sonho e esperança

MST discute desafios da reforma agrária e crise do capitalismo em encontro estadual na Fazenda Annoni

Evento celebra os 40 anos do MST e organiza militantes do RS para o encontro nacional que será realizado em Brasília

Brasil de Fato | Pontão (RS) |
Cerca de 600 assentados e acampados participam de três dias de debates, mística, planejamento e celebração - Foto: Letícia Stasiak

“O sonho e a esperança marcham sobre o latifúndio - Eram milhares de homens, mulheres e crianças tomados por este sonho. Muita gente identificada pela mesma causa: a falta de Terra.

Era noite de 29 de outubro de 1985, terça-feira, lua cheia, parecia estar mais brilhosa, talvez porque a estrada principal de terra vermelha causasse reflexos, ou talvez porque as lágrimas de angústia, nervosismo e alegria ajudassem a aumentar seu brilho.

Ao chegar no latifúndio, o zunido dos cinco fios de arame sendo cortados, era como se fosse o ponteado do início de uma música que toma coro com o grito desprendido na garganta de todos, ao som das foices e facões, martelos na construção dos barracos de lona preta, formando o Acampamento da Fazenda Annoni.”

Estes são trechos do texto do pioneiro do MST, assentado na Annoni, Isaías Vedovatto, lido na Mística de Abertura do 20º Encontro Estadual do MST/RS na terça-feira (6), lembrando a ocupação que marca história do MST.  

Cerca de 600 assentados e acampados viajaram durante a noite para participar destes 3 dias de debates, mística, planejamento e celebração. Chegaram 12 ônibus vindos das 12 regiões do estado onde o movimento está organizado. Também participam 120 delegados e delegadas da região Norte.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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O encontro será encerrado na quinta-feira (8), com uma homenagem aos Pioneiros do MST e a inauguração do Bosque Zecão. Além da plenária montada no Ginásio do Assentamento 29 de Outubro, foram organizados espaços para barracas, uma cozinha onde são preparadas as refeições, uma ciranda para o cuidado das crianças e a Feira Estadual da Reforma Agrária, com produtos dos assentamentos.


Feira Estadual da Reforma Agrária é montada durante encontro / Foto: Letícia Stasiak

Na quarta-feira (7), o dia inicia com uma mesa sobre os Desafios da Reforma Agrária Popular para o próximo período, com João Pedro Stedile. Durante a tarde, serão tratados os temas da luta pela terra, setor de produção dos assentamentos, relação com a sociedade e o MST e as eleições. A partir das 18h será realizado o Ato Político em comemoração aos 40 anos do movimento, completados no dia 22 de janeiro, com a presença de diversos convidados.

A crise do capitalismo e os desafios do movimento

Pela manhã, logo após a mística, os dirigentes nacionais do MST Ayala Ferreira, do Setor de Direitos Humanos, e Diego Moreira, do Setor de Produção, realizaram uma análise da situação política e social do Brasil e do mundo.


Os dirigentes nacionais do MST Ayala Ferreira e Diego Moreira realizaram a análise de conjuntura / Foto: Letícia Stasiak

Segundo Ayala, vivemos um momento histórico de mudanças muito difícil para a classe trabalhadora, de hegemonia do sistema capitalista, com uma crise estrutural que não apresenta condições de superar suas contradições internas. “Com a apropriação das forças de produção e exploração da natureza, vivemos uma situação de barbárie ou aniquilamento”, destacou.

Ela destaca três estratégias de atuação do capitalismo na tentativa de superação da crise. “A primeira delas é repensar o papel do Estado, com a defesa do Estado mínimo aos trabalhadores e o fim de políticas públicas. A segunda, as alterações no mundo do trabalho com o fim dos direitos, colocando a escolha entre ter direitos ou emprego. E por fim, a mercantilização dos bens da natureza, com a privatização e exploração dos bens naturais, inclusive aos extraordinários, como o ar e a água. Ou seja, é o neoliberalismo iniciado na década de 1990 na veia.”

Neste contexto, conforme Ayala, está fortalecida a extrema direita, financiada internacionalmente, articulada com um grupo que tem clareza do projeto que defende, e aliada às igrejas neopentecostais da Teoria da Prosperidade. “Esses grupos utilizam uma propaganda individualista que utiliza dos nossos anseios e necessidades para se manter, é preciso mudar a realidade se quisermos ter outros rumos.”

