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Lula e Biden lançam parceria por trabalho decente e exaltam relação entre Brasil e EUA

Objetivo do projeto encampada pelos dois países é combater a precarização do trabalho e promover a criação de emprego

Brasil de Fato | Botucatu (SP) |
Conversa foi tão descontraída e amistosa que Biden contou até coisas que seu pai dizia sobre a importância do trabalho - Ricardo Stuckert/PR

Combater a precarização do trabalho e promover a criação de empregos dignos são os objetivos principais de uma parceria lançada nesta quarta-feira (20) pelos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e dos Estados Unidos, Joe Biden, em Nova York.

A iniciativa inédita, chamada de Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores e Trabalhadoras, e formalizada paralelamente à Assembleia-Geral da ONU, será viabilizada em colaboração com parceiros sindicais dos dois países e com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), além de outros possíveis países.

Os presidentes tiveram um encontro bilateral antes da formalização da parceria e expressaram suas expectativas em relação a ela.

Foi um papo descontraído e cheio de elogios mútuos, no qual Biden destacou o fato de as duas maiores democracias do Hemisfério Ocidental estarem defendendo os direitos humanos.

Lula afirmou, referindo-se a discursos recentes de Biden, que nunca tinha visto um presidente estadunidense “falar tanto e tão bem dos trabalhadores”. E disse que essa percepção foi referendada por sindicalistas que “disseram que o senhor é o presidente que mais defende os direitos deles”. Afirmou também que o trabalho anda precarizado, os salários aviltados, então essa parceria será importante para o Brasil, os Estados Unidos e para o mundo.

O presidente brasileiro qualificou o encontro como “o renascer de um novo tempo nas relações entre Estados Unidos e Brasil”, qualificando-a como uma relação soberana, entre iguais.

Nessa hora, Biden rompeu o protocolo, que previa apenas uma fala para cada presidente, pediu desculpas por isso e relatou algo que costumava ouvir de seu pai: “Joe, o trabalho envolve muito mais que um salário. Envolve dignidade, envolve olhar nos olhos de uma criança e poder dizer: ‘Vai dar tudo certo, garoto’.”

Em seguida, o presidente dos EUA disse que, no mundo do trabalho, se um se dá bem, todos se dão bem. Afirmou também que, quando os sindicatos funcionam bem, todo mundo se beneficia. E, dirigindo-se ao brasileiro, concluiu: “Por isso estou realmente animado para trabalhar com você”.

Em seguida, no lançamento formal da parceria, Biden declarou que “precisamos empoderar os trabalhadores” e Lula manifestou a vontade de criar um “novo marco na relação entre capital e trabalho”, um marco “mais civilizado”. Elogiou novamente o trecho de um discurso de Biden (em sua posse) quando afirmou que “a riqueza dos EUA não foi feita pelos empresários, foi feita pelos trabalhadores”. E ratificou esse raciocínio: “Essa é a mais pura verdade”.

Brasil e EUA pretendem, com essa parceria, trabalhar sobre cinco dos desafios que consideram mais urgentes enfrentados pelos trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo:

1. proteger os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, tal como descritos nas convenções fundamentais da OIT, capacitando os trabalhadores e trabalhadoras, acabando com exploração no trabalho, incluindo o trabalho forçado e trabalho infantil;

2. promoção do trabalho seguro, saudável e decente, e responsabilização no investimento público e privado;

3. promover abordagens centradas nos trabalhadores e trabalhadoras para as transições digitais e de energia limpa;

4. aproveitar a tecnologia para o benefício de todos;

e 5. combater a discriminação no local de trabalho, especialmente para mulheres, pessoas LGBTQIA+ e grupos raciais e étnicos marginalizados.

A ideia é promover colaboração entre os governos e com os parceiros sindicais para fazer avançar essas questões durante o próximo ano, vislumbrando uma agenda comum para discutir com outros países no G20 e na COP 28, COP 30 e além.

