defesa da soberania

Para Via Campesina, acordo em discussão entre Mercosul e União Europeia é 'injusto e excludente'

Assunto foi pauta de debate no primeiro dia de atividades da Cúpula Social do Mercosul, no Rio de Janeiro

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Lula e o presidente da França, Emmanuel Macron, foram os protagonisas das últimas discussões sobre o acordo - Ludovic Marin / AFP

A Via Campesina defende que o Brasil deixe de buscar a assinatura do acordo entre Mercosul e União Europeia. Em discussão há mais de vinte anos, a negociação pode estar em vias de desfecho – com a assinatura ou o abandono definitivo da ideia por parte dos países envolvidos.

Representante da Via em um debate nesta segunda-feira (4), na abertura da Cúpula Social do Mercosul, no Rio de Janeiro, Raiara Pires, que também integra o Movimento por Soberania Popular na Mineração (MAM), destacou que os termos que estão sendo debatidos entre os países foram definidos essencialmente durante os governos de Jair Bolsonaro (PL) no Brasil e Mauricio Macri na Argentina. Desde o início do ano, a equipe de governo chefiada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) revisa o texto.

"É um acordo complexo. Um acordo dessa dimensão, um ano é insuficiente para tratar e rever aquele texto inicial apresentado pelos 'desgovernos' anteriores. Até que ponto é bom colocar o Brasil e os demais países do Mercosul como meros 'pedintes de alterações' [no texto]? A reabertura ou o próprio encerramento seria muito mais estratégico, dado que há uma divergência e uma desigualdade na relação de forças", ponderou Raiara Pires.


Representante da Via Campesina afirma que acordo em discussão é ruim para os países do Mercosul / Fernando Frazão/Agência Brasil

Ao defender a suspensão das discussões, a representante da Via Campesina lembrou o embate que levou à suspensão da aceitação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) no início do século, reforçando a importância da defesa da soberania e da garantia dos interesses nacionais. Apesar das diferenças de conteúdo, os projetos, segundo Raiara Pires, se assemelham.

"O sistema internacional é hierárquico. Quando a gente fala, inclusive, nessa estratégia do Mercosul, é também pensando que nosso poder de barganha precisa ser fortalecido e aprimorado. A troca entre as nações sempre aconteceu, e continuará acontecendo. Não precisa ser de qualquer forma. Nós podemos assumir posição de soberania", ponderou.

Nesse contexto, a participação dos movimentos populares e dos povos do campo e da floresta é fundamental para se estabelecer uma proposta de acordo que seja também efetivamente sustentável. É necessário seguir o exemplo de quem, ao longo dos tempos, aprimorou a convivência com a natureza em harmonia e desenvolveu técnicas de produção com mecanismos pautados na agroecologia e em técnicas que respeitam a biodiversidade.

"A economia e a natureza estão totalmente associadas. O Brasil é um país que tem sua pauta de exportação voltada para o agronegócio e a mineração, produtos primários, que geram poucos empregos. Temos que pensar a necessidade de reindustrializar o país, de criar um processo em que nós não sejamos tão vulneráveis às situações das crises econômicas. Temos que ter capacidade de nos defender", resumiu Raiara Pires.

"Uma série de problemas"

Representante do Ministério das Relações Exteriores no debate sobre o acordo UE-Mercosul na Cúpula Social do Mercosul nesta segunda-feira, o embaixador Philip Fox-Drummond Gough, diretor do Departamento de Política Econômica, Financeira e de Serviços da pasta disse que o governo Lula identificou muitos pontos que deveriam ser mudados no texto "herdado" da dobradinha Bolsonaro-Macri.

O governo Lula chegou à conclusão, por exemplo, de que a parte do texto relacionada a questões de política industrial tinha que ser “muito melhorada”, o que levou a um trabalho conjunto entre diferentes ministérios. Após a chegada a um acordo, as propostas passaram pelos demais países do Mercosul antes serem enviadas aos europeus.

"Quando recebemos o texto de 2019, verificamos que havia uma série de problemas que deveriam ser atacados. É preciso que fazer mudanças, de forma a transformar o texto de forma que seja benéfico para todos os setores da sociedade. É uma negociação bastante difícil e intensa. Houve avanços nos últimos meses, mas tem pontos pendentes, que nós temos que discutir", apontou.

Também presente ao debate, o assessor da Rede Brasileira de Integração dos Povos (Rebrip), Adhemar Mineiro, destacou que os movimentos populares, da América do Sul e da Europa, querem debater um processo de integração, mas em outras bases: que priorizem a solidariedade entre os povos e a sustentabilidade.

"Se o mundo mudou tanto, porque a gente tem que seguir conversando nas mesmas bases de 25 anos atrás? Porque não zera e, se quiser alguma coisa, começa a conversar de novo?", questionou. 

Edição: Rebeca Cavalcante