Diego Moreira lembrou da importância de transformar as linhas políticas do movimento em ações. Destacou o momento difícil e complexo, mas perguntou 'quando foi fácil na história?'. “Os tempos difíceis são de fato para os revolucionários, com análise e estudo, mas também com ação, algumas já debatidas no MST/RS e outras que precisamos ir construindo no estado.”

Após analisar a hegemonia do agronegócio em vários setores da sociedade e a relação do movimento com o governo Lula, destacou a independência do MST e a necessidade da luta para conquistar novos assentamentos. Diego ressaltou ainda a organização das mulheres para realizar um grande ato no 8 de Março e do movimento para o Abril Vermelho. “São as duas próximas mobilizações que precisamos nos organizar, além de realizarmos um Congresso Nacional com 20 mil militantes, no início de julho, em Brasília.”

Produção e preservação da natureza

O tema ambiental foi estudado durante a tarde com a contribuição de Álvaro Delatorre, do Setor de Produção, e do Engenheiro Agronômo Leonardo Melgarejo.


A segunda mesa do dia tratou sobre a questão ambiental com Álvaro Delatorre e Leonardo Melgarejo / Foto: Letícia Stasiak

Integrante da Associação Nacional de Agroecologia (ANA), Leonardo Melgarejo destacou que o ambiente define as possibilidades que temos para o futuro. Explicou que o ambiente do bioma Pampa, por exemplo, é como é porque tem características específicas que se uniram para criar e formar o Pampa gaúcho.

“No Brasil há 500 milhões de hectares de soja, que são monoculturas que interfere na produção e reprodução da vida e da sua diversidade. A natureza se combina para recuperar a vida neste ambiente, porém na homogeneização dos territórios, influencia nas atividades da natureza e na sua organização.”

Melgarejo defendeu a necessidade de novos aprendizados que valorizem as parcerias e a relação com a natureza, de formas diferenciadas de produção em relação a natureza. “Todavia a relação das empresas de seleção de sementes estão monopolizando e não conseguem dar conta de organizar as formas de seleção de variedades e sua multiplicidade. Portanto é o próprio movimento das famílias da produção e reprodução de sementes que pode ajudar neste processo de seleção, guarda e compartilhar de sementes”, salientou.

Segundo ele, neste período de crise ambiental, as situações de desastres ambientes têm alertado ao povo da cidade que não é possível contar com o agronegócio para ajudar a superar os problemas. “Em Nova Santa Rita, por exemplo, houve um projeto de fortalecimento de agricultura familiar, onde aprenderam a fortalecer os processos de valorização da vida e das diversidades do pomar e das árvores naturais”, alertou.

“Quando um homem planta uma árvore, está plantando a vida”

Álvaro Delatorre afirmou que a dimensão cultural e ambiental na campanha nacional do plantio de árvores desafia a militância a compreender a questão ecológica como sujeitos de direitos de sobreviver, para sobreviver os humanos.

“Hoje uma das crises da soja é que não há abelhas para polinizar as plantas de soja, porque elas morreram com o uso dos venenos. Não se trata apenas de falar, mas necessitamos produzir mudas para recuperar as matas, nossas escolas precisam ser espaços de produção de mudas e reflexão ambiental. As cooperativas precisam ampliar sua ação e política de fomento a questão ambiental desde as cadeias produtivas.”

Na opinião de Delatorre, o estado do RS precisa decretar estado de emergência climática. “As promessas é que as temperaturas se elevarão nos próximos períodos, um estado que tenha preocupação com a agricultura precisa fazer este processo. Há necessidade de que sintamos um pertencimento com esta causa, que haja persistência na ação de produção e plantio de árvores e produção de alimentos saudáveis.”

Confira mais imagens:


Participantes vieram de 12 regiões do estado onde o movimento está organizado / Foto: Letícia Stasiak


Mística de abertura lembrou o nascimento do movimento no estado / Foto: Letícia Stasiak


20º Encontro Estadual do MST/RS / Foto: Leonardo Melgarejo


Avô, pai e filho: três gerações na luta pela reforma agrária / Foto: Leonardo Melgarejo


Almoço com produtos da reforma agrária no 20º Encontro Estadual do MST/RS / Foto: Leonardo Melgarejo


20º Encontro Estadual do MST/RS / Foto: Tiago Giannichini


20º Encontro Estadual do MST/RS / Foto: Tiago Giannichini


20º Encontro Estadual do MST/RS / Foto: Tiago Giannichini


Mário Lill recebe a bandeira da Palestina durante a mesa sobre Internacionalismo no 20º Encontro Estadual do MST/RS / Foto: Tiago Giannichini

 

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira