Resistência e luta

Professora promove educação antirracista em escola da região mais negra do DF

Obra da escritora Carolina Maria de Jesus serviu de ponto de partida para as atividades na Escola Classe 1 da Estrutural

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
"Trabalho a identidade, autocuidado, autoestima e representatividade da criança preta", observa a professora Fátima Correia Lopes - Arquivo Pessoal

Fátima Correia Lopes é uma mulher negra e professora da rede pública do Distrito Federal (DF) há cinco anos. Nesse período, procurou trabalhar no território em que mora desde 2003 - a Estrutural, a região administrativa mais negra do DF. "Eu acredito que o educador tem que vir do seu próprio território", justifica Lopes.

Hoje, ela atua na Escola Classe 1 da Estrutural, onde desenvolve um trabalho de educação antirracista a partir do livro Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus.

"Na educação antirracista, trabalho a identidade, autocuidado, autoestima e representatividade da criança preta", observa. Mãe de dois filhos, ela conta que, durante a infância deles, sentiu falta de um trabalho de representatividade da pessoa preta. "A Estrutural é a cidade mais preta do DF e eu senti a necessidade de estar trabalhando a questão do racismo o ano todo", aponta. 

O projeto envolveu a leitura do livro, roda de conversas com autores negros, oficina de turbante, roda de capoeira e escrita de um diário dos alunos, transformado no final do ano em um pequeno livro de desenhos e poesias.  "Eu procuro inserir essa educação antirracista, trabalhando a autoestima deles, o auto cuidado, o cuidado com o outro. Então pudemos trazer a história do nosso povo preto o ano inteiro", conclui a professora. 

"A escritora que fomentou nosso projeto foi a Carolina de Jesus, que era uma mulher preta, mãe solo e catadora. Eu achei que ela dialogava muito com a história das mães da Estrutural, que são mães dos alunos", explica. Fátima Lopes lembra que a história de superação da escritora Carolina de Jesus por meio de escrita é por si estimulante e deixou seus alunos "encantados".


Professora Fátima Lopes trabalha o livro de Carolina Maria de Jesus em sala / Arquivo Pessoal

20 anos de Estrutural

No dia 27 de janeiro de 2004, foi criado o Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA), transformado na XXV Região Administrativa do Distrito Federal. A Vila Estrutural é sua sede urbana. Atualmente, a região conta com mais de 35 mil habitantes, dos quais 75% são negros, segundo o Mapa das Desigualdades divulgado no ano passado. 

Brasília é uma das cidades mais segregadas do mundo, com a população negra morando majoritariamente longe do centro. Para o pesquisador Guilherme Lemos, a capital brasileira é mais segregada que Joanesburgo – maior cidade da África do Sul, também planejada, com cidades satélites distantes do centro para pessoas pobres e negras morarem.

Porém, apenas cerca de 15 km separam a Estrutural do Eixo Monumental, onde ficam as sedes dos Poderes do Brasil e do Distrito Federal. A região administrativa permanece assim como uma das mais próximas ao centro.

A história da formação da Estrutural explica a existência do território negro nessa localidade. Sua origem ocorreu a partir da chegada de catadores de lixo ao Lixão da Estrutural, fechado em 2018. Essas pessoas eram atraídas para esse território em busca da sobrevivência e ali começaram a construir seus "barracos" para moradia.

Na década de 1980, a rodovia DF-095 foi aberta para ligar o Eixo Monumental a Taguatinga e a BR-070, o que contribuiu com o crescimento da então Vila Estrutural. Ao mesmo tempo, foram feitas tentativas de remoção da população, impedidas pela resistência dos moradores.

"A Estrutural é fruto de um novo processo de ocupação, de pessoas sem moradia e, no geral, essas pessoas são pretas ou pardas", afirma Lemos, destacando a resistência simbolizada pela presença da Estrutural em um local que não foi planejado para pessoas negras morarem.

Racismo estrutural e ambiental

Para a assessora técnica do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Dyarley Viana, a Estrutural é uma resposta ao não planejamento dentro de uma cidade "planejada" como Brasília. O projeto não considerou o que fazer com as comunidades periféricas ou com o lixo. "Esse é um tipo de pensamento muito racista, do ponto de vista de gentrificação, de quem são as pessoas que vão morar nessa cidade planejada por JK, quem é que vai ocupar as margens dessa cidade e qual é a cor dessas pessoas", afirma. 

Para Viana, que é a ex-catadora de materiais recicláveis, esse pensamento de que no Plano Piloto não haveria lixões e que se jogaria o lixo mais distante, próximo de onde viveriam as pessoas negras e pobres, faz parte de uma concepção de racismo ambiental - termo usado desde a década de 1970 nas discussões sobre a distribuição injusta dos recursos e riscos ambientais nos diferentes grupos étnico-raciais. 

"É importante a gente pensar quem eram as pessoas que começaram a ocupar o que hoje é a Estrutural: pessoas majoritariamente negras, vindas do Nordeste. Em busca de trabalho, encontram na catação uma forma de sobrevivência", explica. A assessora do Inesc acrescenta que pessoas de outros grupos, que já estavam na luta pela moradia, se aproximaram desses primeiros moradores e contribuíram com a resistência e com a criação da cidade. 

O racismo estrutural na Região Administrativa da Estrutural aparece sobretudo no pouco acesso a serviços públicos, como transporte, educação, saúde e lazer. "A Estrutural está a 15 minutos do Plano, mas é uma das cidades com a menor renda per capita, e sofre muito com o estigma da violência e falta de serviços públicos", analisa Viana, que também é militante do movimento negro no DF.

O Brasil de Fato DF entrou em contato com a Subsecretaria de Políticas de Direitos Humanos e de Igualdade Racial, por meio da assessoria de imprensa da Secretaria de Justiça e Cidadania no DF, para saber quais políticas antirracistas o Governo do DF desenvolve para a região. Até o fechamento desta matéria, a pasta não havia respondido.

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Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino