Cultura

Nos 50 anos do golpe no Chile, editora Expressão Popular relança 'Víctor: uma canção inacabada'

A resistência de Jara e de tantas outras pessoas segue inspirando as lutas na América Latina

São Paulo (SP) |
"A presença de Víctor Jara nas celebrações, lutas e no coração do povo, mostra-nos que seu legado é muito mais do que sua criação artística", afirma o poeta chileno Jorge Montealegre - Wikimedia Commons

Escrito por Joan Jara, que foi companheira de uma vida, Víctor: uma canção inacabada é uma narrativa épica, moldada a partir do olhar autobiográfico de Joan sobre a cultura popular cultivada no solo da revolução chilena durante o governo de Salvador Allende.

Um livro de memórias sobre uma canção inacabada de uma revolução interrompida, um apelo à justiça social. A obra é resultado de uma promessa de Joan, depois do assassinato do companheiro pela ditadura Pinochet, quando estava a caminho do exílio: “Tinha que [...] contar ao mundo exterior, em nome dos que não podiam fazê-lo, sobre os sofrimentos do povo [...]. Faria tudo que estivesse ao meu alcance para que Víctor, através de sua música e suas gravações, continuasse trabalhando pela causa que abraçara como sendo a sua própria. Seus assassinos haviam subestimado o poder da canção”.

Joan conta da memória viva sobre a sua história de amor com Víctor, em seu contexto político e social, como um militante do Partido Comunista Chileno (PCC) cuja geração de lutadores sociais construiu uma nova cultura, uma comunicação direta e intensa com as amplas massas, com raízes nas tradições populares, para o fortalecimento das organizações da classe trabalhadora chilena e para a construção de uma sociedade mais justa. Joan apresenta a trajetória de Víctor Jara, no contexto da luta de classes chilena, nos anos 1960/1970, construiu coletivamente uma cultura popular, como a Nova canção chilena, presente nas populações, nas fábricas, no campo, nas manifestações estudantis, com os conteúdos da justiça social e da solidariedade de classe.

Publicado originalmente na Inglaterra, em 1983, Víctor: uma canção inacabada foi também impresso em países como Alemanha, Suécia, Rússia, Itália, Japão, Bélgica, Dinamarca, Brasil, Finlândia, entre outros. A presente obra editada pela Expressão Popular foi atualizada, corrigida e revisada de acordo com a mais recente edição chilena, pela Fundação Víctor Jara (2020). Além de um belo álbum de fotos, este livro traz para os/as leitores/as uma seleção das canções de Víctor no contexto cultural e político de sua criação, e a última canção inacabada contra o fascismo e pelo socialismo, escrita durante a prisão no Estádio Chile (atual Estádio Víctor Jara), junto aos 5 mil prisioneiros: “[...] Espanto como o que vivo/como o que morro, espanto./ De ver-me entre tantos e tantos/momentos do infinito/ em que o silêncio e o grito/ são as metas deste canto./O que vejo nunca vi,/o que tenho sentido e o que sinto/fará brotar o momento...”

Sobre a autora

Joan Jara - Joan Alison Turner Roberts é ativista dos direitos humanos, bailarina, coreógrafa, professora de dança, e escritora, viúva do compositor, músico, cantor e diretor teatral chileno Víctor Jara. Nasceu em 1927, em Londres, numa família proletária simpatizante do socialismo, vivenciou a Segunda Guerra Mundial, com os ataques aéreos nazistas sobre a população britânica, e descobriu na dança o sentido da liberdade. Se formou como bailarina na escola de Sigurd Leeder (1947-1950) e integrou o Ballets Jooss (1955), no qual interpretou papéis como a guerrilheira, em A mesa verde, uma das obras-primas do século XX, de crítica à guerra imperialista. Casou-se com o chileno Patrício Bunster (1953-1960), colega bailarino e coreógrafo, com quem iniciou a sua vida no Chile, com quem teve a primeira filha, Manuela (1960). Entrou para o Ballet Nacional Chileno e lecionou dança na Universidade do Chile. Entre 1965 e 1973, integrou ativamente iniciativas de aproximação entre a dança moderna e os setores populares. Em 1960, iniciou seu relacionamento com Víctor Jara, com quem teve sua segunda filha, Amanda, e com quem participou do movimento de artistas que apoiavam o governo da Unidade Popular. Com o desencadeamento do golpe empresarial-militar de 1973, e com o assassinato de Víctor Jara, Joan foi exilada, junto com as filhas Manuela e Amanda, na Inglaterra. Desse dia em diante, adotou o nome de Joan Jara e passou dez anos em atividades militantes de denúncia das violações aos direitos humanos no Chile. Retornou em 1984 e, com Patricio Bunster, fundou o Centro de Dança Espiral, e em 1993, junto às filhas, a Fundação Víctor Jara para promover e divulgar a sua vida e obra.

O livro está disponível em: www.expressaopopular.com.br.

Edição: Thales Schmidt