Repatriação cultural

Mais de 2 toneladas de fósseis levados ilegalmente para a França estão de volta ao Ceará

Material de milhões de anos que tinha sido extraído ilegalmente está de volta após 10 anos de persistência

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Pterossauro fossilizado está entre o material que tinha sido extraído ilegalmente - Chico Gomes

Uma espera de dez anos (ou de milhões de anos, dependendo do referencial) terminou nesta semana, com final feliz. O Ceará recebeu de volta mais de duas toneladas de fósseis que tinham sido extraídos da região do Cariri (região sul do estado) e levados ilegalmente para a França. O material foi recebido na capital, Fortaleza, e levado de volta para a região de destino, tendo sido recebido pela equipe do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, localizado em Santana do Cariri. 

O material recuperado impressiona – tanto pelo volume, quanto pela variedade e pelo tempo que persiste. Entre os seres fossilizados estão pterossauros (contemporâneos dos dinossauros), peixes, plantas, insetos e outras espécies de animais, todos oriundos da região da Chapada do Araripe e datados do período Cretáceo – com aproximadamente 90 a 110 milhões de anos.


Animais e plantas que viveram há milhões de anos estão preservados / Chico Gomes

O material estava à venda de maneira ilegal, pela internet, e foi identificado em 2013 pela pesquisadora Taissa Rodrigues, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que acionou o Ministério Público. Com apoio das autoridades da França, a carga foi localizada. A identificação da origem foi facilitada pelo fato de parte das peças estar embalada em jornais da região do Cariri.

Apesar da colaboração das autoridades brasileiras e francesas, o processo de repatriação foi demorado e custoso, e enfrentou empecilhos até os últimos momentos. Um exemplo: desde maio de 2022 o material já tinha sido formalmente concedido à Universidade Regional do Cariri (Urca), que gerencia o museu paleontológico, mas foi difícil conseguir uma empresa que topasse fazer o seguro para transporte do material.

Os cientistas franceses contabilizaram 998 fósseis. Entretanto, todo o material vai passar por um longo processo de recatalogação. O paleontólogo Allysson Pinheiro, diretor do museu que recebeu a carga, contou ao Brasil de Fato que há rochas que têm dois animais ou plantas fossilizados. Outros animais, por sua vez, estão em duas rochas diferentes.

"A gente está descarregando esses fósseis. O procedimento a partir daí é a curadoria, ou seja, olhar cada peça, tentar identificar o que é, numerar, registrar e acondicionar num ambiente adequado. A partir dessa parte inicial de curadoria e triagem, a peça fica à disposição para estudo dos pesquisadores, seja eles quais forem, do Brasil ou de fora do Brasil", explicou Pinheiro.

O público também terá acesso aos fósseis, à medida que forem catalogados. Neste primeiro momento, as enormes caixas que trouxeram o material da França para o Brasil se tornarão objetos de exposição, até mesmo para que o público tenha dimensão do tamanho e da importância da repatriação.


Caixas com peças foram recebidas pelo Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens na sexta-feira (15) e já se tornaram atração do museu / Andressa Alencar

Pinheiro destacou que o processo de catalogação das peças vai ser trabalhoso e não é possível fazer uma estimativa de quanto tempo vai levar. Entretanto, quando tudo estiver disponível, a ideia é levar exposições itinerantes para que pessoas de outras partes do país possam ter acesso às relíquias pré-históricas.

"Estamos falando da maior reparação de bem culturais, em volume, da história do Brasil. Quando uma pessoa se depara com aquela quantidade material já é um choque. A gente vai preparando isso, vai lapidando para ficar uma exposição bem didática, bem interativa. Quando tiver a exposição de fato pronta, a gente faz abertura, o lançamento dela e convida todo mundo", completou.


Pesquisadores terão trabalho para analisar e catalogar todo o material / Andressa Alencar

Exploração ilegal

A região do Cariri é uma das mais importantes do mundo para localização de fósseis do Cretáceo, o que gera a cobiça de exploradores ilegais. O material que foi levado à França e agora recuperado certamente foi retirado em meio a uma estrutura bem montada de tráfico.

"A França começou a investigar a empresa que estava vendendo [o fóssil de] pterossauro. A investigação acaba achando essa carga no porto francês de Le Havre. Nos papéis, era uma carga de quartzo, mas quando a aduana foi verificar, se tratava de fósseis do Brasil. A carga foi apreendida, houve um processo judicial longo, em várias instâncias e cortes internacionais, não foi só a justiça francesa que avaliou esse caso", destacou Pinheiro.

Os quase dez anos do processo culminaram com a decisão de que o material deveria voltar ao Brasil, mas todo o custo da operação ficaria por conta das autoridades brasileiras. O governo do Ceará assumiu os custos. A burocracia foi superada com apoio da embaixada brasileira na França.

"Para o país e para o Cariri, especialmente, [a repatriação] tem uma conotação de trazer algo que é nosso, que conta nossa história, e vai nos dar ideia de como esses espécimes viviam, quando viveram e como esse ambiente era habitado por todos eles. É importante não só para a pesquisa do país, mas também para pesquisadores de todo o mundo. A origem dos seres vivos interessa a todos nós", resumiu a Secretária da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará, Sandra Monteiro.

Edição: Rebeca Cavalcante