Marco histórico

Essencial na história da saúde pública no Brasil, profissão de sanitarista é regulamentada

Há mais de 100 anos, movimento ditou os rumos da saúde coletiva e popular no país

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Oswaldo Cruz foi um dos nomes que construíram a história da saúde coletiva - Reprodução
Profissão exige formação superior em saúde coletiva

Profissão que pode ser considerada uma das bases históricas da ideia do Sistema Único de Saúde (SUS), o sanitarismo foi regulamentado pela primeira vez no Brasil neste mês. A nova norma define que trabalhadores e trabalhadoras do setor têm a tarefa de planejar e coordenar atividades de saúde coletiva nas esferas pública ou privada.

No entanto, muito antes da regulamentação, a profissão já tinha consolidado papel essencial na condução das políticas públicas de saúde em território nacional. Foram sanitaristas que colocaram em prática as primeiras ações de combate a doenças no Brasil, no século 18.

O movimento também foi responsável por interiorizar essas preocupações. As medidas, antes limitadas a áreas portuárias e regiões urbanas começaram a se ampliar a partir da década de 1910, quando especialistas passaram a visitar famílias e comunidades rurais para conhecer de perto o cenário.

No artigo O Movimento Sanitarista no Brasil: a visão da doença como mal nacional e a saúde como redentora, a historiadora e pesquisadora Luana Tieko Omena Tamano relata que essas expedições foram responsáveis por mostrar ao Brasil as condições precárias em que viviam as populações interioranas. Os relatos das equipes sanitaristas sobre as condições de vida nessas sociedades impulsionaram a cobrança para que o poder público nacional tornasse a saúde uma questão federal.

"Essas denúncias e críticas ocasionaram uma forte pressão da classe intelectual sobre os políticos e sobre o Governo, desdobrada em mobilização política (...) Exigia-se uma atuação enfática, precisa, responsável e eficaz do Governo na profilaxia das endemias rurais que assolavam o país, além da criação de um Ministério exclusivamente dedicado à saúde."

Lúcia Souto, sanitarista e Assessora de Participação Social e Diversidade do Ministério da Saúde, afirma que a regulamentação da profissão concretiza o reconhecimento social que já existe da prática. "Já conhecemos nomes, desde o início do século passado - como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, entre tantos outros sanitaristas - que construíram a história da saúde coletiva, da proteção da saúde da sociedade.”

Nas décadas seguintes, o movimento continuou a luta, permeada pelos altos e baixos da história brasileira. Já nos anos 1980, após a ditadura militar, a ideia da saúde coletiva e do próprio SUS ganhou contornos mais concretos, com atuação de nomes como o médico Sérgio Arouca, ex-presidente da Fiocruz, que participou da elaboração do texto-base da Constituição, que criou o Sistema Único de Saúde – SUS e da pedagoga Maria Cecília Ferro Donnangelo, que revolucionou o campo das ciências sociais em saúde.

Lucia Souto ressalta que a prática teve impacto direto na concepção do Sistema Único de Saúde. “Os sanitaristas construíram um campo de conhecimento genuinamente brasileiro, que foi o da saúde coletiva. Foi uma novidade, uma coisa nossa e brasileira."

‌Ela pontua a importância dessa atuação diretamente nas populações, com foco na identificação de determinantes sociais que levam a impactos na saúde.

"Por exemplo, os sanitaristas sempre trabalharam com a compreensão de que a desigualdade, a fome, as péssimas condições de vida, interferem drasticamente em indicadores muito objetivos. O aumento da mortalidade infantil, a questão da sífilis congênita, que é um drama até hoje no Brasil que precisamos enfrentar, a questão do enfrentamento de reformas como a reforma tributária, a questão da moradia, a questão da arte, da cultura. E mais recentemente tivemos uma lição lamentável para a humanidade, que foi a correlação íntima da questão da saúde das populações com a crise climática extrema que estamos assistindo cada vez mais extremas."

Segundo a lei que regulamenta a função de sanitarista, trabalhadores e trabalhadoras da área devem ter formação superior em saúde coletiva, o que pode englobar graduação, mestrado ou doutorado. Quem tem certificado de especialização na área também podem exercer a profissão.

Edição: Rodrigo Durão Coelho