Habitação

Cerca de 60 famílias são expulsas de ocupação em prédio ligado à família Zarzur, fundadora da EZTEC

Gestão de Ricardo Nunes deveria ter auxiliado famílias, mas Secretaria de Habitação sequer tomou conhecimento da ação

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
As famílias foram pegas de surpresa com a reintegração de posse feita nesta segunda - Caroline Oliveira

Cerca de 50 crianças e suas famílias foram despejadas de uma ocupação no centro de São Paulo na manhã desta segunda-feira (29). A Ocupação São Benedito, organizada pela Frente de Luta por Moradia (FLM), estava no local desde julho do ano passado. Segundo os moradores, o prédio estava há cerca de cinco anos desocupado. 

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O autor da reintegração de posse está registrado como Manuela Patrimonial LTDA. Entre os sócios e administradores, estão Silvio Esnesto Zarzur e Flavio Ernesto Zarzur, fundadores da empresa de engenharia, construção e incorporação imobiliária EZTEC. De acordo com o site da empresa, hoje o banco de terrenos é de aproximadamente R$ 13 bilhões em projetos e a posição de caixa líquido é de cerca de R$ 1 bilhão. 

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Entre as 60 famílias despejadas, muitas não têm para onde ir. Até o momento, a única certeza é que dormirão nas ruas nesta noite. Erenilda Maria Silva Santos, de 52 anos, nunca pensou que voltaria a dormir na rua, como ocorreu na década de 1990. Antes da ocupação, em meados dos anos 2000, a diarista chegou a morar na casa onde realizava serviços de limpeza e, quando conheceu o movimento, passou a morar nas ocupações. 


Erenilda Maria Silva Santos / Caroline Oliveira

“Eu vou para as ruas, e ainda desempregada. O que é que eu vou fazer da minha vida? Eu vou para onde? Não tem onde eu botar as minhas coisas, eles vão jogar minhas coisas em qualquer lugar. Eu nunca passei assim por isso. Eu trabalhei, eu comprei minhas coisas”, lamenta a diarista enquanto seus móveis são retirados do prédio. 

“Eu não queria estar aqui nesse movimento. Mas eu não tenho para onde ir. Eu não estou aqui porque eu acho bonito. É porque eu não tenho para onde ir. Eu não quero ir para a rua. Cadê a justiça agora? Eu sempre trabalhei, eu faço compra, eu pago imposto, eu sou uma cidadã brasileira”, diz.  

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Ao seu lado, Josiane Silva, de 35 anos, também observa a retirada dos móveis enquanto pensa onde irá passar esta noite com sua filha de três anos e seu marido. “Pagava aluguel, mas não deu mais para pagar. Não temos para onde ir agora. Como que vai pagar aluguel? A gente não ganha muito”, diz.

Assim como outras famílias, Josiane e seu marido investiram quase R$ 3 mil para levantar divisórias nos apartamentos e colocar equipamentos básicos como chuveiro e instalações elétricas. 

A situação é semelhante à de Erineldo Lourenço Teixeira. Com seu filho recém-nascido de dois meses no colo e outras duas crianças, o segurança de hospital e sua esposa, que trabalha como auxiliar de limpeza, têm como única opção, neste momento, ficar na rua. 


Erineldo Lourenço Teixeira / Caroline Oliveira

“Sou do Ceará, de Itapipoca. Estou aqui desde 2011. Vim para cá tentar emprego. Antes da ocupação estava vivendo em casa alugada, mas ficou muito caro. Não tenho condições de pagar um aluguel. Ficou muito puxado pra mim. Mas agora a gente não tem para onde ir”, afirma Teixeira. 

O advogado da FLM e vice-presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo, William Fernandes avaliou a reintegração de posse como ilegal. O motivo é uma determinação da Justiça de São Paulo com algumas condicionantes não realizadas para a desocupação, como o cadastramento das famílias no CadÚnico. O cadastro é o primeiro passo para as famílias de baixa renda acessarem programas sociais e benefícios. 

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O despejo foi realizado por uma equipa da própria requerente, com o auxílio da Polícia Militar do Estado de São Paulo, após uma ordem judicial. O juiz Rodrigo Galvão Medina, da 9º Vara Cível, havia determinado a participação dos órgãos sociais da prefeitura, mas o aviso de tais órgãos tampouco foi realizado. Agora, a Defensoria Pública do estado de São Paulo tenta reverter a decisão no Tribunal de Justiça de São Paulo. 

O advogado também explicou que houve uma falha da Polícia Militar, que “deveria ter oficiado os moradores. Deveria entrar em contato e fazer uma reunião pra organizar a saída. Isso não foi feito nesta etapa. A PM apareceu pra cumprir a ordem e tirou as pessoas, sem uma reunião prévia”.  

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Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que a Secretaria Municipal de Habilitação não foi comunicada sobre a ação, “mas reforça que as famílias residentes em ocupações podem realizar o cadastro nos programas habitacionais do município por meio da COHAB-SP". 

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria da EZTEC, que informou não ter gestão sobre o imóvel. A família Zarzur e a assessoria da Manuela Patrimonial LTDA. não foram localizadas para contato, porém o espaço segue aberto caso queiram se manifestar.

Edição: Matheus Alves de Almeida