MULHER DE LUTA

Morre Piedad Córdoba, a colombiana que protegeu as causas populares; conheça sua trajetória

Ativista, advogada e política, tinha 69 anos e cumpria o quinto mandato como senadora pelo partido do presidente Petro

Brasil de Fato | Botucatu (SP) |
Retrato de Piedad Córdoba em seu funeral, em Bogotá: foi figura fundamental na libertação de reféns junto às Farc - Luis ACOSTA / AFP

“Nós temos que nos reunir para defender o povo e fazer um muro de contenção, porque hoje eu estou aqui, mas amanhã posso estar morta”, disse Piedad Córdoba, ativista, advogada e política colombiana em uma entrevista ao Brasil de Fato há nove anos, em 2015. Ela assentou o último tijolo do muro neste sábado (20), quando um ataque cardíaco tirou sua vida, cinco dias antes de completar 69 anos.

“Perdemos uma enorme política colombiana, que escreveu parte da história política do país”, afirmou nesta segunda (22) ao Brasil de Fato o jornalista colombiano Hernán Camacho, colunista da revista Voz. “Piedad foi construtora desses muros de contenção, de apoio e defesa das causas populares, dos menos favorecidos”, disse.

Mulher de presença marcante, eloquente e apaixonada pelo que fazia, Piedad foi uma influente defensora dos direitos humanos na Colômbia e uma referência para toda a região. Em sua trajetória política de mais de 30 anos, foi senadora em cinco oportunidades. Legislou em defesa das mulheres, dos negros, da população LGBTQIA+ e promoveu o processo de paz entre o governo colombiano e a guerrilha Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), trabalho que lhe deu mais visibilidade.

Por mexer com um enredo tão espinhoso e protagonizado por atores tão poderosos e violentos, viveu cercada de escoltas. Denunciava permanentes ameaças e atentados contra ela, muitos dos quais foram catalogados pelas autoridades como tentativas de assalto. 

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Em 1999, foi sequestrada por paramilitares e liberada semanas depois, após ser interrogada pelo chefe paramilitar Carlos Castaño. Isso a levou a se refugiar com seus filhos no Canadá. Em 2010, perdeu o mandato de senadora e os direitos políticos sob acusação de colaborar com as Farc, o que configuraria traição à pátria, mas foi inocentada posteriormente.

“Apesar de todos os atentados e exílios que ela e sua família padeceram, Piedad nunca se furtou a dizer o que pensava, apontar os temas delicados do país e dizer à Colômbia que é preciso trabalhar pela vida e pela paz”, declarou Alirio Uribe, congressista colombiano da coalizão governista Pacto Histórico.

O presidente Gustavo Petro também se pronunciou: “Seu corpo e sua mente não resistiram à pressão de uma sociedade anacrônica, que aplaudia o justiçamento de jovens, que odiava o diálogo e a paz, odiava os negros, indígenas e pobres, que a tratava como criminosa”.

Lula e Chávez

Piedad viajava muito pela América Latina em busca de alianças para promover processos de paz com garantias estrangeiras e tornou-se próxima de vários presidentes latino-americanos de esquerda, especialmente Luiz Inácio Lula da Silva e o venezuelano Hugo Chávez (1954-2013).

No final de 2007, foi nomeada pelo governo colombiano para intermediar a liberação de militares e políticos reféns das Farc, um trabalho humanitário que, nos dois anos seguintes, contou com a participação de Chávez. Certa vez, em um discurso, o então presidente a chamou de “uma latino-americana integral”, uma “mulher valente”.

O atual presidente venezuelano Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, expressou suas condolências à família de Piedad e aos colombianos. “Querida amiga Piedad, quantas batalhas teve que travar por tua pátria. Guerreira incansável e uma das mulheres mais corajosas que conheci, uma grande revolucionária, lutadora, fervorosa defensora dos direitos humanos e da paz do povo”, escreveu nas redes sociais.

“Merece um grande reconhecimento, foi uma mulher que abriu as portas para a paz”, afirmou a escritora Patricia Ariza, ex-ministra da Cultura do governo Petro. “Ela desempenhou um papel determinante no processo de paz com as Farc. Jogou ali sua vida, seu prestígio”.

Além do trabalho junto à guerrilha, Piedad teve um papel importante na melhoria da participação social das minorias, conforme reconhecem também os políticos da nova geração, como a congressista María José Pizarro, do Pacto Histórico. “Foi uma mulher libertária, autora da lei de cotas, que abriu as comportas para a participação política das mulheres; que defendeu as comunidades afrodescendentes. Uma mulher comprometida com seus ideais", disse.

Saúde frágil

Por influência paterna, a maior parte de sua carreira foi feita dentro do Partido Liberal, com uma agenda social centrada nas mulheres, nas comunidades negras e nas vítimas do conflito. No entanto, foi se distanciando dessa corrente política por suas ideias progressistas e mais alinahdas à esquerda, o que a levou a fundar o movimento Poder Cidadão Século 21, como uma dissidência interna.

Passou praticamente a metade de sua vida no Congresso, onde começou como deputada, em 1992, e posteriormente senadora. Embora não tenha sido a primeira mulher afrodescendente a chegar ao Congresso — Nasly Lozano foi pioneira em 1962 —, Piedad conquistou um protagonismo inédito para uma mulher de raízes negras. “Uma mulher que abriu as portas da política colombiana para as mulheres afrodescendentes e lutou incansavelmente pela paz e pela justiça social em nosso país”, escreveu a atual vice-presidenta Francia Márquez nas redes sociais.

Os últimos anos não foram fáceis para Piedad. A relação com o presidente Petro esfriou nos últimos tempos. Ele afirma que a incluiu como candidata de sua coalizão, embora vários processos judiciais se acumulassem contra ela, porque considerava que ela "havia pago um preço muito alto" por ser mediadora nos acordos humanitários. Mas quando, dias antes do segundo turno eleitoral, foi retida em um aeroporto de Honduras por transportar 68 mil dólares, ele mesmo pediu que ela se afastasse da campanha.

Em julho de 2022, ela assumiu seu quinto mandato como senadora, pela coalizão governista Pacto Histórico, a partir de um hospital em Medellín, onde fora internada devido a uma queda de pressão. Àquela altura, acumulava vários meses sendo hospitalizada por diferentes problemas de saúde. Ao assumir o cargo, e apesar do distanciamento de Petro, Córdoba se disse identificada com as ideias políticas do presidente e disposta a trabalhar pelas reformas.

“Foi coerente ao longo de sua carreira política”, conclui o jornalista Hernán Camacho. “Sua linha de trabalho sempre em defesa da paz, da inclusão dos menos favorecidos nas políticas. Foi muito forte sua voz contra o poder político e econômico estabelecidos. Foi uma figura polêmica, pode-se dizer, na forma de fazer política. Mas sobretudo uma agitadora de massas que conseguiu alimentar a esperança de um punhado de setores excluídos”.

Com informações da Telesur e do El País.

Edição: Lucas Estanislau