entrevista

'Saúde mental é uma questão de saúde pública, e todo mundo tinha que ter acesso', defende psicóloga

Natalia Tatanka conversou com o Brasil de Fato sobre a importância dos cuidados da saúde mental

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Alunos de Medicina da Universidade de Fortaleza (Unifor) vivenciam aromaterapia no Movimento Saúde Mental - Foto: Movimento Saúde Mental

O cuidado com a saúde mental vem ganhando cada vez mais atenção por parte da sociedade, movimentos populares e poder público, bem como ações de prevenção ao suicídio, tema que ainda é um tabu na sociedade, mas que aos poucos vem ganhando espaços com campanhas e rodas de conversas. O Brasil de Fato Ceará conversou com Natalia Tatanka, psicóloga e conselheira do Conselho Regional de Psicologia e Coordenadora no Movimento Saúde Mental para falar mais sobre esses cuidados. Confira.

Qual a importância e a necessidade de falar sobre suicídio e sobre as formas de prevenir tal ação?

Essa é uma pergunta bem interessante, porque poucas pessoas falam. A pessoa está sentindo aquela tristeza e inventa tantos outros nomes, mas acredito que essa conversa, pode abrir caminhos para a prevenção, porque quando a pessoa vem falar sobre o suicídio, indica ali uma possibilidade de que pode estar planejando fazer algo, que seria o suicídio. Então aquela pessoa já está em uma crise existencial e já não é fácil falar, então, quando você vê, percebe do outro, esse pedido de ajuda, muito silencioso, é algo que você pode desenvolver, essa conversa.

É o que eu digo, ela abre caminhos para a prevenção, e falar da prevenção a gente consegue desenvolver algo que pode estar ao nosso alcance, que pode ser a própria conversa. 

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Há algum tempo a questão da saúde mental não recebia uma certa importância na sociedade, mas hoje, essa questão da saúde mental está ganhando potência. As pessoas estão falando mais sobre saúde mental, sobre a importância de você procurar ajuda. Como isso interfere na vida das pessoas?

O pedir ajuda já não é tão fácil. Tem muito esse tabu de primeiro dizer que não está bem. “Eu não me sinto bem hoje, eu vou ficar deitada”. Esse tabu é ancestral, dizer “não estou bem”. Que bom que estamos aí com alguns meses temáticos, começando por janeiro, que a gente fala do Janeiro Branco, que a gente agora tem um Setembro Amarelo e que nesses dois meses a gente traz muito essa dimensão da saúde mental, do suicídio, do cuidado da saúde mental. E isso começa a ser mais propagado. Então, pelo menos esses dois meses, as campanhas das empresas, da televisão começam as pessoas a falar, inclusive, quando temos outras pessoas, como artistas, que estão trazendo a sua dimensão psíquica as redes sociais, deprimido, cantor tal que está afastado, então as pessoas começam a dizer: “Ah, ele pode falar”, “Valha, mas o cantor, rico, tem tanto dinheiro e tem depressão?”. Tem, e que bom também essas pessoas poderem abrir essa sua particularidade psíquica para poder incentivar outras pessoas a falarem e quebrarem, de fato, esse tabu que existe. 

Que bom que essas datas começam a trazer essa fala mais fluida, mais livre e menos julgadora sobre o suicídio ou a saúde mental.

A temática do suicídio ainda é um tabu na sociedade a para falar em público ou mesmo em família?

Sim, as pessoas têm muito medo do julgamento. Como é que nós estamos acolhendo essas pessoas? Dentro de casa muitas vezes. São os filhos, são os adolescentes, são os jovens. nós professores, sabe? Quando chega um aluno na sala de aula, é muito espontâneo em um dia e no outro dia está ali cabisbaixo, senta no campo da sala. Mas a questão central é: nós não estamos dando a atenção às pessoas. 

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Essa aproximação, esse olhar para o próximo, essa atenção, pode ser tida como um ato de prevenção, mesmo que seja um ato inicial de prevenção?

