Solução não violenta

Sem armas, com petróleo: relembre programa de cooperação venezuelano que já ajudou Haiti

Petrocaribe garantiu US$ 1,2 bilhão ao Haiti por meio da venda de petróleo a preços mais baixos e investimentos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O programa de fornecimento de petróleo a países caribenhos foi criado pelo ex-presidente Hugo Chávez em 2005 - PRESIDENCIA / AFP

A comunidade internacional tem apostado em uma saída militar para o Haiti desde 2004, com a missão de paz criada pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). No final de 2023, a organização aprovou o envio de outra missão para o país. Mas se parte dos países apoiam uma intervenção no país caribenho, outros projetos já mostraram ser uma opção não violenta para a estabilização de países da região. O principal deles foi o venezuelano, o Petrocaribe.

O programa de fornecimento de petróleo a países caribenhos foi criado pelo então presidente Hugo Chávez em 2005. Ele durou 14 anos, sendo interrompido apenas depois das sanções estadunidenses contra a indústria petroleira venezuelana em 2019, quando sua estrutura comercial foi desmobilizada. O Haiti foi um dos 16 países que fizeram parte do programa venezuelano para a venda de petróleo a preços preferenciais e com uma taxa de juros abaixo do mercado.  

Uma das ferramentas de pagamentos usada pelos beneficiados era o parcelamento. Parte era paga de imediato e o resto, em até 25 anos. O Haiti também era um dos 16 países que faziam uma espécie de troca com a Venezuela para ter acesso ao petróleo. Produtos como banana e feijão eram usados para fazer o pagamento do petróleo.

Esse mecanismo era forma de garantir a estabilização da economia dos países caribenhos, que sempre foram dependentes da exportação de produtos primários para poder comprar outros insumos. Segundo Betzabeth Aldana Vivas, professora de ciência política da Universidade Universidad Santa María, o programa foi fundamental não só para o crescimento econômico da região, mas também para a estabilidade política.

“Foi uma plataforma de cooperação energética, mas também deu mão para manter a estabilização política dos países porque permitiu acordos de cooperação, o que garante que esses países possam acessar bens, serviços e alimentos, o que garante o bem estar da população. Petrocaribe impulsionou o desenvolvimento sócio econômico das nações do Caribe”, disse ao Brasil de Fato.

A entrada de petróleo no Haiti se dava com a intermediação do Gabinete de Monetização de Programas de Assistência ao Desenvolvimento (BMPAD) do governo haitiano. O órgão era responsável por fazer a ponte entre a estatal petroleira venezuelana PDVSA e as empresas haitianas. O programa criado pelo ex-presidente Hugo Chávez investiu de forma direta e indireta, no total, US$ 1,2 bilhão (quase R$ 6 bi) no Haiti para 234 projetos. 

Em 2014, o então primeiro-ministro haitiano Laurent Lamothe divulgou documento de 242 páginas chamado “A transformação do Haiti através de grandes trabalhos de reconstrução com os Fundos PetroCaribe”. O levantamento do governo haitiano explica que, com o programa, foi possível realizar um trabalho positivo “num período tão curto e com recursos limitados”. Ainda de acordo com o texto, foi possível construir prédios públicos, hospitais, centros comunitários e escolas, além de fazer manutenção de estradas, pontes e aeroportos. 

De acordo com o documento, do valor total investido no Haiti, cerca de US$ 179 milhões foram destinados a projetos ligados ao desenvolvimento social, US$ 44 milhões para a realocação de pessoas vítimas de terremoto e US$ 59 milhões para o Fundo de Assistência Econômica Social (FAES).

O resultado foi refletido no crescimento do PIB do Haiti nesse período. De 2010 a 2014, o produto do país cresceu de US$ 11,9 bilhões para US$ 15,2 bilhões, segundo dados do Banco Mundial. O aumento de 28% no PIB haitiano nesse período ajudou não só na compra de produtos industrializados de fora, mas também em projetos do governo. 

Ausência do Petrocaribe

O fim do Petrocaribe se deu em 2019, com o aumento das sanções contra o governo e empresas venezuelanas. Para Aldana, o programa é uma alternativa pacífica para a resolução de crises.

“O fim do fluxo de petróleo pelo Petrocaribe é parte das dificuldades econômicas que teve o Haiti. Garantiu a segurança política e energética da região e é uma alternativa pacífica para estabilizar um país. Petrocaribe é um fator de convergência estratégica porque é um mecanismo de cooperação energética, mas também é um reconhecimento político e geopolítico que dá a cada nação do Caribe. Isso nenhuma plataforma do Norte Global fez”, afirmou.

Em janeiro, países da Comunidade do Caribe (Caricom) discutiram a possibilidade de retomar o programa. A grande dificuldade, no entanto, são as sanções impostas pelos Estados Unidos contra a Venezuela. Ao todo, o país tem mais de 900 medidas coercitivas que impedem a negociação, principalmente, do petróleo. Parte dessas medidas foram suspensas em outubro de 2023, após um acordo entre governo da Venezuela e oposição para a realização de eleições.

Devido às sanções, a produção e a  exportação de petróleo da Venezuela caíram vertiginosamente nos últimos anos. Mesmo assim, a produção de petróleo no país está aumentando. Segundo um relatório da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) divulgado nesta terça-feira (12), a Venezuela produziu 820 mil barris de petróleo por dia no mês, um aumento de 2% em relação ao mês anterior. O governo venezuelano afirma que esses números são ainda maiores: teriam sido 877 mil por dia em fevereiro. 

Crise no Haiti

A justificativa apresentada para a operação da ONU de agora é o combate aos grupos criminosos que controlam partes do país e que protagonizaram uma escalada de violência nas últimas semanas.

Os episódios levaram ao anúncio da renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry, e a população haitiana aguarda, nos próximos dias, a nomeação de um governo de transição, formado por sete nomes escolhidos em acordo entre os partidos políticos, países da Comunidade do Caribe (Caricom) e os Estados Unidos. Henry disse que deixa o poder assim que o governo de transição estiver pronto para assumir o posto. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho