Diplomacia

Brics pode ser caminho para novos membros Egito e Etiópia saírem de crises

Endividamento externo, imposição de medidas de austeridade e fome são alguns dos problemas que os países enfrentam

Pequim|China |
XV Cúpula do BRICS no Centro de Convenções de Sandton, em Joanesburgo, África do Sul, 20 de agosto de 2023. - GIANLUIGI GUERCIA / AFP

Treze anos depois da entrada da África do Sul no Brics, mais dois países africanos passarão a fazer parte do grupo a partir de 1° de janeiro do ano que vem, em um movimento que abre um novo capítulo não apenas na história do grupo mas da geopolítica.



Egito e Etiópia estavam entre os 23 países que haviam apresentado o pedido formal para entrar no Brics. Assim como os demais países do grupo, ambas nações podem se beneficiar das metas colocadas pelo grupo criado há 17 anos, como a busca de uma menor dependência financeira e monetária de países do Norte Global.

Desde o começo do ano passado, a libra egípcia teve uma desvalorização recorde, de quase 50% em relação ao dólar. Em julho, o Egito registrou um recorde de inflação de 38,2%, o que impacta ainda mais os mais de 30 milhões de egípcios que vivem abaixo da linha da pobreza, o que representa quase um terço da população total.

O governo de Abdul Fattah al-Sisi, que chegou ao poder em 2014, atribui os problemas à pandemia e à crise na Ucrânia, mas críticos afirmam que as causas são anteriores e têm a ver com decisões do governo, como cortes nos subsídios a produtos básicos, como alimentos e combustíveis, ou a priorização do financiamento de grandes projetos feitos em dólares, que são escassos no país.

Parte dessas políticas resulta dos programas de ajuste acordados entre o governo Sisi e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O país acumula uma dívida externa que mais do que quadruplicou nos últimos 8 anos e já supera os 165 bilhões de dólares.

No final do ano passado, o governo egípcio voltou a fazer um empréstimo, no valor de 3 bilhões de dólares, com o FMI. O novo programa acordado com o FMI visa explicitamente reduzir o papel do Estado na economia e aumentar o do setor privado. Entre os compromissos exigidos pela entidade, esteve o da mudança para um regime cambial flexível e duradouro, que levou à desvalorização recorde da libra egípcia.

A presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), Dilma Rousseff, fez referência a esse tipo de acordo no relatório apresentado aos líderes do Brics. Ela afirmou que o respeito ao direito de cada país de definir sua própria estratégia de desenvolvimento está “codificado no DNA do banco”, e que está comprometida em garantir que o trabalho no banco seja feito “sem impor condicionalidades ligadas a qualquer política pública ou projeto privado”.

No último dia da cúpula durante os espaços Brics-Africa Outreach e no Diálogo Brics Plus, Rousseff destacou a importância estratégica do desenvolvimento do continente africano estrategicamente para o Sul global: “a África é um continente que foi ferido e carrega as feridas do colonialismo, da exploração desenfreada e da escravatura vergonhosa. África é de onde viemos e o século XXI é o resgate definitivo deste continente”, disse a presidenta do NBD.

Expansão é positiva mas mudanças podem levar tempo para novos membros africanos

Mamdouh Habashi é membro do conselho executivo do Centro de Pesquisa Árabe-Africano no Cairo, Egito, e é um dos analistas que avalia que o programa neoliberal do Egito é o responsável pela situação em que o país se encontra. Para ele, a relação construída durante décadas com os EUA é parte do problema que não permitirá que o Egito possa aproveitar as possíveis vantagens de se somar ao Brics. 

O segundo presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser (1954 a 1970), era considerado um problema para os países do Norte Global por ter um projeto socialista e anti-imperialista, e sua capacidade de gerar unidade entre os países árabes. Depois de sua morte, Anwar Al Sadat assume o poder e muda a política “em 180 graus”, conta Habashi, sobre a aliança que se inicia nessa época com os Estados Unidos e que não volta a mudar. 

Segundo ele, com a Revolta no Egito de 2011, eles deixaram o “fantasma” de um projeto como o de Nasser aparecer novamente, e o “Ocidente decidiu evitar isso, mas não pelos seguintes dois ou três anos, eles decidiram acabar com isso de uma vez por todas, e uma das formas era garantindo que o Egito se tornasse tão dependente quanto um mendigo”.

Depois da Nigéria, a Etiópia é o país com a maior população do continente africano, com mais de 120 milhões de habitantes. Segundo o FMI, o país pode se tornar a terceira maior economia da África sub-sahariana. Porém, a Etiópia enfrenta graves problemas devido aos impactos da pandemia, seis anos de secas e um conflito armado de dois anos no Tigré, no norte do país. 

Segundo o Programa Mundial de Alimentos da ONU, cerca de 20 milhões de pessoas dependem de assistência alimentar. Alguns meses atrás o programa deixou de enviar alimentos ao país devido a denúncias de roubos da ajuda. 

O professor de relações internacionais e ciência política da Universidade de Joanesburgo, David Monaye, considera que o Brics começa a se diferenciar do seu início, quando o termo foi concebido para se referir a “economias emergentes” pelo economista e ex-presidente da Goldman Sachs, Jim O’neill. 

Os países do Sul Global em conjunto têm libertado o Brics de Wall Street, diz Monaye: “O que quero dizer com isso é que [o grupo] está indo muito mais profundo na análise de fatores históricos, em questões de democratização, representação, equidade, gênero e população”. 

Para o professor, esse é o marco de inserção dos países africanos: “A África precisa estar envolvida nos grupos centrais que determinam e lidam com as questões da governança global, e, portanto, o Brics se tornam um veículo importante para a própria busca da África por desenvolvimento”, afirma o especialista.

Habashi afirma que da perspectiva dos diferentes países que foram convidados a aderir ao Brics, como o Egito ou a Etiópia, há o interesse de “escapar um pouco do controle total dos Estados Unidos e o G7”. À exceção do Irã, os novos membros precisam de um mínimo de margem de manobra porque são “completamente dependentes e controlados remotamente”.

Mas Habashi, que atuou junto com o renomado intelectual egipcio Samir Amin, acredita que essas possibilidades não parecem estar em um horizonte próximo. “Do outro lado, os estadunidenses no Ocidente, que investem no Egito como um país-chave para ter tornado-o assim, completamente dependente e sem soberania, não vão ficar parados olhando para esse movimento sem fazer nada. E eles podem exercer uma enorme pressão para impedir qualquer sucesso, e eles têm os seus apoiadores no próprio regime egípcio, aqueles que estão ficando podres de ricos graças a este regime”.

A Etiópia também enfrenta um problema de dívida externa e está em negociações com o FMI para um empréstimo de 2 bilhões de dólares. A instituição financeira com sede em Washington exige compromissos dos credores sobre o plano de reestruturação da dívida do país para que o financiamento seja aprovado.

O plano seria feito sob o Quadro Comum do G20, um mecanismo criado durante a pandemia para lidar com dívidas dos países do Sul Global. No âmbito do G20, a China tem defendido que o FMI e o Banco Mundial arquem com parte das dívidas, mas as instituições e países do Norte Global, como os Estados Unidos, têm se oposto. Em Janeiro, a China anunciou o cancelamento de mais de 13 bilhões de dólares em dívidas da Etiópia.

Edição: Thales Schmidt