Após auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) apurar falhas no programa Juro Zero do governo Leite, a bancada do PT na Assembleia comunuicou que cobrará a responsabilização do governo gaúcho pelas irregularidades. O programa previa um investimento de até R$ 100 milhões em juros de empréstimos tomados por pequenos empresários. Segundo o levantamento, 98 micro ou pequenas empresas obtiveram o benefício sem inscrição na Junta Comercial do Rio Grande do Sul.
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Na avaliação dos auditores, as falhas geraram um prejuízo potencial ao estado superior a R$ 1 milhão. Outras 52 empresas não possuíam registro até dezembro de 2020, condição que também era obrigatória. O documento de 188 páginas fez um raio X de todas as etapas da iniciativa, que atendeu cerca de 15 mil micro e pequenos empreendedores.
Para o deputado Jeferson Fernandes (PT), o apontamento é “tão lamentável quanto previsível”, pois revela o que a bancada do PT já vem denunciando há tempos. “Aqui vemos grandes características do governo Leite: muita pirotecnia, pouco recurso e falta de transparência. O resultado é exatamente o que o TCE aponta agora”, afirma o deputado.
"É o dinheiro público que banca o Juro Zero"
O cruzamento de dados feito pelo Tribunal de Contas identificou que 187 empresas encerraram as atividades durante a execução do programa, para as quais foram direcionados R$ 400 mil em abatimento de juros. Uma delas deu baixa na Receita Federal duas semanas após conseguir o empréstimo.
Outro problema identificado pelo Tribunal de Contas foi que quatro CNPJs receberam dois empréstimos, um no Badesul e outro no BRDE, caso vedado pelas regras do programa, e outros três firmaram as operações e depois se transferiram para outros estados. A auditoria contém ainda indícios de que parte das empresas participantes recebeu empréstimos superiores ao valor permitido para seu porte e revela que a falta de regras de controle permitiu que 298 empresários fossem contemplados mais de uma vez pelo programa, tomando empréstimos subsidiados a partir de CNPJs diferentes.
"Os apontamentos, sendo corretos, revelam ou descuido ou favorecimento indevido, o que é crime. Os envolvidos devem explicações, pois é o dinheiro público que banca o Juro Zero. Aqui a resposta não pode ser o silêncio", defende o deputado Miguel Rossetto (PT).
O programa
Implementado em 2022 pela Secretaria do Desenvolvimento Econômico (Sedec), o programa Juro Zero deveria alavancar a economia no pós-pandemia. A execução ocorre por dois bancos públicos: Badesul e BRDE. Os limites de crédito são de até R$ 10 mil para MEI; R$ 30 mil para microempresa, e R$ 100 mil para empresas de pequeno porte. Todos têm carência de três meses e o prazo para amortização do microempreendedor individual é de 12 meses, enquanto os outros dois têm 33 meses para quitar o financiamento.
Na época da implementação do programa, a Sedec era comandada por Edson Brum, que hoje é conselheiro do TCE, e por Joel Maraschin, atual chefe de gabinete na Secretaria da Agricultura. Ambos frisaram que a operacionalização ficou a cargo dos bancos públicos, que são vinculados à pasta.
Como se trata de uma auditoria operacional, não há perspectiva de responsabilização dos gestores públicos. O relatório traz recomendações dos auditores ao governo estadual, que precisarão ser votadas no pleno do TCE. A relatoria do processo está com o conselheiro Alexandre Postal.
Contrapontos
A Secretaria de Desenvolvimento Econômico e os ex-secretários Edson Brum Joel Maraschin se manifestaram em reportagem da GZH. Confira o que disseram:
Secretaria de Desenvolvimento Econômico
"Os apontamentos da auditoria do TCE têm o intuito de aperfeiçoar o processo e estamos dispostos a dar a nossa contribuição. No caso do Programa Juro Zero, criado para atender a uma demanda específica da pandemia, cerca de 15 mil micro e pequenas empresas foram beneficiadas e em torno de 500 apresentaram alguma inadequação, como algum desajuste no cadastro da Junta Comercial, situações que necessitam de uma análise mais apurada. Isso significa que, em média, apenas 3,5% das empresas estavam com alguma pendência, um valor percentual extremamente baixo, e somente três empresas saíram do Estado.
O programa priorizou a desburocratização dos processos para liberação de recursos a fim de que os empreendedores contemplados tivessem acesso ao valor em tempo hábil. O subsídio só foi autorizado para operações regulares e adimplentes, não sendo permitido para refinanciamento e renegociação. Caso houvesse inadimplência, o prejuízo seria para os bancos envolvidos, mas não se tem notícia desse cenário.
A Sedec não pretende retomar o programa, tendo em vista que foi uma política pública criada para atender a uma demanda específica da pandemia. Porém, existem linhas de financiamento gerenciadas pelo BRDE e pelo Badesul, vinculados à secretaria, que disponibilizam crédito a empreendedores. Da mesma forma, continuamos trabalhando outras possibilidades de atender a demandas dos empreendedores.
O valor máximo de aporte será de R$ 100 milhões, sendo liberado parcialmente até junho de 2025, o que representou uma injeção de R$ 382 milhões na economia gaúcha, beneficiando os 15 mil empreendedores. O programa, que tem os juros amortizados mês a mês, subsidia parte dos valores pagos pelos beneficiados, os quais quitarão o financiamento em até 33 meses, com prazo de carência de três meses."
Ex-secretário Edson Brum
"Não conheço a auditoria e possíveis apontamentos e que tem prazos para esclarecimentos, tudo dentro da normalidade. O programa Juro Zero tem regras e foi executado pelo Badesul e BRDE."
Ex-secretário Joel Maraschin
"O Juro Zero foi uma política de Estado, criada para auxiliar micro e pequenos empreendedores na retomada da economia pós-pandemia. O papel do Estado foi oportunizar através do programa o subsidio de juros para MEIs, MEs e EPPs. Todavia, a operação bancária em si, foi uma relação banco x cliente, com a análise de crédito, solicitação de documentos, e ainda com uma declaração feita pelo tomador de crédito, baseada na lei de liberdade econômica, onde o empreendedor assinava que os dados fornecidos eram verdadeiros. Ou seja, o capital emprestado não era do Estado, e sim dos recursos próprios das instituições bancárias e a eles cabia aprovar ou não a liberação de recursos, mediante as informações fornecidas. O Juro Zero beneficiou mais de 15 mil CNPJ, e alavancou aproximadamente R$ 400 milhões em crédito para reaquecimento da economia aos empreendedores."
* Com informações da Bancada do PT na Assembleia e do GZH