PAPO DE SÁBADO

'Nossa história precisa ser contada por nós', diz atriz transexual Verónica Valenttino

Interpretando a travesti Brenda Lee, Verónica venceu as duas maiores premiações de teatro no Brasil

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
A atriz Verónica Valenttino apresentou "Brenda Lee e o Palácio das Princesas" no festival Porto Alegre em Cena, no Theatro São Pedro - Foto: Rafa Dotti

Ela é a primeira transexual a levar o prêmio de melhor atriz no Prêmio Shell de Teatro. Também foi considerada “Melhor Atriz em Musicais”, troféu que ganhou no Prêmio Bibi Ferreira. Nos dois casos, a vitória veio pela sua performance na peça “Brenda Lee e o Palácio das Princesas”, também apresentada no festival Porto Alegre em Cena, no Theatro São Pedro. Ela é Verónica Valenttino e interpreta Brenda Lee, nome adotado nos anos 1960 pela pernambucana Caetana.

Em São Paulo, Brenda Lee comprou uma casa no bairro do Bixiga e abriu uma pensão onde acolhia as travestis que, marginalizadas, não conseguiam alugar nenhum imóvel. Nos anos 1980, com o surgimento da Aids, tudo ficou ainda pior. Também aumentaram os assassinatos de travestis. À época, o “Palácio das Princesas” transformou-se em casa de apoio no combate à síndrome. Foi a primeira ONG que lutou contra o HIV e AIDS no Brasil oferecendo acolhimento e cuidado para pessoas soropositivas.

Nesta entrevista ao Brasil de Fato RS, Verónica conta do espetáculo, da sua inspiração, do papel histórico de Brenda Lee e do preconceito que continua entravando a vida pública – dentro e fora do teatro – das pessoas transgênero.


"Sempre acreditei nos meus sonhos. Mas essa onda de premiações, que é muito esse eixo Rio-São Paulo, nunca foi uma pretensão", conta Verónica / Foto: Rafa Dotti

Brasil de Fato RS - Verónica, no ano passado, você recebeu o prêmio Shell de Melhor Atriz. E a Verónica, lá de Fortaleza, quando começou, imaginava que ia chegar a isso?

Verónica Valenttino - Sou capricorniana, então trabalho muito com o pé no chão. E sempre acreditei nos meus sonhos. Mas essa onda de premiações, que é muito esse eixo Rio-São Paulo, nunca foi uma pretensão. Até porque tenho umas questões quanto a esse tipo de premiação. Como se julga uma melhor atriz, melhor ator? Gosto de um dos prêmios que tem em São Paulo, que se chama Destaque. Destaque de atriz, destaque de direção.

Mas o Prêmio Shell, por ser um prêmio que é o maior dentro do teatro brasileiro e o único, que se monetiza, que premia também com quantia em dinheiro, sempre foi algo para mim muito inalcançável. Até porque as referências que tenho e tinha de atrizes que ganharam o Shell sempre foram grandes atrizes e que, para mim, estavam em um lugar ainda muito distante. Mas é importantíssimo falar do Prêmio Shell na figura de atriz e travesti, principalmente porque a gente já teve... 

Não deixa de ser uma denúncia, pelo tanto tempo de história apagada, pelo tanto tempo de silenciamento dos nossos corpos

Foi a primeira (premiação), não é? 

Foi a primeira. Ao mesmo tempo em que a gente celebra, a gente denuncia, porque não é tão gostoso falar que a gente é a primeira. Ao contrário do que a galera pensa, de que é a primeira travesti.

Tem um certo incômodo, porque esse prêmio, que já acontece há 33 anos, dentro dessa trajetória toda já passaram tantas grandes atrizes, inclusive transvestigêneres, corpos trans que já tiveram em cena. A gente vai de Rogéria à Divina Valéria e a tantas outras.

É gratificante, mas ao mesmo tempo é uma denúncia pelo fato de que durante esses 32 anos, a gente ainda não se sentia pertencente, não se sentia representada ali. E, nessa edição foi bonito porque não era só eu que estava sendo contemplada. Tinha a Assussena também concorrendo, as Irmãs Brasil concorrendo, a gente teve Black Iva concorrendo à melhor atriz, Ave Terrena e outra gata, Aymorá, concorrendo na dramaturgia.

