NOVA GESTÃO

Petrobras quer flexibilizar regra de nomeações e criar poupança para dividendos

Alterações foram aprovadas por conselho de administração, mas dependem de aval de assembleia de acionistas para vigorar

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Mudanças desagradaram investidores da estatal e acabaram reduzindo preços das ações da companhia na bolsa de São Paulo - Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

A Petrobras está prestes a alterar regras para nomeações para cargos de chefia na empresa e também para a remuneração de seus acionistas. As mudanças devem dar mais flexibilidade para o governo indicar nomes para a estatal e também para destinação dos lucros da companhia.

As alterações foram aprovadas pelo conselho de administração da empresa em reunião realizada na sexta-feira (20). O conselho é controlado pelo governo, que é acionista majoritário da estatal.

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Para que entrem em vigor, elas ainda precisam ser aprovadas numa assembleia de acionistas da Petrobras. A reunião sequer foi marcada. Mesmo assim, o fato dos temas terem sido pautados desagradou parte dos investidores da empresa.

Na segunda-feira (23), primeiro dia útil após a reunião do conselho da Petrobras, as ações da companhia caíram cerca de 6% na bolsa de valores de São Paulo, a B3. Nesta terça-feira (24), elas recuperaram parte da desvalorização.

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Para o economista Eric Gil Dantas, do Observatório Social do Petróleo (OSP), a queda de segunda foi circunstancial e ocorreu depois de as ações se valorizarem muito neste ano, principalmente a partir de maio. De lá para cá, elas já subiram mais de 50%.

Segundo ele, a retração também tem a ver com um receio de investidores de ficarem sem dividendos extraordinários que a Petrobras vinha pagando até o ano passado, que chegavam a superar o lucro da companhia. "A reação é natural", disse ele. "Os acionistas privados querem retirar o máximo possível de dividendos."

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Remuneração

Sobre a questão dos dividendos, o que o conselho aprovou foi a criação de uma reserva de remuneração de capital. Essa reserva servirá como uma espécie de poupança da Petrobras para recompras de ações da companhia, absorção de eventuais prejuízos e para o pagamentos de dividendos extraordinários.

Essa reserva, atualmente, não existe. Assim, o que sobrava no caixa da Petrobras acaba indo direto para os dividendos. Com a criação da poupança, cria-se outra possibilidade de uso dos recursos. Para investidores focados em ganhos no curto prazo, isso acaba não sendo vantajoso.

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Vale ressaltar que a Petrobras tem uma política de pagamento de dividendos "generosa", segundo Dantas. Ela repassa 45% do caixa livre da empresa para acionistas. Isso será mantido, de acordo com a Petrobras. A mudança na remuneração afetaria, em última instância, somente os dividendos extraordinários. Mesmo assim, ela gerou reações negativas.

"A atual política de dividendos já é muito mais generosa que deveria ser", explicou Dantas. "Mas, agora, criou-se um receio que esta reserva de remuneração gere outras possibilidades que não apenas o pagamento de dividendos extraordinários."

Nomeações

Também foi aprovada no conselho uma mudança no estatuto que flexibiliza regras para indicações de executivos para a Petrobras. As mudanças estão baseadas numa decisão liminar do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que anulou trechos da Lei das Estatais, em vigor no país desde 2016.

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Lewandowski considerou inconstitucionais trechos da lei que proibiam pessoas que tivessem ligações com entidades sindicais ou que tivessem trabalhado em campanhas ou partidos políticos nos últimos três anos de ocupar cargos em empresas públicas. O julgamento definitivo sobre o assunto segue pendente.

A liminar de Lewandowski, contudo, está vigente. Baseada nela é que a Petrobras quer adequar seu estatuto.

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"A proposta mantém todos os requisitos previstos na Lei das Estatais nas indicações de membros da administração, retirando somente o parágrafo segundo do mesmo artigo 21 do Estatuto Social, que reproduzia o conteúdo de cada um dos incisos do art. 17, parágrafo segundo, da referida lei", esclareceu a empresa em comunicado.

Apoio de petroleiros

Nesta terça-feira, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) emitiu uma nota demonstrando apoio às decisões tomadas pelo conselho. "As medidas aprovadas pelo conselho de administração da Petrobras vão na direção correta. Esperamos que sejam ratificadas em assembleia de acionistas", afirmou seu coordenador-geral, Deyvid Bacelar.

Segundo ele, a adequação do estatuto da companhia à liminar que anula trechos da Lei das Estatais recoloca a Petrobras na constitucionalidade. A criação da reserva de remuneração também é positiva, de acordo com Bacelar. Ele só lamentou não estar em discussão na empresa a criação de uma reserva para investimentos.

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Rosangela Buzanelli, funcionária da Petrobras e representante dos trabalhadores da empresa no conselho da estatal, chegou a propor a criação dessa reserva, além de uma outra para pagamento da dívida da empresa. A proposta não foi aprovada.

"Temos muitos investimentos represados após esses anos de cortes e extraordinários, para não dizer estratosféricos, pagamentos de dividendos. Precisamos investir para repor as reservas de petróleo e gás, principalmente nas novas fronteiras exploratórias, no parque de refino e na transição energética, entre descarbonização das operações e renováveis, para ficar no básico", escreveu ela, em seu blog.

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Buzanelli votou a favor das mudanças que serão votadas na assembleia. Sobre a reação de investidores, ela os comparou a meninos mimados.

"O 'mercado' derrubou as ações da companhia. Bem aos moldes do garoto que sai do jogo com a bola debaixo do braço porque, dessa vez, não o deixaram chutar e marcar o gol", acrescentou. "O pagamento de dividendos extraordinários pode não ser realizado eventualmente para a formação da reserva estatutária, que é importante para o equilíbrio da remuneração do capital, principalmente em tempos de alta volatilidade do setor, como bem ilustraram a pandemia e os conflitos geopolíticos recentes."

Edição: Thalita Pires