Comunicação

'Veicular desinformação fere ética jornalística', diz pesquisadora sobre entrevista de Flávio Bolsonaro ao Roda Viva

Sem provas, o senador atribuiu a derrota de Bolsonaro na eleição presidencial de 2022 a uma suposta interferência do TSE

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Flávio Bolsonaro partipou do programa Roda Viva, nesta segunda-feira (8) - Reprodução/Youtube/TV Cultura

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), utilizou o seu tempo no programa Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda-feira (8), para atacar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e difundir desinformação.

O parlamentar atribuiu a derrota de seu pai na eleição presidencial de 2022 a uma suposta interferência do TSE no processo eleitoral que teria favorecido o vencedor Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"O processo eleitoral todo não foi imparcial. Não foi equilibrado entre Lula e Bolsonaro. O que o TSE fez antes, durante e depois das eleições, ficou muito claro para todo mundo que ele pesou muito mais a favor de um lado do que do outro. Você vai lembrar que a gente foi censurado de falar muitas verdades sobre o Lula", disse mais uma vez sem apresentar provas.

A entrevista de Flávio Bolsonaro levantou o debate sobre quais são os limites para veicular informações incorretas. Gyssele Mendes, da coordenação executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e mestre e doutoranda em comunicação, afirma que a veiculação de desinformação fere os princípios éticos do jornalismo. 

"Quando uma informação equivocada está sendo veiculada, as emissoras e os profissionais de imprensa têm o dever ético de corrigir a informação" ao mesmo tempo em que a informação é divulgada, afirma Mendes.

Tal mediação e correção, defende a comunicadora, não devem ser vistas como uma censura. "A mediação parte do princípio de que há um diálogo com posições divergentes sendo colocadas. Isso é do debate público. Com a censura, não há diálogo, o que existe é apenas o cerceamento e silenciamento."

Confira a entrevista na íntegra: 

Brasil de Fato: É correto veicular entrevistas que difundem desinformação? Em que momento deixa de ser correto? 

Gyssele Mendes: Não é de hoje que as emissoras de rádio e TV cumprem o papel de desinformar a sociedade. Basta olharmos para qualquer cobertura da grande mídia sobre movimentos sociais, sobre manifestações da esquerda brasileira ou qualquer fato que vá de encontro aos interesses políticos e econômicos das emissoras.

No entanto, não podemos perder de vista que as emissoras de rádio e TV são concessões públicas, com o dever constitucional de atender a finalidades informativas, educativas, entre outras, conforme o capítulo V da Constituição Federal. Quando elas se colocam como espaço para disseminação de desinformação, elas ferem um princípio constitucional.

Além disso, o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em seu artigo 2º, define que "a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida". Ou seja, a veiculação de desinformação por meios de comunicação significa também ferir os princípios éticos do jornalismo.

Como os profissionais da imprensa devem fazer essa mediação? 

Quando uma informação equivocada está sendo veiculada, as emissoras e os profissionais de imprensa têm o dever ético de corrigir a informação. Isso de forma alguma pode ser considerada censura, pois não há o silenciamento, não há o impedimento da manifestação, e sim a correção de uma informação sabidamente equivocada. Jornalistas têm o dever de divulgar os fatos e informações de interesse público e devem se manifestar caso estejam diante de informações que contrariem isso. 

Que tipo de mediação pode ser considerada uma censura?

Acho que mediação e censura são coisas completamente diferentes. A primeira parte do princípio de que há um diálogo com posições divergentes sendo colocadas. Isso é do debate público. Com a censura, não há diálogo, o que existe é apenas o cerceamento e silenciamento, não há manifestação contrária possível em um episódio de censura. Nós vimos isso acontecer recentemente em inúmeros episódios durante o governo Bolsonaro. 

A desinformação deve ser vista como uma estratégia política que visa o lucro, seja ele financeiro, simbólico, de capital político, entre outros. Portanto, a veiculação de desinformação não é algo ingênuo por parte das emissoras e elas devem ser cobradas por isso.

Quais são os prejuízos para a sociedade com a veiculação desse tipo de entrevista que veicula desinformação?

Os prejuízos para a sociedade são imensos e não faltam exemplos. Os processos eleitorais, tanto no Brasil quanto em outros lugares do mundo, têm sido amplamente afetados pela disseminação desenfreada de desinformação. Quem lucra com isso? É preciso olhar para isso também.

Não podemos ficar presos em soluções inócuas, em um jogo de apenas desmentir o que está sendo dito ou criminalizar a pessoa que está na ponta dessa cadeia, isso é enxugar gelo. Nós temos que seguir o dinheiro, buscar responsabilizar quem está lucrando com isso, buscar medidas que atinjam diretamente o modelo de negócios de quem está lucrando com esse tipo de estratégia 

Acredita que entrevistas que difundiram desinformação ao longo dos últimos anos contribuíram para o nível de desinformação da sociedade e para o avanço da extrema direita no país?

A extrema-direita se apropriou muito bem da desinformação enquanto estratégia e compreendeu rápido como usar principalmente as plataformas digitais a seu favor. O jogo que elas fazem entre mídia tradicional e digital é exemplar nesse sentido. Políticos de extrema-direita vão à grande mídia já pautados para encenar o vídeo que dali a pouco tempo estará sendo disseminado nas redes sociais, com o corte perfeito para os algoritmos distribuírem.

Certamente isso contribuiu para o avanço da extrema-direita e acredito que as plataformas digitais têm papel central nisso, com um modelo de negócios baseado na vigilância, captura e tratamento de uma imensidão de dados que nós não fazemos ideia de como são usados, porque não há transparência por parte das empresas.

Edição: Matheus Alves de Almeida