Totalmente. As pessoas hoje não se sentam mais à mesa para comer juntos e não vem me dizer “Ah Natália, isso é coisa do passado”. Não é. Tem uma frase que o Alok coloca no show dele que é: “o futuro é ancestral”. E ele foi um caso que passou por depressão, teve um sofrimento psíquico, e ele fala muito nos shows, ele gosta de dar esse exemplo e ele diz: “Eu fui buscar com os povos originários lá no Acre, na Amazônia a cura. Porque a sociedade que eu vivo hoje não me acolhia, porque queriam sempre ver ali o artista”. Então, quem foi que acolheu? Quem foi que sentou no chão com ele e foi conversar? Foram cantar, foram no rio, foram pescar, ficaram ali, vivenciando a natureza? Isso não é “Nova Era”, isso é a ancestralidade. 

E quais os suportes ou acompanhamentos que a sociedade, o poder público e os movimentos populares disponibilizam para ajudar na prevenção do suicídio.

Eu gosto muito dessa pergunta porque faço parte do Movimento Saúde Mental, que é um movimento popular.  Estou sempre nessa militância. Também tem uma coisa que o padre Rino fala que é muito interessante, que a gente está muito na resistência, sempre resistência. E trazendo o exemplo da resistência do chuveiro elétrico. O chuveiro elétrico tem uma resistência dentro do chuveiro, aí você liga sempre o chuveiro no máximo, porque gosta da água muito quente. Um dia, essa resistência queima, ela não aguenta mais trabalhar no máximo, ela não aguenta mais ter que ficar trazendo água quente, então ela queima, e aí o chuveiro para por causa de uma resistência que é uma peça bem pequenininha que está ali, dentro do chuveiro e aí a água fica fria. Vai tomar banho de água fria porque fez o chuveiro trabalhar no máximo, no excesso todos os dias.

Então imagina que essa resistência, que também é o nosso máximo como militantes dos movimentos populares, de estar sempre trabalhando, não se cuidando, não tendo o nosso momento de lazer, não tendo o nosso espaço de cuidado, de desabafo, se essa resistência queimar quem é que vai para a luta, meu companheiro? Então é esse cuidado, não ficar no máximo, porque se essa resistência queima já era, e aí o grande número de afastamentos hoje por depressão, por ansiedade. Poxa, já perdi até os números de pessoas afastadas do mercado de trabalho e se não tiver essa rede de apoio é muito difícil depois voltar.


Integrantes do Grupo Florescer, que faz parte da programação semanal proporcionada pelo Movimento Saúde Mental à comunidade / Movimento Saúde Mental

Existem programas ou locais que você possa entrar em contar em um momento que precisar?

Sim, no próprio site da Secretaria de Saúde do Governo do Estado do Ceará tem uma cartilha com vários locais. Hoje temos 24h em casos bem extremos, o próprio Centro de Valorização da Vida, que as pessoas sabem que podem ligar gratuitamente, que tem um chat, fica ali conversando 24 horas, se precisar. Então tem esse suporte que é muito importante e espaços, como eu falei do movimento. Eu tenho que trazer essa experiência que é aqui no Bom Jardim e que na época da pandemia nem ficou mais só no Bom Jardim, foi para o Brasil inteiro. A gente teve um programa com a Fiocruz chamado Saúde Mental em Casa, porque explodiu, foi um bum as questões de saúde mental na pandemia e todos os efeitos que ela trouxe. Então esse Programa Saúde Mental em Casa se estendeu até hoje. Hoje, no movimento tem atendimento presencial de segunda a sexta-feira, de 8h às 5h, e tem sábado, de 8h ao meio-dia. Então a pessoa pode chegar lá, tem um WhatsApp que depois vocês podem olhar no instagram do movimento que é @movimentosaúdemental e agendar, inclusive o plantão psicológico todos os dias, que é o nome do programa chamado Escuta em Movimento. Temos psicólogos supercompetentes e maravilhosos, acolhedores para quem quiser vir do Brasil inteiro. 