Não deixa de ser uma denúncia, pelo tanto tempo de história apagada, pelo tanto tempo de silenciamento dos nossos corpos. Mas muito feliz em ganhar juntamente com uma grande atriz que é a Vera Holtz. Então, eu, nordestina, cearense, travesti, estar no mesmo palco, dividir o mesmo prêmio que uma mulher que admiro há tanto tempo... Quando olhei para a plateia e vi figuras tão simbólicas e tão fortes para mim, como Renata Sorrah, como tantas outras ali...


"Ao mesmo tempo em que a gente celebra, a gente denuncia, porque não é tão gostoso falar que a gente é a primeira" / Foto: Rafa Dotti

E tu vens do Ceará, onde começou a carreira artística com uma banda de punk rock...

Na verdade, primeiro veio o teatro para depois vir a banda. Eu estudava na época Artes Cênicas junto com Silvero Pereira, que foi o meu diretor desse coletivo, de que fiz parte durante 15 anos, que foi a primeira vez que a gente veio a Porto Alegre, inclusive.

Aí veio a pandemia e a gente meio que se dispersou. Nessa dispersão houve um rompimento...

As Travestidas?

Isso, As Travestidas! E aí, dentro do coletivo, como sempre cantei, tinha uma vontade grande de voltar a cantar, de juntar essas duas artes que me deixam feliz. E aí nasce o projeto da banda Verônica Decide Morrer. Inicialmente deveria ser uma parada mais blues, mais jazz, mais fina. E, de repente, a gente se viu fazendo um grande rock and roll, um punk rock direto, com o pé na porta, com música brasileira, com música autoral.

Ao longo dessa nossa trajetória enquanto banda, conseguimos circular muito pelo Ceará, fazer alguns festivais fora do Ceará, como o Se Rasgo, em Belém do Pará. Fizemos o TomaRock em Rio Branco, no Acre. Teia em Natal. Então, quando fomos gravar o disco no Rio de Janeiro, a gente já foi com a ideia de ficar por ali, por São Paulo, que o eixo Rio-São Paulo é um eixo forte pra quem trabalha com música, com arte. A gente tá, felizmente, rompendo com isso, né?

É muito bom, mas sou ainda dessa geração que precisou migrar, sair de Fortaleza. Dentro desse êxodo todo pude chegar numa época muito bacana em São Paulo com grandes amigos meus do Ceará, de Pernambuco, que também estavam chegando. Entro num coletivo de teatro com a galera de Pernambuco, que é a Motosserra Perfumada. Começo a desenvolver trabalhos. Tocamos na Virada Cultural, que é um evento grande. A banda existiu durante 12 anos.

Aí veio a pandemia e a gente meio que se dispersou. Nessa dispersão houve um rompimento, necessário também, porque é assim como começam os ciclos, é importante também alguns se fecharem e fecharem de forma tranquila, para que outras trajetórias comecem a ser traçadas. Ali que senti que esse retorno ao teatro seria necessário naquele momento. Até porque me vi muito sozinha na pandemia.


"Fui presenteada pelo universo mesmo. Lembro como se fosse hoje a audição, que foi toda online", recorda Verónica ao ser selecionada para interpretar Brenda Lee / Foto: Rafa Dotti

E aí foi na pandemia que nasceu o projeto da Brenda Lee?

Sim, fui presenteada pelo universo mesmo. Lembro como se fosse hoje a audição, que foi toda online. Imagina a gente fazer um espetáculo disso, trabalhando no Zoom, ensaiando coreografia pelo Zoom, cada um no seu espaço de casa. Gente, era torturante, mas ao mesmo tempo... 

Toda travesti tem um pouco de Brenda. Tem isso no DNA. Não tem como fugir

A galera do teatro teve que reaprender, né? 

Reaprender. Mas, ao mesmo tempo, foi muito precioso. É um trabalho que, onde estivermos, o que tivermos em cena, por ser tão verdadeiro, qualquer que seja a linguagem, vai funcionar. Claro que, quando viemos para o presencial, esperamos mostrá-lo da melhor forma. Com um bom rider (lista de instruções de palco), bons microfones, até porque é um musical...

