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Desafios para ir além da visibilidade: por cotas para pessoas trans no ensino superior

As cotas são estratégias fundamentais contra a evasão imposta pela transfobia nas universidades

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Organizadores esperam reunir a maior ocupação de pessoas trans e travestis do país - Agência Brasil

Há 20 anos, o dia 29 de janeiro é mais um dia de luta por dignidade e cidadania plena para a população trans no Brasil, e faz alusão à campanha "Travesti e Respeito", lançada em um ato nacional no Congresso Nacional organizado por diversos movimentos sociais que atuam na luta contra a transfobia. Apesar de termos avançado, nos últimos 20 anos, em garantias de direitos civis, como a alteração do nome de registro para o nome social, a despatologização pela OMS em 2019 e a criminalização da transfobia, ainda temos um longo caminho a trilhar para garantir as condições de vida digna, educação, trabalho, saúde plena e participação política para a população trans.

O "Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transsexuais brasileiras" realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) apontou que, em 2022, a expectativa média de vida de pessoas trans era de 29,5 anos e que 79,8% das pessoas trans assassinadas eram pessoas negras e pardas. Já o levantamento realizado pela Rede Nacional de Pessoas Trans no Brasil em 2017 aponta que 82% das pessoas trans se evadem do ensino médio antes de concluir. Os dados alarmantes nos indicam uma sociedade formada a partir de estruturas que, com o Patriarcado, mantêm o sistema das relações humanas tendo como norma a cisgeneridade e a heterossexualidade. Na publicação coletiva "O Brasil fora do Armário", Leonardo Nogueira afirma que o gênero e a sexualidade:

"[...] é, politica e socialmente, construída a partir da articulação entre as relações patriarcais de gênero e de sexualidade, relações de raça/etnia e de classe e [...] esse processo contribui para organizar a dinâmica da produção e reprodução social." (Nogueira, 2020, Expressão Popular).

A realidade nos aponta os desafios para efetivar a superação da visibilidade para transformar a indignação face às diversas violências e negação de direitos em políticas públicas de enfrentamento estrutural à transfobia, que diz respeito sobretudo à proteção e à garantia da vida das pessoas trans e travestis. É preciso que o Estado se responsabilize por investir em pesquisas para mapear as necessidades concretas para formular as políticas afirmativas para a garantia de educação, saúde, moradia e trabalho. Nesse sentido, as cotas específicas para pessoas trans acessarem a educação superior, assim como a regulamentação da readequação do nome social nos documentos oficiais das universidades, constituem estratégias fundamentais no enfrentamento à evasão imposta pela transfobia, além do fomento à entrada no mercado de trabalho.

Todos os importantes avanços até aqui são frutos das manifestações e mobilizações e organizações coletivas, a partir das quais se torna possível construirmos as relações de gênero emancipatórias que necessitamos para vivenciar as experiências de gênero e de sexualidade de maneira livre, de forma a romper com a hegemonia da imposição sistemática da identidade de gênero e a naturalização da cisgeneridade. 

* Gabriella Carvalho é diretora LGBT da UNE.

** Este é um texto de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Nicolau Soares