Jogo político

Comissão da Câmara acelera pauta da extrema direita e aprova PL que autoriza estados a legislarem sobre armas

Texto é de autoria de Caroline de Toni, aliada de Jair Bolsonaro, e teve oposição de PSD e de siglas da esquerda

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), relator do PL 108, que concede a estados poder de legislar sobre armas - Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados acelerou, mais uma vez, nesta quarta-feira (24), a agenda da extrema direita e aprovou uma proposta que autoriza os estados a legislarem sobre temas relacionados a armas de fogo. O texto, de autoria da presidente do colegiado, Caroline de Toni (PL-SC), gerou fortes dissidências, mas, ao final, o relatório produzido pelo deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP) recebeu sinal verde por um placar de 34 votos favoráveis e 30 contrários.

Diferentes parlamentares do campo progressista se sucederam na argumentação contrária à proposta, que tramita como Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2023. O segmento aponta que esse tipo de medida tem potencial para ampliar os índices de violência por arma de fogo e dialoga com a lógica do populismo penal, tendência punitivista que defende penalidades criminais com base no termômetro da opinião pública, e não em argumentos técnicos. Renildo Calheiros (PCdoB-PE), por exemplo, disse que a medida tende a incentivar a ocorrência de crimes por motivo fútil:

“Está fartamente comprovado por especialistas na matéria que uma população fortemente armada tem uma tendência muito grande de transformar em crime, em assassinato, em morte, vários casos que seriam resolvidos de outra maneira se essas pessoas não estivessem com armas de fogo. E, nesse caso, seria poupado o bem mais precioso que existe, que é exatamente a vida. É não compreender nada da realidade alguém pretender que, armando a sociedade, está se construindo a paz e a tranquilidade das famílias. Não sei como alguém pode chegar a essa conclusão.”

Antes de votarem o conteúdo do relatório, parlamentares contrários tentaram aprovar um requerimento de retirada do PL da pauta, mas foram vencidos em um placar de 31 votos contrários e nove favoráveis, com 15 obstruções. Depois, um outro requerimento, desta vez apresentado por defensores do projeto, pediu o encerramento da discussão para agilizar a votação do conteúdo do texto. “Encerrar a discussão é querer passar o rodo”, reclamou Chico Alencar (PSOL-RJ). Os proponentes venceram por 32 votos favoráveis ao pedido contra 15 rejeições e uma abstenção.


CCJ durante reunião nesta quarta-feira (24) / Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Na hora da votação do mérito da proposta, partidos como PP, MDB, Republicanos, Podemos e PRD se dividiram e registraram votos tanto pelo “não” como pelo “sim”. PL, União Brasil e a Federação PSDB-Cidadania tiveram apenas posicionamentos favoráveis ao relatório de Bilynskyj, enquanto a Federação PT-PcdoB-PV, a Federação PSOL-Rede e o PSD votam integralmente pela rejeição da proposta.

Relatório

Em seu parecer, o relator argumenta que “as realidades distintas nos vários estados da Federação demandam análises específicas conforme as localidades, as quais serão deliberadas com maior eficiência se realizadas nos respectivos Poderes Legislativos dos estados e do Distrito Federal.” Ele disse ver “constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa” no projeto de lei. O argumento foi rebatido por diferentes deputados.

PSD e partidos do campo da esquerda disseram que o PL fere o pacto federativo e a Constituição Federal de 1988. A deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) apontou que a matéria é inconstitucional e ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se debruçou sobre o assunto nos últimos anos, ao julgar normas de estados como Acre e Roraima, que aprovaram projetos de teor semelhante. Na ocasião, a Corte ressaltou já ter jurisprudência consolidada no sentido de que compete à União definir requisitos para concessão de porte de armas, possíveis titulares desse direito, etc.

A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, disse na época que o objetivo é assegurar que haja uma uniformidade da regulamentação desse tema no território nacional.

“Conforme nos ensina Carlos Maximiliano, deve o direito ser interpretado inteligentemente, não de modo a que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis”, disse Laura Carneiro, ao citar o jurista e criticar o projeto de lei. A parlamentar foi relatora do Estatuto do Desarmamento na Comissão de Segurança Pública da Câmara, em 2003.

“É por isso que nós votamos [as pautas], votamos mal e convocamos o STF aqui pra dentro. Está se convidando o STF para que ele venha legislar por nós”, disse o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), ao criticar o projeto e citar indiretamente o contexto de aborrecimento de uma parte dos parlamentares com decisões tomadas nos últimos tempos pelos ministros do Supremo.

Extrema direita

O deputado Bacelar (PV-BA) se queixou do domínio das pautas da extrema direita sobre a agenda da CCJ. O colegiado está sob o comando de Caroline de Toni desde o início do ano, quando articuladores do governo foram derrotados nas negociações sobre as presidências das comissões ao tentarem impedir a escolha da parlamentar para o posto. A deputada é apontada como uma das mais radicais do grupo apoiador de Jair Bolsonaro (PL), por isso seu nome enfrentou muita resistência dentro da Casa. Desde sua chegada à presidência a comissão passou a priorizar temas defendidos pelos grupos mais conservadores da Câmara.

“É com muita tristeza que eu tenho ouvido nos corredores desta Casa o que está acontecendo com a CCJ. Agora mesmo, quando cheguei aqui, tanto deputados quanto cidadãos comuns [estavam] questionando a forma como a CCJ tem sido conduzida”, reclamou. Na sequência, o parlamentar citou e enumerou a sequência de temas que têm sido colocados em votação no colegiado em 2024.


Bacelar (PV-BA) disse, durante votação na votação do PL 108, que CCJ "se transformou no comitê eleitoral da bala" / Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

“Começamos os trabalhos [no início do ano] com uma pauta que privilegiava a destruição do meio ambiente. [Isso] É saudade do Bolsonaro, que permitiu desmatamento, queimadas, que viu ‘a boiada passar’. Na segunda semana, se transformou no comitê eleitoral da bala, e aí não para. A terceira foi a semana da criminalização dos movimentos sociais. Ainda estamos nos últimos dias desta semana. Eles, o partido PL, têm horror aos movimentos sociais e ainda querem dizer que são defensores da democracia.”

Bacelar continuou o raciocínio criticando o PL 108. “E agora vamos iniciar a semana da destruição da Federação. Querem destruir a Federação. São separatistas. E esta é a comissão que tem a obrigação de examinar os aspectos jurídicos e constitucionais, mas tudo isso está sendo relegado a segundo plano. Esta é uma comissão que precisa retomar o seu caminho”, apelou. Caroline de Toni não respondeu a manifestação de Bacelar.

Edição: Matheus Alves de Almeida