A gente precisa entregar esse trabalho com excelência até para honrar a própria Brenda Lee, a nossa transcestralidade. Acho que fui escolhida por ela. Achava, quando fiz a audição, que até poderia passar, mas que eu iria pegar qualquer outra princesa. Aí, não. Vou pegar outra princesa. Não tenho nada a ver com Brenda Lee, caretinha, catolicazinha, sabe? Eu sempre dizia, esse negócio não é pra mim, sou do rock'n'roll, sou sozinha, nasci sozinha, vou morrer sozinha. E aí vem Brenda Lee e me dá um tabefe grande para que comece a entender que a gente também é e faz parte dessa transcestralidade, né?

Então, acabamos sendo essa mãezona, essa acolhedora. Toda travesti tem um pouco de Brenda. Tem isso no DNA. Não tem como fugir. Seja a acolhida numa noite na rua, seja numa vida. O acolhimento é muito presente nos nossos corpos. Por mais que se conheça muita solidão, acho que é um corpo que é, como cantava Gal, amor da cabeça aos pés.


"É muito louco isso porque é uma história tão importante e tão silenciada. A gente tinha pouquíssimos registros", reflete / Foto: Rafa Dotti

Assisti o espetáculo e me emocionei muito, e imagino que para você tenha sido muito forte criar a personagem. 

Até porque a gente tinha muito pouco registro. 

Tínhamos muito pouco registro em vídeo dessa travesti, que foi incrível, para pesquisar

Pois é, é uma história que não é contada. 

É muito louco isso porque é uma história tão importante e tão silenciada. A gente tinha pouquíssimos registros... Lembro de um documentário que é Dores de Amor, que fala muito da cena de São Paulo dessa época dos anos 1980. Aí tem uns trechinhos da casa da Brenda, as primeiras perguntas na peça. Não é para dar spoiler, mas na peça tem um repórter que faz algumas perguntas e todas as respostas são respostas ipsis litteris, aquilo que a Brenda falou, colhidas desse documentário.

Quando ela fala da reforma, quando fala, no começo da peça, que tem aqui na casa uma espécie de palco, tudo isso. Tínhamos muito pouco registro em vídeo dessa travesti, que foi incrível, para pesquisar. E o pouco que a gente tinha já era grandioso. Ela esteve na Hebe [Camargo]. Foi um nome super respeitado na cena de São Paulo nos anos 1980.

Uma das grandes amigas da Brenda, a Claudia Wonder, é uma grande inspiração para mim dentro do rock and roll. Foi uma travesti do punk rock nos anos 1980. Me achava muito mais parecida com a Cláudia do que com a Brenda e, de repente, me vejo fazendo a Brenda.

Agora, em São Paulo, vou fazer um musical, que é o Priscilla, a Rainha do Deserto, revezando a personagem com a Wally Rui, que é quem fazia a Cláudia Wonder nessa mesma época. Olha, que louco! 


"Acho que todo corpo transvestigênero passa por essa visão equivocada da nossa identidade" / Foto: Rafa Dotti

Gente, a vida nos traz, não é? 

A gente brinca dizendo que Brenda e Cláudia estão brindando. Deu certo. 

Essa casa que era dela está preservada? Ainda existe? 

O prédio existe. Queria muito resgatar esse CNPJ da Casa da Brenda, mas o CNPJ está afundado em dívidas. É um prédio do qual essa galera cisgênera se apossou e hoje não funciona, infelizmente. 

Mereceria, né? 

É um projeto resgatar esse espaço e transformá-lo numa casa, de fato, como era e como já foi. 

No meu currículo tem Verónica, atriz, cantora, nordestina e travesti

Para mim, o que mexeu muito também na peça é essa humanidade. Não é o estereótipo da travesti, da trans. O ser que está ali e tu vendo tudo com suas fragilidades, com seus sonhos...

É porque o corpo da travesti, o corpo do homem trans... Acho que todo corpo transvestigênero passa por essa visão equivocada da nossa identidade. Costumo brincar dizendo que, no meu currículo, tem Verônica, atriz, cantora, nordestina e travesti.

Mas sabemos que, na rua, quando a gente sai, a gente primeiro é vista como travesti. E aí tudo o que se fizer vai ser decorrente, vai vir depois desse carimbo. Se for ruim, vai ser porque é travesti. Se bom, como pode ser bom se é travesti, sabe? E aí a Brenda vem nesse lugar revelar um grande espelho.

