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Gabão, Níger, Mali e mais: em três anos, sete levantes militares na África

Países apresentam histórico colonizado pela Europa em comum

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Militares do Gabão marcham na capital Liberville - AFP

O levante militar no Gabão responsável por depor o governo do presidente Ali Bongo Ondimba na última quarta-feira (30/08) não foi um movimento isolado. Mais recentemente, no final de julho, o Níger, na África Ocidental, também viveu uma situação semelhante. 

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Em três anos, ocorreram sete tentativas de derrubada de poder em seis países no continente africano. 

Além do Gabão e Níger, Mali, Guiné, Sudão e Burkina Faso encontram-se sob governos de transição militares, com eleições previstas para 2024 em alguns desses países. 

O que esses países têm em comum?

Com uma realidade em comum, todos os países mencionados, que estão ou passaram por processos de queda de governo e levantes militares, foram colonizados por países europeus e obtiveram suas independências após anos de exploração do imperialismo. A emancipação ocorreu na década de 60. 

O Sudão, por exemplo, conseguiu tornar-se independente do Reino Unido em 1956; Mali, Burkina Faso, Níger e Gabão obtiveram independência da França em 1960; já Guiné foi a última em 1968. 

Petróleo, urânio, ouro, manganês, ferro e bauxita são alguns dos minérios oriundos da região africana ocidental e central que despertaram interesse nos países europeus e seus hábitos de extrativismo. 

Economias enfraquecidas, baixos índices de desenvolvimento humano, violência entre grupos armados que afetam a população e instabilidade política com chefes de governo pós-independência que ainda respondem ao imperialismo europeu também são marcas em comum. 

Um exemplo disso é o próprio Gabão que, após sua independência da França, ou seja pelos menos seis décadas depois, teve apenas três presidentes: Léon Mba (1961-1967), Omar Bongo (1967-2009) e Ali Bongo Ondimba (2009-2023). 

Ondimba havia sido reeleito pela terceira vez para um mandato de cinco anos no Gabão dias antes do levante. Seu processo eleitoral foi interrompido e anulado pela junta militar. 

Mali: agosto de 2020 e maio de 2021

Os dois levantes militares no Mali ocorreram dentro de um período de nove meses: o primeiro em 18 de agosto de 2020 e o segundo em 24 de maio de 2021. 

Em 2020, o então presidente Ibrahim Boubacar Keita (2013-2020) e o primeiro-ministro Boubou Cissè foram presos durante o levante militar que ocorreu após dois meses de grande crise política, com protestos diários contra o governo de Keita. 

Após o ato, um novo presidente foi nomeado: Bah Ndaw, que, por sua vez, indicou um novo primeiro-ministro: o ex-chanceler Moctar Ouane. A partir de então, em outubro, um governo de transição de 18 meses foi sugerido. 

Porém, em 24 de maio de 2021, os militares novamente fizeram um levante, colocando outro coronel como presidente de transição no país, Assimi Goita. O militar continua governando até que novas eleições sejam realizadas, prometidas para fevereiro de 2024. 


Coronel francês entrega chave simbólica de base francesa no Mali para oficial do país africano. Foto de dezembro de 2021. / Florent Vergnes / AFP

Guiné: setembro de 2021

Como mencionado, o então presidente guineense Alpha Condé (2010-2021) foi deposto por um levante militar, em 5 de setembro de 2021. Na ocasião, os militares liderados pelo coronel Mamady Doumbouya suspenderam a Constituição, dissolveram o governo e decretaram toque de recolher à noite. 

A justificativa de Doumbouya para a organização era "colocar fim à corrupção e à péssima gestão do país". Em 1º de outubro, o coronel tornou-se presidente.

Condé estava no cargo de presidente desde 2010, tendo sido reeleito em 2015 e em 2020. No entanto, a última reeleição foi considerada "não democrática" por opositores e causou uma série de protestos.

Como no Mali, é prometido um novo processo eleitoral até o final de 2024. 

Sudão: outubro de 2021

O levante militar no Sudão aconteceu em 25 de outubro de 2021, quando as Forças Armadas do país tomaram o poder após prenderem o primeiro-ministro Abdallah Hamdok e todos os líderes civis do governo.

O general Abdel Fattah al Burhan, que se apresentou como líder da ação, disse que formaria um novo governo "com pessoas competentes". O contexto político anterior era marcado por um governo "transitório" desde agosto de 2019, após o então presidente Omar al-Bashir ter sido deposto em abril daquele ano.

Desde então, uma coalizão civil-militar estava administrando o país africano com a promessa de que realizaria eleições livres e democráticas para formar um governo completamente civil, mas sem data específica. É esperado que o novo pleito seja realizado em 2024. 

A situação se desdobrou para um conflito que opõe al-Burhan, chefe das Forças Armadas, e Mohamed Hamdan Dagalo, mais conhecido como Hemedti e líder do grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR).

Antigos aliados, os dois se distanciaram em meio acusações mútuas de concentrar o poder. Enquanto Hemedti denuncia uma tentativa de restaurar o antigo regime que sustentava o ditador Omar al-Bashir, Burhan quer integrar as FAR no Exército para reduzir a autonomia do grupo.

