Feminicídio

Governo e organizações feministas na Venezuela realizam homenagens a Julieta Hernández; corpo da artista é sepultado em Puerto Ordaz

Manifestações ocorrem entre esta sexta-feira (12) e domingo (14) na capital do país, Caracas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
A venezuelana Julieta Hernández, de 38 anos, viajava pelo Brasil de bicicleta espalhando sua arte - Foto: Julieta Hernández/Facebook

Movimentos feministas e até o Ministério da Cultura da Venezuela convocaram para este fim de semana manifestações em solidariedade a Julieta Hernández, artista vítima de feminicídio no estado do Amazonas.  

As organizações feministas do país fazem um ato neste sábado (13) na Praça dos Museus em Belas Artes, em Caracas, capital da Venezuela. No domingo (14), haverá outra manifestação em homenagem a Hernández na La Casona Cultural Aquiles Nazoa, também em Caracas, em convocação feita pela pasta da Cultura. 

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Já nesta sexta-feira (12), algumas organizações convocaram mobilizações na Venezuela em solidariedade à ciclista. 

A venezuelana Julieta Hernández, de 38 anos, viajava pelo Brasil de bicicleta espalhando sua arte. Ela estava a caminho de seu país de origem quando desapareceu no dia 23 de dezembro, no município de Presidente Figueiredo, a 117 quilômetros ao norte de Manaus, no Amazonas. A próxima parada seria em Rorainópolis, Roraima.   

No primeiro sábado do ano, a polícia encontrou Julieta sem vida dentro de uma mata. Ela foi estuprada, assassinada e teve seu corpo queimado por um casal, que confessou o crime. 

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O corpo de Julieta foi sepultado nesta sexta-feira(12), em Puerto Ordaz, no estado de Bolívar, nordeste da Venezuela. A cerimônia contou com a presença de amigos, familiares e movimentos culturais do país, que prestaram as últimas homenagens. A primeira bicicleta usada por Julieta foi colocada ao lado do corpo durante o velório. 

Daniella China, do movimento venezuelano Tinta Violenta, classificou a morte de Julieta como "um fato abominável e uma perda irreparável". Em suas palavras, "Julieta era uma militante da esperança, fazia parte daquele grupo de mulheres que em todo o continente levanta a bandeira dos feminismos, do feminismo popular". 

"Mais do que nos manifestar, estamos realizando atos para honrar sua vida, seu legado. O feminicídio de Julieta tem causado comoção pelas circunstâncias em que ocorreu, pela pessoa que ela era e porque evidencia a vulnerabilidade das mulheres venezuelanas no exterior", afirma China. 

Martha Grajales, advogada e diretora da ONG venezuelana Surgentes, por sua vez, classificou a morte de Julieta como um "horror". "Uma perda terrível para o movimento popular, uma verdadeira militante que perdemos para esse campo de luta. Além dessa militante, além dessa guerreira e lutadora que tinha a arte como ferramenta de luta e também o feminismo, acho que o que aconteceu com Julieta nos grita novamente na cara uma realidade a que as mulheres enfrentam em relação à violência machista", afirmou Grajales ao Brasil de Fato. 

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A militante feminista lembra que Julieta Hernández é uma das mulheres venezuelanas mortas no exterior. De acordo com o Monitor de Feminicídios feito pela Organização Venezuelana Utópica, de janeiro a novembro de 2026, 14 foram assassinadas, em Colômbia (8), Peru (1), México (1), Equador (3) e Trindade e Tobago (1).  

"Esta é uma realidade que hoje tem o rosto de Julieta, mas que infelizmente também tem o rosto de muitas outras mulheres talvez menos conhecidas ou com uma rede de apoio com menos capacidade de denúncia, mas que enfrentam a mesma realidade", afirma Grajales. "O que aconteceu com Julieta está inserido nesse quadro mais amplo do que representa a violência que enfrentamos estruturalmente as mulheres, e também de maneira particular, atualmente, as mulheres migrantes venezuelanas."

Para Grajales, a situação das mulheres venezuelanas no Brasil e em qualquer parte do mundo é atravessada "por uma condição de classe". Em suas palavras, as condições enfrentadas por uma mulher de setores empobrecidos são não as mesmas daquelas vividas por mulheres de classes econômicas mais privilegiadas. 

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"Os níveis de risco e os tipos de violência a que estão expostas durante o processo migratório são significativamente influenciados, para não dizer determinados, também pela quantidade de recursos com os quais contam e pela rede de apoio que podem ter dentro de seu processo migratório", afirma a militante. 

"Normalmente, as mulheres de setores empobrecidos migram com um menor nível de regularidade em seu processo migratório, com menos redes de apoio e também com menos recursos, o que as expõe a serem muito mais vulneráveis a sofrer violência sexual, cair em redes de tráfico, à prostituição forçada."

Edição: Thalita Pires