LUTA ARMADA

Guerrilha do Araguaia sofreu apagamento histórico pela ditadura, diz o sobrevivente da luta armada José Genoino

Podcast Três Por Quatro discute a história de um dos movimentos armados mais importantes na luta revolucionária

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Na década de 1970, jovens insurgiram-se contra a ditadura no Pará. Venceram batalhas, mas foram brutalmente exterminados. - Arquivo

No episódio desta sexta-feira (29), o podcast Três Por Quatro relembra os meandros da resistência armada que se mobilizou contra a ditadura militar de 1964: a Guerrilha do Araguaia. "A guerrilha sobreviveu durante dois anos. Foi o movimento armado mais importante depois da Coluna Prestes na história da esquerda brasileira", disse José Genoino.

Entre 1967 e 1974, um segmento da resistência brasileira se concentrou na região do Araguaia, na divisa dos Estados do Pará, Maranhão e do atual Tocantins. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), optou por implantar uma guerrilha rural seguindo os moldes da Revolução Chinesa. "A esquerda foi muito marcada pelos acontecimentos que levaram ao golpe 64 [...] havia toda uma ilusão de que a gente poderia enfrentar o golpe através daquele movimento", conta o ex-presidente do PT e ex-guerrilheiro.

"Guerrilha é a guerra do pequeno contra o grande, pra ela sobreviver tem que ter liberdade de movimento e iniciativa tática e surpresa", explica o ex-presidente José Genoino, um dos sobreviventes da Guerrilha do Araguaia. "A gente tem que resgatar as lições, os ensinamentos e principalmente homenagear aqueles que deram a vida por aquilo que acreditavam."

Com a abundância de recursos e outros itens para sobrevivência, o PCdoB começou a deslocar, aos poucos, seus quadros e seus militantes para o Pará. O historiador e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Romualdo Pessoa, lembra que muitos dos que participaram do movimento eram estudantes que dedicaram suas vidas à luta pela democracia. "A maioria daqueles que foram para lá eram jovens, tanto homens, quanto mulheres, havia alguns mais experientes, inclusive antigos parlamentares da constituinte de 40 e 46". 

O especialista também ressalta que os guerrilheiros eram de diferentes regiões do Brasil e que devido aos investimentos da época em obras como a Transamazônica, havia "pessoas de diversas partes, não somente esse grupo, havia um deslocamento muito grande".

Genoino explica na região só havia posseiros. "Ninguém tinha terra, você comprava a posse da terra. Eram terras devolutas, todas elas foram entregues, roubadas, vendidas a preço de banana, e foi a partir daí que surgiu o conflito. Não tinha a presença do Estado". 

Pessoa, autor dos livros Guerrilha do Araguaia: A Esquerda em Armas e Araguaia depois da Guerrilha, outra guerra, aponta para as operações militares realizadas na região. "Algumas delas aconteceram por conta exatamente da suspeita de que havia militantes clandestinamente atuando na região".

"A preocupação com a presença de militantes de esquerda, começa a fazer com que os militares modifiquem o planejamento para aquela região e visem atrair a iniciativa privada, banqueiros e grandes empresários", explica Romualdo Pessoa, que destacou nesse processo o surgimento da Transamazônica. 

Militantes na guerrilha 

José Genoino relembrou sua trajetória como guerrilheiro ao podcast Três Por Quatro. "Eu morei lá durante dois anos. Fui para lá em 1970 e fui preso em 1972 e, antes, eu vivia clandestinamente aqui em São Paulo". 

"Eu fui preso porque levava uma mensagem para o destacamento C. Eu estava no B, fui para o C", conta. Para manter a estrutura entre os guerrilheiros, segundo ele, "ninguém conhecia todo mundo, a gente só se conhecia dentro do destacamento".

O combate entre militantes e agentes do regime se deu, oficialmente, no sul do Pará. Apesar dos agrupamentos serem móveis, suas "bases" estavam entre os atuais municípios de São João do Araguaia e Marabá, com o destacamento A, entre Palestina do Pará e São Geraldo do Araguaia, com destacamento B e entre São Geraldo do Araguaia e Piçarra, com destacamento C. 

José Genoino, que utilizava o codinome José Geraldo e se apresentava como lavrador no período em que esteve na guerrilha, relembra como foi abordado pelos agentes da ditadura e preso em 18 abril de 1972. "O (destacamento) C fugiu, porque ia ser perseguido e a gente tinha um sinal combinado numa árvore e eles não colocaram o sinal, e aí eu fiquei procurando o pessoal [...] Os bate-paus e os pistoleiros ficaram sabendo." Genoino só foi identificado depois de seis dias. "Eu fui preso como quem estava procurando os 'terroristas'". 

Parte da juventude militante da época, o ex-presidente do PT destaca as inspirações do movimento. "A gente respirava a Revolução Cubana, Vietnamita, a luta antirracista dos Estados Unidos, a Jovem Guarda, a revolução cultural chinesa; era um grande envolvimento que aconteceu no mundo da década de 50 e 60. Essa geração foi protagonista em 68, e quando veio o AI-5 ela foi peitada. [...] Ou você ia para o exílio, ou você ia para a luta armada, ou você ia para casa e ia ser preso e morto".

Apagamento histórico

Estima-se que foram mortos 67 guerrilheiros e 31 camponeses. Apenas 2 corpos foram identificados. Com o fim da Guerrilha em 1975, ainda foi realizada a Operação Limpeza, que buscava apagar quaisquer rastros e vestígios dos cadáveres. "O que se tentou fazer com a Guerrilha do Araguaia foi esse apagamento da memória histórica. Nós não podemos deixar que haja um apagamento da memória do que aconteceu nesses 21 anos, não podemos de maneira nenhuma, para que isso não se repita", afirma o historiador Romualdo Pessoa. 

"A invisibilidade é uma marca histórica da dominação burguesa", declarou José Genoino ao podcast. "É uma tática da dominação no Brasil, como por exemplo, os trezentos anos de escravidão. A invisibilidade dos quilombos é uma característica da dominação de classe no Brasil do modelo político autoritário, racista e patriarcal."

"Até hoje você não tem a localização dos corpos", lamenta Genoino. "Para vocês terem uma ideia, quando O Estado de S.Paulo publicou uma nota em 1972 sobre o que estava acontecendo no sul do Pará. O jornal foi aprendido para não divulgar nada".

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país.

Edição: Thalita Pires