estão desde Argentina, Bolívia e Cuba até Irã, Palestina e Arábia Saudita. 

Junto ao tema da expansão do grupo, outro tema importante desta 15ª cúpula, que começou na terça-feira (22), em Joanesburgo, na África do Sul, é a expectativa em torno à possibilidade da criação de um sistema de pagamentos comum para que os membros utilizem em transações comerciais e investimentos entre si.

No primeiro dia, o presidente Lula teve um encontro com representantes do Congresso Nacional Africano, o partido do ex-líder Nelson Mandela, e que governa o país desde 1994. À tarde, o presidente discursou no Fórum de Negócios do Brics junto ao presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi e o ministro de comércio chinês, Wang Wentao. Ali, Lula destacou a evolução econômica do Brics.

"Desde a primeira Cúpula de Chefes de Estado e de Governo, nossa participação na economia global vem se ampliando. Já ultrapassamos o G7, e respondemos por 32% do PIB mundial em paridade do poder de compra. Projeções indicam que os mercados emergentes e em desenvolvimento são aqueles que apresentarão maior índice de crescimento nos próximos anos", afirmou o mandatário brasileiro.

O tema geral da cúpula é a relação entre o Brics e os países africanos. Em um contexto em que vários países da África Ocidental estão protagonizando levantes questionando a relação de seus países com as potências do Norte Global, o debate sobre multipolaridade atravessa a 15ª cúpula do Brics. Trinta chefes de Estado de países africanos participam do encontro. 

"É importante que o Sul Global esteja aproveitando o que chamo de mundo interpolar, que é um mundo que é ao mesmo tempo multipolar e interdependente", disse a pesquisadora sul-africana Yvonne Phyllis. "Muitos países do Sul Global, particularmente na África, têm uma história de colonização e estão atualmente lutando contra o imperialismo, então, que os países do Sul Global criem diferentes tipos de novos fóruns e tragam à tona as suas próprias vozes é muito importante", disse Phyllis, que é fundadora da organização pan-africanista The Forge.
 


Yvonne Phyllis, pesquisadora e fundadora da organização The Forge, com base em Joanesburgo na África do Sul / Mauro Ramos

O economista e ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), Paulo Nogueira Batista Jr, Brics como grupo tem todo o interesse de ampliar a sua relação com África.

"A África está saindo de um período difícil para um período de expansão nos anos recentes, mas sofre os problemas históricos acumulados pelo colonialismo, pela opressão que aparece muitas vezes na relação entre os países africanos e seus antigos colonizadores europeus, que às vezes é muito ruim, como no caso do Níger", disse Nogueira.

Moeda do Brics


O debate sobre desdolarização também está no centro da 15ª Cúpula dos Brics, com foco na criação de um sistema próprio de pagamentos entre os países do grupo. O presidente russo, Vladimir Putin afirmou em sua intervenção durante o Fórum de Negócios do BRICS que "o processo para a meta irreversível de desdolarização dos nossos laços económicos ganha cada vez mais impulso". 

Já o presidente Lula, que na visita à China em abril deste ano colocou o assunto em debate, afirmou em seu primeiro discurso da cúpula que a ideia de adotar uma unidade de referência para o comércio, não seria para substituir as moedas nacionais.

O ex-vice-presidente do NDB disse que o processo de criação de uma moeda comum deve ser complexo e demorado mas que se a cúpula terminar com uma indicação da necessidade de estudar a viabilidade, já será um sinal positivo. Principalmente devido ao fato de que os dois países que mais têm insistido na necessidade de desdolarização são Rússia e Brasil, que terão as próximas presidências do Brics.

"Se esse sinal for dado vai se iniciar um processo que vai demorar algum tempo, mas que pode ser completado talvez na cúpula que vai ser no Brasil em 2025, sob a presidência do governo Lula", prevê Nogueira.

"Algo que nunca existiu"

Uma das demandas com as quais o grupo do BRrics nasceu há 15 anos, foi a exigência de uma reforma da governança global, especialmente pela falta de representatividade de países do Sul Global em plataformas como as Nações Unidas e instituições financeiras internacionais.

Um ponto em comum nos posicionamentos dos países do Brics é que o grupo não tem como objetivo a contraposição aos países ou blocos do Norte Global, mas sim a procura por dar mais relevância aos países "em desenvolvimento".

Em sua segunda intervenção na cúpula, durante a sessão plenária aberta, o presidente chinês Xi Jinping disse que é "inaceitável" que os países que "têm os músculos mais fortes ou a voz mais alta" imponham suas regras como padrões internacionais. Xi Jinping também afirmou que a mentalidade da Guerra Fria assombra o mundo e que é "imperativo aumentar a representatividade e o direito de voz dos países em desenvolvimento.

Já o presidente Lula, em seu programa Conversa com o Presidente, gravado em Joanesburgo, afirmou que a entidade não quer ser um contraponto ao G7, ao G20 ou aos Estados Unidos: "A gente quer se organizar. A gente quer criar uma coisa que nunca teve, que nunca existiu”.

"Penso que já é tempo de percebermos a importância que África trouxe para a mesa. E talvez pensar em como a mesa está posta, porque embora África tenha trazido ao mundo tudo o que mencionei, estamos falando de Estados africanos e do Sul Global que se uniram para defender a reforma da ordem mundial, para defender uma posição de não alinhamento e estão fazendo isso em um sistema internacional que ainda é desigual", concluiu a pesquisadora sul-africana Yvonne Phyllis.

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho