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Incra reconhece as terras do quilombo onde viveu Mãe Bernadete: 'Felicidade, mas também tristeza'

Moradores celebram conquista e lamentam a ausência da líder quilombola assassinada em 2023

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Casa onde viveu Mãe Bernardete, no quilombo Pitanga dos Palmares; disputas no território ocorrem ao menos desde a década de 1940 - Janaína Neri

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconheceu formalmente as terras do Quilombo Pitanga dos Palmares, na região metropolitana de Salvador. No local viveu a líder quilombola Mãe Bernadete, assassinada em agosto de 2023 na presença dos netos.

Ao Brasil de Fato, Jurandir Pacífico, filho de Bernadete, celebrou a titulação, mas disse que o momento é de "felicidade, mas também de tristeza", já que a mãe não vai vivenciar esse momento, assim como Flavio Gabriel Pacífico dos Santos, mais conhecido como Binho do Quilombo, também filho de Bernardete, assassinado em 2017.

"Todos nós aqui da comunidade quilombola sabemos que essa titulação não será a mesma coisa sem a presença de Mãe Bernadete. Ela que lutou a vida inteira, junto com seu filho Binho do Quilombo, ambos assassinados, sempre buscando essa titulação e melhorias para as comunidades quilombolas da Bahia e de todo o Brasil", disse Pacífico.

A comunidade, que fica entre os municípios de Simões Filho e Candeias, tem 162 habitantes – 150 deles registrados como quilombolas, segundo o Censo de 2022. A ocupação da região foi iniciada no século 19, e já era reconhecida desde 2004 como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares. As famílias que vivem no local subsistem de atividades como agricultura familiar e pesca não predatória.

"Quando a gente fala de titulação de um quilombo, é você prospectar dias melhores, com agricultura familiar, mais educação, mais segurança, mais saúde. Resumindo, a titulação é prosperidade da comunidade", complementou Jurandir.

A área é alvo de disputas por território ao menos desde a década de 1940, quando houve instalação de oleodutos para transporte de petróleo na região. Nas décadas seguintes, a comunidade foi diretamente afetada por indústrias e pela construção de ferrovias e rodovias.

Mãe Bernadete foi assassinada em 17 de agosto de 2023. De acordo com relatos de familiares, dois homens chegaram de moto ao local e entraram de capacete no terreiro. Quando encontraram a líder quilombola, dispararam diversas vezes, na frente dos três netos. O crime foi gravado pelas câmeras do terreiro. As imagens foram entregues à Polícia Civil.

Depois que passou a receber ameaças de morte, em 2021, Mãe Bernadete mandou instalar câmeras em sua casa e no terreiro. Nos últimos anos de vida, lutou para que os mandantes do assassinato do filho Binho do Quilombo fossem identificados. As mortes podem ter relação com a disputa pela terra.

"[No caso de] Binho do Quilombo, meu irmão que foi assassinado em 2017, existe 100% de impunidade. As evidências estão lá, mas nenhuma atitude é tomada. Desde 2017 impune. E essa impunidade resvalou em minha mãe, infelizmente", lamentou Jurandir.

Edição: Matheus Alves de Almeida