A iniciativa surge num momento de ebulição trabalhista mundo afora, sob vários aspectos, com destaque para a greve na indústria automotiva nos Estados Unidos e as polêmicas envolvendo a proposta de formalização dos trabalhadores de aplicativo de transporte em vários países.

Greve inédita

Na indústria automotiva, o sindicato United Auto Workers (UAW), que representa os trabalhadores e trabalhadoras do setor, iniciou há cinco dias uma greve inédita envolvendo as três principais montadoras do país: General Motors (GM), Ford e Stellantis, fundada em 2019 da união da Fiat Chrysler com a Peugeot Citroën.

O movimento, que fez quase 13 mil funcionários cruzarem os braços em três fábricas, surgiu depois que as montadoras registraram lucros recordes. O sindicato reivindica aumento de salários e benefícios, como semana de quatro dias de trabalho e um plano de ampliação de aposentadoria. Alguns benefícios foram perdidos há mais de uma década, quando as empresas chegaram à beira da falência, na esteira da grande crise financeira de 2008.

Durante o encontro com Biden, Lula comentou inclusive que o ministro do Trabalho do Brasil, Luiz Marinho, teve um encontro com os grevistas estadunidenses na véspera.

Durante a campanha presidencial, Biden prometeu ser “o presidente mais pró-sindicatos da história dos EUA”, segundo o professor visitante na Escola de Direito da Universidade de Harvard, João Renda Leal Fernandes. Entre as propostas, estão licença remunerada por motivo de doença e licença parental, além de reajuste do salário mínimo para US$ 15 por hora. Há doze anos, o valor é de US$ 7,25 na esfera federal.

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Formalizar ou não?

A questão dos motoristas de aplicativo é diferente, porque trata-se de um contingente enorme de trabalhadores autônomos que, com o passar do tempo e a disseminação dessa atividade profissional, começaram a perceber que estavam sujeitos a uma carga horária de trabalho alta, cheia de obrigações e cobranças, mas sem qualquer vínculo empregatício ou direitos trabalhistas.

Um estudo vinculado à Universidade de Oxford publicado em março do ano passado mostrou que Uber, iFood, 99, Rappi, UberEats e GetNinjas não conseguiram comprovar padrões mínimos de trabalho decente. Só entre 2016 e 2021, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de trabalhadores do setor de delivery por aplicativos cresceu 979,8% no país.

Também em 2022, o jornal britânico The Guardian publicou uma reportagem com evidências de que diretores da Uber teriam violado leis, explorado a violência contra os motoristas e pressionado os governos estadunidense, alemão e francês durante sua expansão global.

No Brasil, um Grupo de Trabalho criado pelo governo federal busca a regulamentação do trabalho por aplicativo. No final de agosto, representantes dos trabalhadores rejeitaram propostas apresentadas pelas empresas e disseram que poderiam fazer uma paralisação nacional no dia 29 de setembro de motociclistas, motoristas, mototaxistas e ciclistas se as negociações não avançarem.

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No último dia 14, a 4ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou a Uber a reconhecer vínculo empregatício de todos os seus motoristas. A empresa deve registrar todos os motoristas em carteira de trabalho em até seis meses, sob pena de uma multa diária de R$ 100 mil para cada motorista não registrado.

Reportagem publicada nesta quarta (20) na Fortune informa que uma proposta da União Europeia para regulamentar a formalização dos trabalhadores de aplicativo está no estágio final de negociação. Se for aprovada, empresas como Uber e Deliveroo terão de oferecer salário mínimo e benefícios, tais como licença parental, seguro social e outros, como se eles fossem empregados formais em tempo integral. Segundo a empresa, a iniciativa, se aprovada, pode reduzir o número de vagas de trabalho e provocar a suspensão de atividades em centenas de cidades.

Trabalho decente

Formalizado pela OIT em 1999, o conceito de trabalho decente se refere a um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. Trata-se de um conceito central para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pelas Nações Unidas, mencionados por Lula e outros líderes que discursaram na abertura da Assembleia-Geral, nesta terça-feira (19).

Edição: Thales Schmidt