Claro, a prioridade sempre vai ser a nossa Regional V, as pessoas que estão ali no entorno, mas para esse cuidado inicial, preventivo, ir lá tomar uma massagem, fazer uma ventosa, um escalda pé, uma meditação com aromaterapia, um pontinho de auriculoterapia na orelha, onde apresenta ali um ponto de estresse, vai lá, é algo pequeno, mas que traz um efeito no corpo inteiro. Isso é o cuidado, é a pessoa ir para um lugar que ela possa se deitar em uma maca, ouvir uma musiquinha, com o barulho de água correndo e se sentir amada e acolhida.

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Pela sua fala, dá para perceber que há outras questões, além do psicológico, que vai ajudar no bem-estar. Fale mais sobre essa questão para além do psicólogo.

Eu tenho que olhar para esse ser humano integral, e o ser humano é bio, psico, sócio e espiritual, não tem como separar isso. Não é só o bio, não é só ir lá na academia e ficar cuidando do corpo. Não é só bio, também é psíquico, porque se eu cuido desse corpo e também preciso cuidar dessa mente, está tudo integrado. Se eu cuido também do corpo e da mente, mas sou uma pessoa que não cuida desse sócio, não participo de ações sociais, não estou me socializando, não estou no meio comunitário, em movimentos, inclusive em grupos eu também fico em desvantagem. E depois o espiritual, que eu não falo de religião, falo de espiritualidade, inclusive, para eu buscar onde eu me sinto bem e não algo imposto por ninguém ou por algo superior, para a gente estar falando também dessa decolonialidade, inclusive na questão da espiritualidade.

A temática sobre o suicídio, é uma questão de saúde pública?

Com certeza.

E ela recebe essa atenção como saúde pública?

Então, esse é um grande desafio. É saúde pública, é uma questão política e nós, como movimentos populares, estamos sempre aqui buscando esse apoio. Aqui no Bom Jardim, nós temos o Caps, temos aqui em torno de 15.000 prontuários abertos, mas temos um bairro com 250.000 pessoas, mas não temos médicos suficiente e as pessoas para vir até o Bom Jardim é um desafio, porque a gente sabe, pelo histórico do bairro e a fama que o bairro tem, mas realmente, as pessoas que estão nas periferias, nos assentamentos, são pessoas que não conseguem ter esse acesso com tanta facilidade do que, por exemplo, locais que estão bem mais localizados. 

Então é uma questão de saúde pública, é uma questão política, porque nós temos que ter essa saúde mental que seja abrangida para todas as pessoas, que todo mundo possa ter acesso. 

Gostaria que você falasse um pouco sobre o Movimento Saúde Mental.

Nós estamos aqui no Bom Jardim, no bairro Parque Santo Amaro, na rua Dr. Fernando Augusto, 980, já há 27 anos. Essa Palhoça, que é um espaço que todo mundo conhece, que é bem acolhedor, tem todas essas atividades que eu falei anteriormente de cuidado e são atividades gratuitas, qualquer pessoa que precisa pode vir, pode indicar, mandar para alguém, segue lá a nossa página para ficar acompanhando, porque não tem só as atividades de cuidado, mas tem cursos na área de robótica, informática, gastronomia, cinema, fotografia, um monte de oportunidades, porque, inclusive, muitas vezes as pessoas que estão em casa, sem vontade de fazer algo, ter uma coisa nova para fazer dá essa motivação, fazer um curso de panificação, aprender a fazer pão, porque depois vai poder empreender e ganhar um dinheirinho. Poxa, isso é uma grande oportunidade. Então o movimento oferece tudo isso gratuitamente.

Nós temos grupos online também. Os psicólogos que trabalham conosco, têm o mesmo grupo presencial aqui e esses grupos também online, têm a escuta psicológica online, que hoje a gente pode fazer pelo próprio WhatsApp, pelo meet, zoom, enfim, não tem como não deixar de se cuidar porque hoje tem esse alcance.

O nosso perfil no instagram é @movimentosaudemental.

Fonte: BdF Ceará

Edição: Camila Garcia