Pegamos essa realidade e botamos um grande espelho para que essa realidade vista aqui da plateia possa olhar para si e ver: “Olha isso, é essa galera que a gente mata? São essas meninas que a gente tortura? É esse tipo de corpo que a gente julga não amar, não cuidar? É esse corpo que é o violento?” Tem até uma frase na Brenda em que ela diz que a travesti é sempre travesti, nunca vítima, porque parece que alguma coisa ela fez para merecer.

Fizemos uma sessão de Brenda só para médicos. Foi uma sessão extremamente potente, mas extremamente difícil

Lembro que, em São Paulo, fizemos uma sessão que foi comprada pelo doutor Jamal Suleiman, que é o médico infectologista citado na peça. A figura do médico na peça é uma junção dos dois médicos, que é o Suleiman e o Paulo Roberto Teixeira, os dois médicos que cuidaram das meninas e iam até a casa da Brenda para cuidar. A figura do médico é a síntese desses dois.


"Tem uma frase na Brenda em que ela diz que a travesti é sempre travesti, nunca vítima, porque parece que alguma coisa ela fez para merecer" / Foto: Rafa Dotti

É muito louco, porque o doutor Jamal completou 80 anos no ano passado e comprou uma sessão de Brenda e lotou com convidados médicos. Fizemos uma sessão de Brenda só para médicos. Foi uma sessão extremamente potente, mas extremamente difícil. Era uma galera - que eram eles - que não atendiam naquela época. Muitos não queriam tratar, deixa morrer... Então, a gente está podendo, com esse espetáculo, trazer essa reflexão nesse lugar do cuidado. A peça funciona como ato, como manifesto, muito por isso. Não trata de estereótipos. 

Houve alguma apresentação da peça em que vocês receberam alguma hostilidade?

Acho que na sessão, não. Mas quando a gente tem a possibilidade de circular com o espetáculo, que tem sete travestis em cena, sofremos algumas espécies de boicote. A gente esteve no Festival de Curitiba em que... E eu vou dizer, não é?

Percebemos essa hostilidade diante dos nossos corpos

Podes dizer. 

No Festival de Curitiba, que foi lindíssimo, na primeira apresentação, a gente tinha dado com bastante antecedência, um rider técnico que não foi honrado. Fica difícil fazer um musical quando você diz que precisa disso e, quando chega lá, não tem isso. E aí percebemos que, ao mesmo tempo, por exemplo, no outro grande teatro, estava Vera Holtz com Fricções. Tenho certeza de que tudo o que ela pediu, e se tivesse pedido toalhas brancas com letras douradas, estaria lá.

Percebemos essa hostilidade diante dos nossos corpos. Tivemos aqui em Porto Alegre uns pequenos problemas técnicos e sentimos de imediato essa... energia contra. É um técnico que está ali, que pode muito bem dar um jeito nos cabos, porque vai ficar escuro e precisamos ver os cabos, e aí não se dá o jeito e, a qualquer momento, posso tropeçar e se tropeçar e arrastar o cabo, acaba o som.

Essas pequenas coisinhas revelam uma sociedade que ainda não acredita que a gente está conseguindo esses lugares. Mas a hostilidade durante o espetáculo, não. Do público, não. É tanto amor, é tanto acolhimento, é tanta familiaridade, é tanta irmandade que até o próprio conceito dessa família careta, tradicional, vai sendo exposto diante desse grande espelho. E aí essa consciência de que não, a gente não ama, quem ama são elas. Não acolhemos os nossos próprios filhos biológicos, estamos mandando pra rua as nossas próprias filhas biológicas, né.

Brenda é uma aula sem ser partidária ou panfletária

Então, Brenda é uma aula sem ser partidária ou panfletária. Não é para formar novas travestis, sair da peça querendo ser travesti. Não! Pelo contrário. Você sai da peça dizendo, caralho, essas meninas... Tem um texto na peça que é muito bonito, que foi cortado, que até citei ontem. Diz assim: “Essas meninas já passaram por tudo, né? Passaram o cão”. Eu falo “meninas” porque travesti não fica velha, morre antes. Lembro que quando a gente fazia essa cena, a plateia se acabava quando eu dizia, “Ah, travesti não fica velha”. Aí a plateia morria de rir... E eu dava um “Morre antes”, e a plateia despencava... Porque é muito isso, né? A gente é “suicidada” o tempo todo.

