Boa medida?

Tarifa Zero em SP: especialistas contestam modelo de repasse de subsídio adotado por Ricardo Nunes

Pagamento feito por passageiro, não por quilômetro rodado, pode favorecer empresários do setor

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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A um ano da eleição, Nunes correu para aprovar gratuidade no transporte aos domingos - André Bueno / Câmara Municipal de São Paulo

A cidade de São Paulo passará a adotar a gratuidade nos ônibus aos domingos, já a partir do próximo final de semana. O programa, chamado “Domingão Tarifa Zero” é uma aposta do prefeito Ricardo Nunes (MDB) a um ano da eleição de 2024, quando tentará se reeleger para o cargo.

A tarifa zero no transporte sempre foi uma bandeira da esquerda e a adesão de Nunes à pauta surpreendeu especialistas do setor, como Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).

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“É uma gestão que sempre trabalhou contra a pauta, cortando linhas, reduzindo frota, cortando gratuidade de idoso e estudante, dificultando a vida das pessoas que querem usar o Bilhete Único. Do nada, ele dá uma guinada enorme e propõe o Tarifa Zero?”, questiona Calabria.

A Prefeitura de São Paulo disse que o custo da tarifa zero será de R$ 283 milhões ao ano. No entanto, os vereadores do município aprovaram, no Orçamento de 2024, uma reserva de R$ 500 milhões para bancar a gratuidade no transporte.

Calabria critica o modelo adotado pelo prefeito. “A gestão de Nunes decidiu remunerar os empresários do setor por passageiro. Porém, com o aumento no número de passageiros, essa remuneração vai aumentar também e ficará caro para a Prefeitura”. A alternativa, explica, seria “cobrar por quilômetro rodado.”

“Vão ter pessoas que deixarão de usar o Metrô para ir de ônibus. Existe um risco grande de perder passageiro no Metrô e CPTM, que vão passar a utilizar ônibus, veremos um esgotamento do ônibus”, finaliza Calabria.

A opinião é compartilhada por Lúcio Gregori, ex-secretário de Transporte de São Paulo, que na década de 1980, durante o governo de Luiza Erundina, sugeriu, pela primeira vez, a adoção da gratuidade do transporte na cidade.

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“A questão que fica no ar é o pagamento por passageiro, porque ele teria uma oportunidade de dizer que pagaria por quilômetro rodado. O pagamento por passageiro significa considerar o passageiro um custo, quando o passageiro é uma receita”, conta Gregori.

A remuneração paga por quilômetro rodado forçaria os empresários do setor a colocarem mais ônibus na rua, para garantir uma remuneração maior, garantindo conforto aos passageiros.

Com o pagamento por passageiros, as empresas devem manter a baixa quantidade de veículos na rua, mas com a demanda aumentando, o que deve acarretar em superlotação dos ônibus, provocando desconforto no usuário do transporte público da capital paulista.

Em sua conta no X, o urbanista Roberto Andrés, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), falou sobre o modelo de acordo fechado por Ricardo Nunes com os empresários. “Na maior parte das cidades com tarifa zero, as empresas estão sendo remuneradas por quilômetro rodado. Ou seja, o pagamento é vinculado ao custo. E o número de passageiros pouco afeta o custo. Assim, o aumento de demanda não afeta tanto o recurso público.”

“Em cidades com tarifa zero, temos visto a demanda por transporte triplicar, ou até mesmo quadruplicar. É muito possível que a demanda nos domingos em SP chegue a dobrar. Se isso acontecer, o modelo de Nunes pode se mostrar trágico. Custoso e com ônibus lotados”, encerrou Andrés.

 

Edição: Rebeca Cavalcante