SUS EM RISCO

Orçamento de Porto Alegre para saúde em 2024 vai 'desfinanciar' o SUS, alerta Conselho Municipal de Saúde

Proposta de Orçamento do Executivo para a Saúde foi aprovada pela Câmara, apesar dos apontamentos do Conselho

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Sem a previsão de recursos na LOA, especialmente para o custeio e abertura dos novos serviços como, por exemplo, unidades móveis de odontologia, terão que ser executados via suplementação orçamentária - Foto: Cristine Rochol/PMPA

Em Porto Alegre (RS), o Conselho Municipal de Saúde (CMS) alerta para o que considera ser o “desfinanciamento” do Sistema Único de Saúde (SUS) no orçamento municipal de 2024. O conselho também alerta que esta redução inviabiliza o atendimento mínimo das necessidades em Saúde, já defasadas e acumuladas em demandas represadas.

Em novembro do ano passado, ao analisar o então Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do município, o CMS aprovou uma manifestação recomendando a revisão da proposta antes de sua aprovação definitiva pela Câmara de Vereadores, o que ocorreu em dezembro. Mesmo com a deliberação de 26 conselheiros de Saúde que aprovaram o documento, só houve alteração dos valores das emendas impositivas. 

Segundo a Secretaria Municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos (Smpae), a LOA incorporou um total de 806 emendas parlamentares, representando um montante de R$ 56.431.358 em recursos.

Entre os apontamentos, o CMS destacou o corte feito pelo centro de governo de 49,8% no orçamento solicitado inicialmente pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que previu a necessidade de R$ 681.552.733,28 para cobrir as despesas. O PLOA 2024 contemplou apenas R$ 342.149.858,00 para a Saúde. 

"Infelizmente os recursos da Saúde não estão sob a gestão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) na medida em que o centro de governo desconsiderada a análise situacional apresentada pelo órgão", afirma Ana Paula de Lima, integrante da Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin) do CMS, setor responsável pela elaboração dos apontamentos.

O Brasil de Fato RS procurou a Prefeitura de Porto Alegre e aguarda um posicionamento.

Para os conselheiros, o parecer da Cofin, encaminhado para às comissões e parlamentares, foi desconsiderado, descumprindo a lei complementar nº 141/2012, que define os instrumentos de planejamento governamental e reforça as atribuições dos Conselhos de Saúde na análise e deliberação sobre esses instrumentos, inclusive nos aspectos econômico financeiros.

Gerenciamento do Fundo Municipal de Saúde (FMS)

Já quanto ao gerenciamento dos recursos da Saúde pelo Fundo Municipal de Saúde (FMS), também previsto pela lei complementar nº 141 de 2012, o CMS representou, junto ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS), sobre a ilegalidade do Fundo não fazer a gestão dos recursos conforme determina a Lei. A ação ajuizada pelo MP foi ganha em primeira e segunda instâncias. A sentença judicial da ação condenou o município a atribuir à SMS a gestão plena dos recursos do Fundo.

"Nós temos uma legislação no Sistema Único de Saúde que, infelizmente, não está sendo cumprida pela Prefeitura. O secretário de Saúde não consegue planejar e nem dizer para onde o recurso vai, porque o Prefeito não deixa, e de forma ilegal”, comenta a coordenadora da Cofin, a conselheira Maria Leticia de Oliveira Garcia.

O Conselho alega que a situação do desfinanciamento municipal no SUS se agrava ano após ano, o que seria demonstrado pelos últimos anos da série histórica da aplicação dos percentuais em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS). O CMS estima que o percentual a ser aplicado em ASPS em 2024 será de 17,60% - sem considerar os valores das emendas impositivas, um valor inferior à série histórica da execução do orçamento (conforme tabela abaixo).


Tabela referente a série histórica do percentual aplicado em ASPS no município / Fonte: DFMS/ SMS Porto Alegre

Segundo o relatório da Cofin, até o dia 27 de outubro de 2023, o orçamento percentual previsto para o ano já havia sido suplementado em 18,45%. O orçamento de recursos municipais para ASPS ampliou, via suplementações, de R$ 843.771.068,00 para R$ 1.041.605.821,20, conforme dados do Sistema de Gerência Orçamentária de outubro de 2023. Ao propor um percentual de financiamento reduzido, o Município tem tornado uma prática corriqueira a suplementação de recursos. 

“Tal prática de suplementações orçamentárias desorganiza o planejamento programático e financeiro da Saúde, causando instabilidade, morosidade e excesso de burocracia, produzindo efeitos em toda a rede de atenção à Saúde, em especial nos serviços próprios da SMS, embora haja efeitos significativos para os prestadores contratualizados, que assinam contratos e aditivos com vigência reduzida devido a falta de previsão orçamentária para cobertura dos serviços por períodos maiores, resultando no aumento do número de termos aditivos assinados por contrato e o aumento do pagamento via indenização administrativa”, destaca o documento.

Desassistência à população

A Cofin denuncia, também, uma “redução preocupante de valores para o enfrentamento a doenças como sífilis, HIV, Tuberculose e Hepatites cujos indicadores de saúde do município historicamente são ruins”. O orçado inicialmente para 2023 era de R$ 4.519.655,00, em 2024 o valor ficou em R$ 3.577.998,00.

“O relatório de excedentes da SMS evidencia que o valor encaminhado é insuficiente para a manutenção do contrato de infectologistas, além de ações como a manutenção de equipamentos, como o ônibus Fique Sabendo e o elastógrafo do Centro de Saúde Santa Marta”, salienta a Cofin.

Outro ponto citado foi sobre os recursos destinados para o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, que em 2023 teve um orçamento inicial de R$ 94.007.854,00, e, em 2024, diminuiu para R$ 69.885.164,00. “O relatório de excedentes elaborado pela SMS demonstra que o orçamento encaminhado é insuficiente para a manutenção dos estagiários, do convênio firmado junto a PUCRS (que fornece trabalhadores para a maternidade) e do contrato de anestesistas. Além disso, o orçamento não contempla importantes reformas estruturais necessárias ao hospital”.

Com o orçamento insuficiente até para a cobertura de despesas contratadas, o documento alerta para o risco de desassistência da população com repercussões clínico-sanitárias.

“Entendemos que especialmente em ano eleitoral, é dever legal a maior aproximação possível entre a LOA como instrumento de planejamento com a Programação Anual de Saúde, a fim de garantir a fidedignidade e lisura ético-política da gestão em saúde do município”, destaca a Cofin sobre a suplementação orçamentária que deve ser utilizada com prudência somente para as situações emergenciais e que escapam da previsibilidade do planejamento.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko