Cabo de guerra

Venezuela argumenta sobre Essequibo no Tribunal da ONU e aumenta pressão por território

Texto defende Acordo de Genebra, assinado em 1966 e que pede uma resolução 'satisfatória para todas as partes'

Caracas (Venezuela) |
No texto, a Venezuela afirma ver com desconfiança as medidas da Corte Internacional de Justiça pelos interesses energéticos sobre a região - Robin van Lonkhuijsen / ANP / AFP

A vice-presidenta da Venezuela, Delcy Rodríguez, apresentou nesta segunda-feira (8) um documento com a defesa do país sobre o território de Essequibo, disputado com a Guiana, na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda. O texto pede que seja cumprido o acordo de Genebra, assinado entre Guiana e Reino Unido em 1966, que definia que a disputa sobre o território se daria a partir do diálogo de "maneira satisfatória para todas as partes".

O documento venezuelano é chamado pelo governo de "posição histórica em relação à disputa com a Guiana" sobre a região. Já na Holanda, a vice-presidenta voltou a criticar o laudo arbitral de Paris, assinado em 1899, que deu parte do território ao Reino Unido. "O laudo de 1899 foi uma fraude. Venezuela nunca consentiu com a jurisdição da Corte para essa controvérsia territorial. O único instrumento válido é o Acordo de Genebra de 1966", disse Rodríguez.

O Ministério das Relações da Venezuela divulgou um documento com 18 tópicos que estão na defesa entregue ao Tribunal da ONU. O texto diz que o governo venezuelano ficou sabendo em março de 2018 que a Guiana havia pedido de forma unilateral a validade do laudo de 1899 à Corte Internacional de Justiça. A chancelaria chamou o episódio de "um dos eventos de maior gravidade na disputa sobre Essequibo". 

Ainda de acordo com o texto, a Venezuela vê com desconfiança as medidas da Corte Internacional de Justiça por causa do potencial energético da região. Em 2015, a empresa estadunidense Exxon Mobil encontrou enormes reservas marítimas de petróleo na costa de Essequibo. Segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, o produto descoberto é mais leve do que o petróleo venezuelano, o que faz com que o refino seja mais fácil e barato.

O documento da chancelaria venezuelana contesta a decisão da petroleira estadunidense e do governo da Guiana de dar a questão como resolvida e adiantar o processo de exploração em Essequibo. A Venezuela também disse que o governo dos Estados Unidos exerce pressão sobre o caso, ameaça a paz na região e pediu que os guianenses voltem à mesa de negociação. 

A Guiana chama a postura da Venezuela de ilegal e diz que o presidente Nicolás Maduro tem pretensões “expansionistas”. 

Lei sobre Essequibo

A viagem de Delcy à Holanda acontece na esteira da lei promulgada pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, sobre Essequibo. A "Lei Orgânica pela Defesa da Guiana Essequiba" pretende oficializar a decisão tomada em referendo pela população no ano passado de tratar o território do Essequibo, em disputa com a Guiana, como um estado venezuelano.

A lei sancionada por Maduro já havia sido apresentada pelo próprio presidente em dezembro de 2023, logo após o referendo que colheu a opinião da população sobre a disputa em torno do território. A lei foi aprovada em primeiro turno no Parlamento em 6 de dezembro e em segundo turno em 21 de março.

O texto determina um período transitório para a incorporação, até que se realizem eleições para escolher um governador para o novo estado que seria criado. Até lá, o território seria legislado pela Assembleia Nacional venezuelana. A lei determina também que a Venezuela vai escolher um chefe de governo que funcionará provisoriamente em Tumeremo, no estado de Bolívar (sul), perto da fronteira com a área em disputa.

Outra questão indicada pela lei é que os mapas que tenham o território da Venezuela devem apresentar o estado do Essequibo.

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, disse que a lei é "ilegal" e viola "princípios fundamentais do direito internacional". Ele afirmou também que a decisão "contradiz" a reunião entre ele e Maduro realizada em dezembro de 2023 em São Vicente e Granadinas, que teve como conclusão um documento afirmando que os dois países manteriam o diálogo para resolver a questão.

A disputa

Com 160 mil km², o território do Essequibo é objeto de disputa desde o século 19. Após as descobertas de petróleo na região pela Exxon Mobil em 2015, a Guiana entregou concessões para que a empresa pudesse explorar as reservas que são estimadas em mais de 11 bilhões de barris de petróleo e fizeram o PIB guianês ser o que mais cresce no mundo, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A decisão desagradou Caracas, que alega que Georgetown não poderia ter emitido concessões de maneira unilateral em um território não delimitado. No documento entregue pela Venezuela à Corte Internacional de Justiça, o Ministério das Relações Exteriores do país acusa a Guiana de seguir os interesses da Exxon Mobil e incitar um conflito na região.

Já a Guiana acusa o vizinho de "intenções expansionistas" e desde setembro vem permitindo exercícios militares dos EUA na fronteira. O presidente do país, Irfaan ali, afirma que "a controvérsia deve ser resolvida na Corte Internacional de Justiça [CIJ]", âmbito que é rejeitado por Caracas, apesar de ter apresentando sua defesa nesta segunda-feira (8).

Segundo o Conselho Nacional Eleitoral, cerca de 10,5 milhões de eleitores participaram do referendo e 95,93% aceitaram incorporar a Guiana ao mapa e conceder cidadania aos mais de 120 mil guianenses que vivem na região.

Edição: Rodrigo Durão Coelho