Eleições

Argentina: campanha de Sergio Massa promete estabilidade, diálogo e soluções para tirar país do buraco

Candidato de esquerda apresentou diretrizes de governo nesta quarta (8); Milei tenta conter racha por aliança com Macri

Brasil de Fato | Botucatu (SP) |
Apoiadores do ministro da Economia e candidato presidencial Sergio Massa em evento na segunda-feira (6) - Nicolas Aguilera / AFP

Consenso, estabilidade, previsibilidade, soluções. Desenhar o futuro conjuntamente. É isso que Sergio Massa promete implementar na Argentina caso seja eleito presidente no próximo dia 19, segundo um artigo assinado por ele publicado nesta quarta-feira (8) no jornal Clarín.

O texto, que contém 14 diretrizes propostas pelo candidato peronista para seu eventual mandato, ratifica um compromisso declarado antes do primeiro turno, de liderar um governo de unidade nacional, que vai “primar pelo diálogo, pela convivência democrática e pela busca de consensos para resolver os problemas e desafios” do país.

Faltam dez dias para o segundo turno contra o ultraliberal Javier Milei e a disputa pode ser resumida da seguinte forma: o resultado é incerto, com pesquisas que apontam tanto um quanto o outro na frente — numa delas, houve inclusive uma inversão de resultado no intervalo de duas semanas.

:: Peronismo terá maior bancada legislativa, mas ultraliberais ganham espaço e deixam Congresso mais fragmentado ::

Massa (União pela Pátria), com a experiência - e também o fardo - de ser o atual ministro da Economia num país afundado em crise, procura oferecer estabilidade e clareza sobre como melhorar a situação; Milei, após passar toda a campanha do primeiro turno atacando tudo e todos, agora se equilibra entre o ônus e o bônus do apoio recebido do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) e da candidata derrotada Patricia Bullrich, que parecem ter atraído votos, mas também revolta por parte de políticos de sua coalizão, A Liberdade Avança.

Num dos itens de sua proposta para o país, a fim de detalhar a disponibilidade para o diálogo, Massa cita nominalmente as correntes políticas adversárias e de quais temas pretende tratar com cada uma: “Quando for presidente, quero que exista uma oposição forte, pensante e exigente (…), para discutir as grandes políticas de Estado”. Diz querer debater com o radicalismo (de Bullrich) as políticas educativas, com o macrismo a modernização do Estado, com a esquerda o plano de emergência para combater a “violência machista”.

Em outro ponto de seu artigo, o candidato aponta para um governo “multidisciplinar e multissetorial”, que agrega não apenas a política, mas também “empresários/as, empreendedores/as, especialistas, sindicalistas, movimentos sociais etc”. Na véspera, Massa havia dito que a escolha para comandar seu Ministério da Economia vai seguir essa lógica de descentralização e diálogo com os diferentes. “Meu ministro da Economia não vai ser alguém da minha força política. Vai ser alguém de outro setor político”, disse em entrevista a uma emissora de rádio.

O candidato não quis mencionar nenhum nome. “Não se deve lotear governos prometendo cargos porque já está provado que isso não funciona”. Mas adiantou que “metade da direção do Banco Central será do principal bloco opositor no Congresso, para que haja controle”.

Aliança com Macri gera revolta na campanha de Milei

Na campanha de Milei, um grupo de deputados eleitos e dirigentes tem criticado a aliança com Macri e Bullrich. Temem uma “colonização” do macrismo sobre a coalizão de extrema direita e dizem até que foi cortado o vínculo com o candidato e a irmã Karina Milei, estrategista de sua campanha.

O deputado eleito Fabián Luayza questionou o fato de Milei se aliar à “tão temida casta política”, a qual o candidato criticava fortemente, e lamentou falta de espaço para expressar essa opinião internamente. “Expus nosso mal-estar para a Karina, mas não tivemos resposta favorável. Simplesmente pararam de nos atender, e aí terminou a conversa”. Negou intenção de romper com a candidatura, por acreditar no projeto. “Mas não queremos o ex-presidente (Macri)”.

Em meio a esses debates internos, Milei teve que suspender em cima da hora uma visita a Bahía Blanca, cidade na província de Buenos Aires, pela falta de lideranças políticas dispostas a recebê-lo, por estarem incomodadas com sua aproximação com Macri. Pela mesma razão, na última segunda (6), oito dos 13 deputados provinciais eleitos por A Liberdade Avança divulgaram um comunicado com duras críticas.

Como forma de testar a força dessa aliança Milei-Macri no âmbito legislativo, Milei, que é deputado, solicitou a realização de uma sessão especial no Congresso para tratar de projetos que questionam e pedem informes ao governo sobre os argentinos sequestrados pelo Hamas em Israel. A ideia era pedir ao Executivo que acionasse todas as ferramentas institucionais possíveis para exigir a imediata aparição com vida e libertação dos reféns, entre outras atitudes contidas em quatro projetos. Mas a iniciativa foi freada e, no final, houve apenas uma declaração conjunta.

Quem está na frente?

Dias após o primeiro turno, o economista e doutor em ciências sociais Alejandro Horowicz fez para o Brasil de Fato o seguinte comentário sobre a aliança entre Milei e o grupo político derrotado no primeiro turno.

“A ideia de que Milei poderá receber, simplesmente por razões abstratamente ideológicas, os votos de Bullrich não é uma ideia inteligente, porque corre o risco de não somar e até de perder os votos que já recebeu, já que a fidelidade desses votos está atrelada ao fato de ele (Milei) apontar a corrupção sistêmica da casta. No momento em que faz uma aliança pública e explícita com Bullrich, passa a ser mais do mesmo”.

Questionado agora sobre o andamento da campanha, que mostra Milei numa situação de competitividade frente a Massa, segundo algumas pesquisas, Horowicz insiste na ideia de que os votos de Bullrich são “posicionais”, ou seja, uma parte dos eleitores votará em Milei, outra em Massa e uma terceira em branco. Porém, reconhece que, dos 6,2 milhões de votos da candidata derrotada, Milei deve levar cerca de 4 milhões.

Ele acredita que Massa vai pescar seus votos “num aquário maior”, sobretudo entre os eleitores costumam votar no peronismo, não votaram nele no primeiro turno mas agora estão “aterrorizados” pela possibilidade de Milei vencer. “É impossível saber, mediante as pesquisas tradicionais, quem leva vantagem. Estamos sujeitos a operações midiáticas. A fluidez da situação é enorme. E o resultado, só vamos saber no dia da votação. Me inclino a pensar que as chances de Massa são maiores, mas isso não significa que Milei não possa ganhar”.

Segundo ele, vence quem conseguir 12 milhões de votos. “E não está claro que algum dos candidatos vá conseguir”. Massa venceu o primeiro turno com 36,6% dos votos (9.645.983), ante 30% de Milei (7.884.336).

Edição: Leandro Melito