E tem a morte simbólica, tem a morte física, tem a morte simbólica de não dar visibilidade. Tem alguma outra peça que tem só travestis no palco?

A gente quer exercer a nossa função de atriz, a nossa vocação de atriz. E aí são sete. Então, falar da proporcionalidade da Brenda... Acho que somos uma das pouquíssimas peças. Sei que existem alguns trabalhos com duas, três, existem trabalhos na dança, que a dança tem essa abertura maior de juntar mais corpos transvestigêneres.

Fizemos A Segunda Queda, uma peça também que a gente musicou em São Paulo, que é de um livro de uma dramaturga trans, a Ave Terrena, onde colocamos no Teatro Oficina 50 corpos transvestigêneres. Mas aí foi uma apresentação muito especial. Não se deu continuidade.

Ainda sentimos uma dificuldade imensa de circular com esse trabalho

E uma coisa interessante que a peça traz também é que vocês querem estar na saúde, na educação, no palco, em todos os espaços.

Sim, tanto no palco quanto fora do palco. A Brenda sempre acreditou muito na humanidade das meninas. Sempre apoiou e investiu tempo e dinheiro. Brenda vendia o carro, as meninas que estavam na Europa mandavam dinheiro para manter a casa, para que essas meninas pudessem acreditar nos próprios sonhos, para que aquela que quisesse ir para a Itália, que fosse, aquela que quisesse ir para uma faculdade, que fizesse.

É sobre a humanização dos nossos corpos. E a Brenda já via isso muito nessa época, não era só para... Claro que é polêmico, porque a Brenda era chamada de cafetina. Naquela época era quem abriu o espaço da casa para apoiar essas meninas que trabalhavam com prostituição na rua. Era o único meio de ganhar dinheiro na época. Ou eram sendo prostitutas ou eram sendo prostitutas.


"A Brenda sempre acreditou muito na humanidade das meninas. Sempre apoiou e investiu tempo e dinheiro" / Foto: Rafa Dotti

Até hoje, vemos que os nossos corpos são constantemente empurrados para isso. Estamos aqui com um espetáculo lindíssimo, Brenda, o mais premiado do Brasil, mas ainda sentimos uma dificuldade imensa de circular com esse trabalho. A gente apresenta aqui e pergunta: E depois? O que vamos fazer enquanto não circular? Enquanto esses grandes editais não investirem nesse trabalho, que é especial, é potente...

Todas as cidades desse Brasil precisam conhecer a história de Brenda Lee. E isso requer um investimento. E aí nos vemos mais uma vez nesse lugar. É lindo, é grandioso, mas são travestis. Fora daqui, as perguntas são “O que elas fazem para sobreviver? Como estão pagando o aluguel? Do que elas estão com medo?” Somos travestis. As oportunidades não são as mesmas, os acessos não são os mesmos, e a gente não pode também romantizar esse lugar. É um trabalho que levou ao Núcleo Experimental todos os maiores prêmios de teatro musical do Brasil. E temos uma dificuldade imensa de circular com esse trabalho.

É preciso contar da real importância histórica desse movimento todo

Não é só a memória da Brenda. É tudo o que representou esse momento da sociedade na década de 1980, quando chegou a Aids, e que levou muitas vidas. Hoje, acho que as pessoas mais jovens não têm ideia do que foi...

É uma parada que precisa ser contada por nós. Nossa história já foi por muito tempo contada por outras pessoas. É preciso contar da real importância histórica desse movimento todo que a Brenda começou a fazer. Mas estamos aqui e vamos seguir acreditando que a nossa transcestralidade vai também nos honrar e fazer com que circule durante muito tempo ainda e por muitos lugares.

Muito bem. E gostou de Porto Alegre? 

Adoro sair. Como venho com um trabalho muito especial, o sair e mostrar, revelar esse trabalho, que é onde a gente chama de estar. Então, amo. O festival está bonito. Queria ter chegado antes para acompanhar mais coisas porque acho importante essa troca também. Mas estamos felizes com a receptividade do festival e da cidade, com a plateia, com esse teatro lindíssimo.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Ayrton Centeno