Burkina Faso: janeiro de 2022

E 24 de janeiro de 2022, os militares de Burkina Faso anunciaram o fim do governo do então presidente Roch Marc Christian Kaboré e a suspensão das instituições do país, como a Assembleia Nacional. 

Na ocasião, o capitão Sidsore Kader Ouedraogo afirmou que o Movimento patriótico burquinabê (MPSR) havia assumido o poder do país. 

Em fevereiro, o tenente coronel Paul Henri Sandaogo Damiba se tornou presidente, mas foi destituído em 30 de setembro e substituído pelo capitão Ibrahim Traoré, nomeado como presidente de transição até julho de 2024. 

A situação em Burkina Faso era de revolta militar em diversas partes do país, exigindo a renúncia dos chefes do Exército e pediam mais recursos para combater os jihadistas.

Kaboré estava no poder desde 2015 e foi reeleito em 2019 com a promessa de tornar prioridade a luta contra os extremistas no país. No entanto, seu governo sofria rejeição da população. Nos últimos meses, houve diversas manifestações de protesto no país para denunciar a incapacidade das autoridades de conter o número crescente de atentados jihadistas.

Níger: julho de 2023

O levante militar no Níger aconteceu em 26 de julho de 2023 após a Guarda Presidencial do então chefe de governo, Mohamed Bazoum, avançar contra ele e realizar uma transmissão em rede nacional, de dentro do Palácio Presidencial, para anunciar que estava tomando o poder no país.

Em um comunicado em rede nacional realizado em 7 de agosto, a junta militar liderada pelo general Abdourahamane "Omar" Tchiani anunciou a nomeação do economista Ali Mahaman Lamine Zeine como novo primeiro-ministro do país.

Lamine Zeine ocupa assim o cargo que era de Ouhoumoudou Mahamadou, que era o premiê quando o levante militar sequestrou e tirou do poder o presidente Bazoum. 

Marcada como uma revolução anti-ocidental, os militares nigerinos falaram contra a apropriação que a França ainda faz do urânio no Níger, revogou a cooperação militar com o país europeu, expulsando assim soldados franceses de seu território, e exigiu a saída do embaixador da França no país até o último domingo (27/08). 

Como o prazo sugerido não foi respeitado por Paris, há indícios que militares nigerinos cortaram a água e a eletricidade da embaixada na capital, Niamei, além de não permitir a entrada de alimentos. 

A instabilidade política no Níger também trouxe discussões sobre a intervenção militar estrangeira no país. Os países da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) e da União Econômica e Monetária do Oeste Africano (Uemoa) ameaçaram enviar forças militares para Niamei caso a junta militar não reestabelecesse o governo do presidente deposto e Constituição do país. 

A sugestão foi apoiada pelos Estados Unidos e pela França, mas não pela União Africana, organização internacional que integra 55 países da África.

Gabão: agosto de 2023

Um grupo de 12 militares do Gabão informou a tomada do poder, dissolvendo as instituições do país (governo, Senado, Assembleia Nacional, Tribunal Constitucional e Conselho Eleitoral) e anulando o resultado das eleições do último sábado que reelegeram o então presidente Bongo Ondimba. 

O anúncio dos oficiais informava que Ondimba havia sido deposto de seu cargo, mas que continuaria com todos os direitos civis. Após a deposição, o ex-presidente gravou um vídeo clamando por ajuda internacional para solucionar a situação política no país.

Após a tomada de poder, os militares nomearam um presidente para a transição do governo: General Brice Oligui Nguema. O ex-comandante-chefe da Guarda Republicana Gabonesa e primo do presidente deposto Ondimba pediu por "calma e serenidade", aprovando a ordem de reestabelecimento de linhas telefônicas por fibra ótica e dos sinais dos canais internacionais de rádio e televisão no Gabão.

Ainda segundo um comunicado da junta militar que tomou o poder no Gabão, o Tribunal Constitucional do país será "temporariamente restaurado" para que o novo presidente nomeado tome posse nesta segunda-feira (04/09). 

O levante militar no Gabão fez com que o Conselho de Segurança e Paz da União Africana (UA) suspendesse o país "de todas as suas atividades, órgãos e instituições até a restauração da ordem constitucional". 

Já a União Europeia manifestou sua preocupação com a situação em Libreville, classificando o levante militar no Gabão como um “golpe de Estado, que aumentará a instabilidade em toda a região”, reconhecendo a situação como "um grande problema pra Europa" que denuncia a necessidade de "melhorar suas relações" com os países da África. 

Ainda não há declarações sobre possibilidade de intervenção militar estrangeira no Gabão. A União Africana solicitou "uma missão de alto nível", em colaboração com a Comunidade Econômica dos Estados da África Central (CEEAC) para que a crise política seja solucionada. 

Mas, apesar de não especificar o que seria a "missão de alto nível", a União Africana "rejeita veemente quaisquer interferências externas [de organizações e países]" fora da África para o Gabão.