Tragédia

Ministro do STM defende absolvição de militares por morte de músico com 82 tiros no Rio

Relator do caso entendeu que Evaldo Souza pode ter morrido com o primeiro disparo que recebeu nas costas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Laudos produzidos durante a investigação confirmam que foram efetuados 257 disparos contra o carro de Evaldo Rosa
Laudos produzidos durante a investigação confirmam que foram efetuados 257 disparos contra o carro de Evaldo Rosa - Fábio Teixeira/AP

O ministro Carlos Augusto Amaral de Oliveira, do Superior Tribunal Militar, votou para reduzir de 31 anos de prisão para 3 anos, dez meses e 24 dias a pena do tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, que comandou o grupo que matou o músico Evaldo Rosa com 82 tiros e do catador de latinhas Luciano Macedo no Rio de Janeiro, em abril de 2019. Ele ainda entendeu que os outros sete militares que haviam sido condenados a 28 anos em 2021 devem receber penas de três anos, dois meses e 12 dias. 

A redução drástica das penas foi defendida pelo ministro, pois ele entendeu que os militares devem ser absolvidos pela morte do músico Evaldo Santos e que deveriam ser enquadrados apenas por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) no caso do catador de lixo Luciano Macedo, que foi alvejado pelos militares no dia, mas morreu dias depois no hospital.

Para reduzir as penas dos militares, Amaral utilizou um vídeo que mostrou o momento do ataque dos militares, apresentando pelo MPM durante o julgamento em primeira instância. O vídeo havia sido questionado pela defesa dos militares, mas para o ministro o material demonstraria que Evaldo Rosa poderia ter morrido no primeiro disparo que o atingiu, pelas costas.

Naquele momento, os militares ainda estavam trocando tiros com um assaltante próximo de onde estavam o músico e sua família. Por este motivo, o ministro entendeu que os militares teriam reagido em legitima defesa ao atingir o músico pela primeira vez e, portanto, que deveriam ser absolvidos pela morte. 

Os assaltantes fugiram em um Ford Ka branco, o mesmo modelo do carro de Evaldo, o que teria causado  confusão nos militares, que alvejaram o músico, tese da defesa que foi encampada em parte pelo ministro relator e pelo revisor.  

"Por essa razão, essa dúvida (em relação ao tiro que teria matado o músico) deve militar em favor dos apelantes no contexto do segundo fato, ou seja no momento em que se depararam com o Ford Ka sedan cor branca pela segunda vez, imaginando que estivessem diante dos bandidos que os haviam atacado instantes antes e dessa forma acolher-se a tese do crime impossível já que o sr. Evaldo estaria sem vida", afirmou o ministro. 

O magistrado ainda defendeu que a acusação de tentativa de homicídio em relação ao Evaldo, também atingido no dia, deveria na verdade ser enquadrada como lesão corporal, crime que já teria prescrito, e por isso as penas totais dos militares envolvidos no episódio deveriam ser bem menores do que as aplicadas em primeira instância.

O voto dele foi seguido na íntegra pelo ministro revisor do caso, José Coêlho Ferreira, mas o julgamento foi suspenso na noite desta quinta-feira (29) devido a um pedido de vista da ministra Maria Elizabeth Teixeira. Com isso, o julgamento dos militares segue aberto. A sentença ainda será definida após os votos de todos os 15 ministros da corte, que é a última instância da Justiça Militar, o ramo do Judiciário responsável por julgar os crimes cometidos por militares. 

Um dos laudos produzidos ao longo da investigação apontou que foram feitos 257 disparos contra o veículo onde estava Evaldo e seus parentes, mas a acusação do MPM e a sentença levaram em consideração que foram 82 tiros contra o veículo e as vítimas.

Após a sessão desta quinta, o advogado André Perecmanis, que representa a família das vítimas e atuou como assistente de acusação do Ministério Público Militar, disse esperar que a ministra consiga mudar o entendimento dos demais magistrados da corte.

"Nós confiamos que a ministra Maria Elizabeth vá divergir do entendimento adotado hoje e convencer os demais julgadores de que o disparo de 257 tiros contra inocentes, destruindo duas famílias, não seja tratado como uma mera infelicidade", afirmou o advogado.

Penas reduzidas 

Ao todo, 12 militares foram denunciados por envolvimento no episódio. Na primeira instância, quatro foram absolvidos e os outros oito condenados. Agora, no STM, o ministro relator decidiu manter a absolvição dos quatro e mudar drasticamente as penas dos demais.

Caso as penas propostas pelo ministro relator sejam confirmadas, nenhum dos militares deve ir à prisão, já que seriam cumpridas em regime aberto. 

"Verifica-se que os apelantes não queriam e nem desejavam o resultado mortis", afirmou o ministro relator em seu voto, após mais de seis horas de julgamento iniciado na tarde desta quinta-feira. O magistrado ainda defendeu em seu voto que o tenente Ítalo da Silva permaneça nos quadros militares, mas que os demais sejam expulsos do Exército caos ainda estejam na Força.

'Infelizmente hipótese não foi explorada'

O magistrado chegou a lamentar o fato de a hipótese do músico ter morrido com o primeiro tiro que recebeu, nas costas, não ter sido discutida ao longo da investigação. "Infelizmente essa hipótese não foi explorada ao longo da instrução criminal. Contudo, nada impede diante das circunstâncias apontadas que se invoque o princípio da livre apreciação das provas", seguiu o ministro. 

Na prática, o relator entendeu que, além do laudo pericial sobre a morte do músico, também deveria ser levado em conta no julgamento o relato de testemunhas de que o músico teria desfalecido já no primeiro disparo dos militares e que cabe aos magistrados avaliarem livremente o peso de cada elemento da investigação na hora de julgar, não se limitando somente aos laudos técnicos do caso. 

"É bem verdade que a lesão no couro cabeludo é protuberante, pois fora causada pelos militares por meio de fuzil a uma distância aproximada de 50 metros, mas essas circunstâncias não podem prevalecer de forma absoluta diante das informações trazidas pelas testemunhas aptas a questionar se o sr. Evaldo já não estaria sem vida em razão do tiro que o atingiu nos minutos que antecederam do segundo fato", afirmou o relator em seu voto.

Edição: Thalita Pires